07 agosto 2017

Buenos Aires europeia: Avenida de Mayo e Palácio Barolo

Antigo Hotel Paris, edifício art nouveau da Avenida de Mayo, Buenos Aires
O antigo Hotel Paris, no nº 1161, um dos expoentes art nouveau da Avenida de Mayo

Atualizado em setembro de 2022

Um dos meus programas preferidos na capital argentina é admirar o charme de sua arquitetura do final do Século 19 e começo do Século 20. As fachadas de casarões e edifícios daquela época são a feição mais visível de uma Buenos Aires europeia, a metrópole que começava a se desenhar, cosmopolita e elegante.

E para ver essa marca portenha, nada melhor do que um roteiro pela Avenida de Mayo e a visita guiada ao Palácio Barolo, um dos seus edifícios mais famosos.

Palácio Barolo, Avenida de Mayo, Buenos Aires
A Avenida de Mayo refletida na fachada do Palácio Barolo

A Avenida de Mayo não é cenário de um tango famoso, como a Avenida Corrientes em A media luz, mas é a mais emblemática das vias portenhas, cartão de visitas de uma cidade que quis se despedir do Século 19 celebrando sua pujança econômica.

Em Buenos Aires, é a Avenida de Mayo que melhor expressa uma época em que o Ocidente estava enamorado pelo “progresso” e pela modernidade.

Fachada art nouveau na Avenida de Mayo, Buenos Aires
Olha o charme dessas sacadas em forma de proas de barcos. A Fragata amou!

Muito dessa arquitetura de Buenos Aires permanece muito bem preservada e rende passeios deliciosos. O roteiro pela Avenida de Mayo é perfeito para ser combinado com a visita ao Palácio Barolo, um tour que termina em no alto de sua torre, a 100 metros de altura.

Veja que bacana este roteiro:


Roteiro em Buenos Aires: Avenida de Mayo e Palácio Barolo


Saguão do Palácio Barolo, Avenida de Mayo, Buenos Aires
Saguão do Palácio Barolo. O edifício inteiro é um escândalo de bonito

⭐ Visita guiada ao Palácio Barolo

O Palácio Barolo, na Avenida de Mayo, é um delírio neogótico bancado por um ricaço italiano, o pecuarista Luís Barolo.

A construção tem toda uma simbologia calcada em A Divina Comédia, de Dante Alighieri. O poema épico transformado em cânone arquitetônico.

O Palácio Barolo foi inaugurado em 1926 e recentemente restaurado e devolvido a seu esplendor.


Cúpula do Palácio Barolo, Buenos Aires
Decoração do Palácio Barolo: o interior da cúpula e (abaixo) uma escadaria

Escadaria do Palácio Barolo, Buenos Aires


Luís Barolo e o arquiteto Mario Palanti, seu conterrâneo, eram fãs de Dante e chegaram a sonhar em trazer os restos mortais do poeta para a Argentina, já que a Itália vivia tempos conturbados após a I Guerra Mundial.

O edifício, candidato a mausoléu do poeta, está dividido em três partes: inferno, purgatório e céu, como A Divina Comédia. Quanto mais alto o andar do prédio, menos decoração — expressão da vaidade terrena — e mais luz natural ilumina os ambientes, simbolizando a aproximação de valores mais celestiais.


Fachada do Palácio Barolo, na Avenida de Mayo, Buenos Aires
Detalhes da fachada do Palácio Barolo, na Avenida de Mayo

Palácio Barolo, Avenida de Mayo, Buenos Aires
Inspirado na Divina Comédia, de Dante, o Palácio Barolo é uma belíssima extravagância

O arquiteto Mario Palanti projetou também um edifício gêmeo do Pálácio Barolo, o Palácio Salvo, em Montevidéu, inaugurado em 1928. Fica na esquina da Avenida 18 de Julio com a Praça Independencia.


Os 100 metros de altura do Palácio Barolo extrapolam o gabarito original da Avenida de Mayo. Para construir o prédio nesse tamanho, Barolo teve que requerer uma licença especial e pagar uma compensação em dinheiro, exigida pela Prefeitura de Buenos Aires.

Mas os 100 metros de altura não são à toa. Eles representam os 100 cantos de A Divina Comédia.

