1 de julho de 2011

Aventuras gastronômicas - erros e acertos

Brasserie em Saint-Germain-de-Prés em Paris
No balcão da Brasserie L'Atlas, em Paris, dava pra olhar a presa nos olhos, antes da refeição

Minha imensa curiosidade gastronômica é uma grande companheira de viagens. Como de tudo e só não gosto mesmo de dois pratos: fígado bovino e comida mal feita.

Das minhas aventuras gastronômicas por aí, coleciono erros e acertos, com a primeira categoria ganhando de goleada da segunda. E agradeço esse placar à minha bisbilhotice gustativa.

Curto provar de tudo e não sei viajar sem levar o paladar comigo — sempre digo que viajo com os cinco sentidos. Mas ás vezes eu exagero na experimentação, como vocês poderão ver neste post.

Listei, a seguir, algumas aventuras gastronômicas divertidas. Algumas eu adorei. Outras valeram pela experiência.

Aventuras gastronômicas - erros e acertos


✅Caranguejo em Paris 

Uma refeição memorável não precisa de ambiente requintado ou de um grande chef. Acho que o astral conta tanto ou mais que o tempero. Por exemplo: sempre comi maravilhosamente em Paris, mas a melhor lembrança gustativa que tenho da cidade é de uma tarde que passei na Brasserie L’Atlas, em Saint Germain-de-Prés, quebrando perninhas de caranguejo com um quebra-nozes.

Paris, França
Não é Itapuã, mas o caranguejo também bate um bolão

A farra era ir até o imenso tabuleiro coberto de gelo onde eles deixam os tourteaux (caranguejos), em plena calçada, escolher a vítima (vivinha da silva) e vê-la retornar, devidamente cozida e deliciosa, enquanto eu tomava vinho e lia Por quem os Sinos Dobram, de Hemingway, pela quarta ou quinta vez.

(Se ficou com vontade, a L'Atlas Brasserie fica no nº11 da Rue de Buci, Saint-Germain-de-Prés, Paris).

Avenida Paulista em São Paulo
Com tanta coisa boa pra comer em São Paulo, inventei de comer acarajé 😏

❌Acarajé em São Paulo

Eu morava em Sampa e suponho  que isso seja uma circunstância atenuante para o tresloucado gesto — abstinência é fogo!

O cheiro do dendê veio de longe e me pegou de jeito, em pleno Parque do Ibirapuera. Se você gosta de farinha de trigo com gosto de nada, fique à vontade. Caso contrário, aprenda o que todos os baianos nascem sabendo: acarajé, fora do Recôncavo, é comida de gringo, de masoquista ou de exilado em desespero.

Xapuri, Acre - comício com Lula em 1990
Comício em Xapuri (AC), 1990. No palanque, Lula, 
Marina Silva e lideranças seringueiras. E a rabada estava divina

✅Rabada no tucupi em Xapuri (AC)

A primeira rabada a gente não esquece, ainda mais se for saboreada à sombra das árvores frondosas da praça principal de Xapuri, no Acre, servida em um prato de alumínio equilibrado sobre os joelhos.

Foi em 1990, no intervalo de um comício na terra de Chico Mendes. No palanque estavam muitos companheiros do líder seringueiro, morto dois anos antes. Luiz Inácio Lula da Silva, por exemplo.

Eu sempre tinha torcido o nariz para rabada, mas o cheiro do tucupi excitou a minha curiosidade gustativa. Anotei as aspas para a matéria, fiz as fotos e corri para a barraquinha que servia o prato. Virei fã de carteirinha de rabada à moda acreana — aliás, sou louca pelo Acre.

Ponte Carlos, Praga, República Tcheca
Euzinha em Praga, no verão de 2005. Foi tudo lindo, menos o pastel 😕

❌Pastel de siri em Praga

Foi um momento de privação dos sentidos. Eu estava com fome e morta de preguiça de procurar um restaurante com uma cara minimamente decente em Praga. Entrei no primeiro chinês que apareceu, em Malostranské Náměstí, no bairro histórico de Mala Strána.