Vista do farol do Palácio Barolo, na Avenida de Mayo, Buenos Aires
Buenos Aires vista do farol do Palácio Barolo, a 100 metros de altura

Já a cúpula do Palácio Barolo foi inspirada em um templo hindu dedicado ao amor, representando a reunião de Dante e Beatriz no Paraíso, na terceira parte da Divina Comédia.

Simbologias à parte, o interior do Barolo é muito bonito, especialmente no “inferno”, com toda sua decoração intrincada e citações à maçonaria.

A subida até o mirante da torre e ao farol do Palácio Barolo — uma gaiolinha envidraçada com uma vista fantástica, mas que é capaz de apavorar que tenha fobia de altura — compensam a simplicidade dos andares superiores, “a caminho do paraíso”.

Farol do Palácio Barolo, Buenos Aires
A cidade nas lentes do Farol do Palácio Barolo

O Palácio Barolo só pode ser visto em visitas guiadas, que são realizadas às segundas, quartas, quintas, sextas e sábados. Os horários variam de acordo com o dia da semana. Consulte o site para se programar.

O percurso dura cerca de 60 minutos. As visitas custam 4.200 (R$ 182/ R$ 110) pesos para não residentes na Argentina. Estudantes e aposentados não residentes pagam 3.200 pesos (R$ 139/ R$ 84).

É imprescindível reservar antes, pois os grupos têm vagas limitadas em um máximo de 25 pessoas.


Interior do Palácio Barolo, Buenos Aires
Um elevador do Palácio Barolo e o ponto de encontro para quem faz a visita guiada, ao lado do quiosquinho onde são vendidos os ingressos, no saguão do edifício

Também é importante saber que a subida à torre do Palácio Barolo é feita por uma escadinha em caracol (seis lances), bem acanhada. Pode ser penosa para pessoas com dificuldade de locomoção.

O Palácio Barolo também recebe visitas noturnas que podem ser combinadas com espetáculos de tango, concertos de violoncelo e até jantar, sempre com degustação de vinhos.

Cúpulas do Palácio Barolo e do Edifício de La Inmobiliaria, na Avenida de Mayo, Buenos Aires
A cúpula do Palácio Barolo (esq) foi inspirada em um templo hindu dedicado ao amor. À direita, a cúpula vermelha do Edifício La Inmobiliaria

O grande momento dessa visita noturna promete ser a subida ao farol do Palácio Barolo, que é aceso e ilumina pontos específicos da cidade, para delírio de quem se comprime no topo envidraçado da torre onde ele está instalado.

As visitas noturnas ao Palácio Barolo são realizadas às segundas, quartas, quintas, sextas e sábados e custam 4.900 pesos para não residentes na Argentina (R$ 213/ R$ 128) Saiba mais sobre os tours no Palácio Barolo.

Grafite na Avenida de Mayo, Buenos Aires
As manifestações políticas também são uma tradição da Avenida de Mayo

⭐Roteiro pela Avenida de Mayo

Um pouquinho da História da Avenida de Mayo
Antes do tombamento de 1997, o tempo e as mudanças da moda fizeram seus estragos na Avenida de Mayo.

Mesmo assim, ainda hoje é possível compreender a imponência do conjunto arquitetônico que queria expressar a “Argentina moderna” do final do Século 19.

Edifícios históricos na Avenida de Mayo, Buenos Aires
A encantadora arquitetura da Avenida de Mayo é o cartão postal da Buenos Aires Belle Époque

É muito interessante palmilhar o corredor de edifícios elegantes da Avenida de Mayo, um mosaico estilístico composto por construções neoclássicas, ecléticas, art nouveau e até um exemplar da art déco.

O caminho percorrido por Buenos Aires entre sua condição de aldeia colonial até o posto de metrópole do Hemisfério Sul passou pela Avenida de Mayo, o primeiro bulevar da América do Sul.

Antiga sede do jornal Crítica, edifício art-déco na Avenida de Mayo, Buenos Aires
A antiga sede do jornal Crítica tem a única fachada art déco da avenida. Hoje o edifício abriga repartições da Polícia Federal Argentina

Desde sua inauguração, em 1894, a Avenida de Mayo atraiu o que havia de mais elegante e contemporâneo para as margens de seus pouco menos de 2 km de extensão.

Hotéis de luxo, lojas caras, residências requintadas, escritórios de políticos e advogados poderosos, redações de jornais, teatros, cafés... O novo bulevar virou o ponto de encontro de intelectuais, artistas e socialites de Buenos Aires.

Antigo Hotel Majestic, Avenida de Mayo, Buenos Aires
Antigo Hotel Majestic, edifício de 1905, no nº 1301

A abertura da Avenida de Mayo foi inspirada na grande reforma urbanística aplicada em Paris pelo Barão Haussmann, na segunda metade do Século 19.

O prefeito de Buenos Aires na época, Marcelo T. de Alvear, queria dotar a cidade com um cartão de visitas cosmopolita — na época, isso era sinônimo de “europeu”. E lá se foram abaixo vários quarteirões de construções coloniais.

Cafés históricos de Buenos Aires: Los 36 Billares e Café Tortoni, na Avenida de Mayo
Cafés históricos ainda estão em plena atividade na Avenida de Mayo, como o Bar Los 36 Billares (esq) e o legendário Café Tortoni

Mas antes de botar a mão na massa, a prefeitura de Buenos Aires cortou um dobrado com os donos dos imóveis desapropriados para a abertura da Avenida de Mayo.

Se em Paris os desalojados pela reforma do Barão Haussmann foram os pobres que ocupavam maltratadas construções medievais, em Buenos Aires o traçado da nova Avenida de Mayo passaria literalmente pelo quintal dos ricos, que mantinham suas mansões e chácaras naquele trecho de terra entre as avenidas Rivadavia e Hipólito Yrigoyen.


Avenida de Mayo, Buenos Aires, protesto contra feminicídio
Nenhuma a menos: simbolicamente a Avenida de Mayo ganha o nome de Maria Belén Morán, vítima de mais um feminicídio na Argentina

Por esse motivo, o sonhado bulevar portenho levou uma década para sair do papel: o projeto foi aprovado em 1884, as primeiras demolições foram feitas em 1888 e a inauguração da Avenida de Mayo só ocorreu em 1894.

Para expressar o peso simbólico da obra, as demolições começaram em um 25 de Maio e a inauguração foi celebrada em um 9 de Julho, as datas das “duas independências” da Argentina.

Faixa celebra o direito ao casamento igualitário na Avenida de Mayo, em Buenos Aires
Faixa em uma repartição pública da Avenida de Mayo celebra o direito ao casamento igualitário na Argentina: o bulevar do Século 19 abraça o Século 21

Manifestações políticas na Avenida de Mayo

Desde sua inauguração, a Avenida de Mayo é palco de manifestações políticas e é bem possível que você encontre alguma concentração desse tipo por lá — em julho, mesmo com a cidade em ritmo de férias, topei com duas, em dias diferentes.

Os argentinos são, em geral, muito politizados e mobilizados e costumam expressar seus descontentamentos e demandas em protestos de rua que costumam ser barulhentos, mas pacíficos. Se você topar com uma dessas concentrações, fique tranquila. Só participa quem quer e a vida segue. 


Edifícios históricos da Avenida de Mayo, Buenos Aires
Terraços "secretos" da Avenida de Mayo vistos da torre do Palácio Barolo

Como chegar à Avenida de Mayo
O centenário bulevar teve a primazia de ser servido pela primeira linha de metrô de Buenos Aires, inaugurada em 1913.

Por baixo da Avenida de Mayo circula a Linha A do Subte (de “subterrâneo”. É assim que os portenhos chamam seu metrô ), com seis estações (Plaza de Mayo, Peru, Piedras, Lima, Saenz Peña e Congreso).

A Linha C do metrô tem a estação Avenida de Mayo, interligada à estação Lima.


Estação Sáenz Peña do metrô de Buenos Aires, na Avenida de Mayo
A Estação Sáenz Peña do metrô é perfeita para começar o passeio no sentido Congresso - Praça de Mayo. Logo na saída, você verá a cúpula do Palácio Barolo

Edifício La Inmobiliaria, Avenida de Mayo, Buenos Aires
O trecho final da Avenida de Mayo visto do terraço do Palácio Barolo, com o Congresso Nacional Argentino ao fundo


O que ver na Avenida de Mayo
A Avenida de Mayo começa na Praça de Mayo, onde estão a Casa Rosada (sede da Presidência da República), o Obelisco do 25 de Maio (data da instalação do primeiro governo do país independente da Espanha), o Cabildo (antiga sede dos governos coloniais) e a Catedral.

Os dois quilômetros da Avenida de Mayo terminam no edifício do Congresso Nacional, onde funciona o Parlamento Argentino.

Palácio Barolo, na Avenida de Mayo, Buenos Aires
O Palácio Barolo fica no final da Avenida de Mayo, bem perto do Congresso Nacional

No trajeto entre as sedes do Executivo e do Legislativo, tem muita coisa interessante para ver na Avenida de Mayo.

Mas é preciso olhar para cima, pois os pavimentos térreos dos imponentes edifícios estão ocupados por comércios muitas vezes sem graça e alguns até caidinhos.

Edifícios históricos da Avenida de Mayo, Buenos Aires
A "fachada mais bem conservada do bairro de Montserrat" fica na Avenida de Mayo

Eu prefiro começar meu passeio pela Avenida de Mayo no lado do Congresso e terminá-lo na Praça de Maiyo, onde tem muita coisa para e onde gosto de esticar a visita.

Para quem inicia a caminhada na “ponta legislativa” da Avenida de Mayo, uma das primeiras atrações é o Palácio Barolo. Antes dele, porém, preste atenção ao Edifício La Inmobiliaria, que ganhou esse nome da empresa de seguros que era sua proprietária.

Teatro Avenida, Avenida de Mayo, Buenos Aires
O Teatro Avenida, de 1908

Seguindo em direção à Praça de Mayo, os próximos destaques são a sede do jornal Crítica, único exemplar art déco do bulevar, inaugurado em 1927 (no número 1333, hoje usado pela Polícia Federal Argentina) e o antigo Hotel Majestic, de 1905, no número 1301.

Mais adiante está o Teatro Avenida (nº 1222), um sobrevivente da época em que o bulevar fervilhava de casas de espetáculo. O teatro é de 1908 e apresentava montagens de zarzuela, um tipo de opereta popularíssima na Espanha.

O palco do Teatro Avenida também recebia dramas: Bodas de Sangue, de García Lorca, foi encenado lá, com supervisão do autor.

Teatro Avenida, Avenida de Mayo, Buenos Aires
O palco do Teatro Avenida recebeu a estreia mundial de A Casa de Bernarda Alba, obra-prima de Lorca

Depois que Lorca foi assassinado na Espanha, pelo franquismo, o teatro acolheu a estreia mundial de sua obra-prima, A Casa de Bernarda Alba em 1945.

Na sequência do passeio pela Avenida de Mayo vêm o Bar Los 36 Billares (nº 1265), inscrito na lista de bares notáveis pela Prefeitura de Buenos Aires, o antigo Hotel Paris, um escândalo de beleza art nouveau, e o Hotel Castelar, contemporâneo da época de ouro da Avenida de Mayo que sobrevive em grande estilo.

Edifício da Casa América, Avenida de Mayo, Buenos Aires
No térreo do edifício nº 953 da Avenida de Mayo funcionou uma famosa casa de instrumentos musicais

Mais adiante, a antiga sede da Casa América, loja de instrumentos musicais, e o legendário Café Tortoni, onde você certamente vai querer fazer uma pausa.

E não deixe de prestar a atenção ao Palácio Vera, considerado o edifício art nouveau mais importante da cidade (fica no número 769).

Saiba mais sobre os cafés e bares históricos neste post:
Buenos Aires: a memória boêmia dos cafés, bares e confeitarias "notáveis"


Edifício La Prensa e Palácio Municipal, Avenida de Mayo, Buenos Aires


Encerrando o passeio, já no quarteirão vizinho à Praça de Mayo, você vai ver a Casa de Cultura, no edifício de 1898 que foi sede do jornal La Prensa, e o Palácio Municipal, de 1893, antiga sede da Prefeitura de Buenos Aires.

Pronto, você chegou à Praça de Maio, que é assunto para outro post 😉.
Siga o mapa: todos os endereços desta viagem a Buenos Aires, com foto, links e dicas


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