Até aí, tudo bem. Restaurante chinês é sempre uma mão na roda quando bate a crise de criatividade gastronômica numa viagem. Mas precisava pedir pastel de siri? Onde raios alguém iria pescar siri na República Tcheca???

A massa era grossa, cheia de óleo e o recheio, claro, era de kani, aquela abominação praticada com restos de peixes e mariscos. Inesquecivelmente aaaaargh!

Escadaria Espanhola em Roma
O único atenuante pra almoçar um Big Mac em Roma é que eu estava muito ocupada fotografando a Scalinata di Spagna

❌Big Mac em Roma

Não tenho preconceito contra fast food. Faz menos de dois meses que comi o meu Quarterão trienal — isso mesmo, degusto um a cada três anos, na maior felicidade. 

Mas, vergonha das vergonhas, confesso que sucumbi a um Big Mac a uma quadra de distância da Scalinata di Spagna. Pura preguiça, de novo. Logo em Roma, onde é fácil comer bem nos diversos níveis de preço.

O gosto era rigorosamente igual ao de qualquer Big Mac. Horrível é lembrar de todas as alcachofras à judia e tripas à romana que eu desprezei para encarar o sanduba.

Raposa-Serra do Sol em Roraima
Euzinha entrevistando Umbelina, professora da comunidade Macuxi da Maloca do Bismark, minha anfitriã na Raposa-Serra do Sol 

(Roraima, setembro de 1993. Foto de Luiz Fernandes)


✅Caxiri na Raposa-Serra do Sol

Em setembro de 1993, integrei o “escalão precursor” de mais uma das Caravanas da Cidadania, que levavam o então candidato à presidência Luiz Inácio Lula da Silva aos rincões mais distantes do país. 

Dos 40 dias na Amazônia, lembro com especial carinho de Umbelina, a professora do Povo Macuxi que me recebeu como amiga de infância em sua casa de taipa, na Maloca do Bismark,  reserva indígena da Raposa-Serra do Sol, em Roraima.

O Caxiri é uma bebida fermentada, geralmente da mandioca, que pode ou não ter algum teor alcoólico. O que Umbelina nos serviu, num ritual de boas vindas, era feito de batata roxa, meio azedinho, refrescado pela moringa de barro — uma bênção, no calor de quase 40 graus.

Houve um tempo em que a preparação do Caxiri era bem parecida com a do cauim, bebida de milho feita pelos povos do litoral do Sudeste: a mandioca era mastigada pelas mulheres da tribo e cuspida numa gamela. A saliva providenciava a fermentação. Hoje, é mais comum fazerem um beiju e deixá-lo na água, para fermentar.

Não perguntei a Umbelina como ela preparou o Caxiri, mas tomei uns quatro copinhos. Na volta para Boa Vista, meus companheiros de jornada quase me largaram na estrada quando contei sobre o método tradicional de preparação da bebida: “Você deixou a gente beber?!”. Eu, porém, adorei.

Águas Calientes no Peru
Eu, Ana Rosa e William em Águas Calientes, na véspera do meu aniversário de 2002. O brinde foi antes de o cuy chegar à mesa

❌Cuy em Águas Calientes, Peru

Desculpem o mau jeito, mas não há outra forma de explicar: cuy é um rato. Deve ser limpinho, vive nas montanhas andinas, longe de esgotos, e é muitíssimo apreciado pelo povo Quéchua — eis porque resolvi experimentar. 

Cuiy é um prato chique na Cordilheira, mas o bicho não consegue deixar de ter focinho de rato, bigodes de rato e unhas de rato. Até aí tudo bem, cada um é o que é. 

Dose é que o restaurante onde decidi degustar o roedor traz o bicho para a mesa inteirinho (incluídas unhas, bigodes e focinho). Uma visão dos infernos. 

Águas Calientes no Peru
Águas Calientes no Peru
Águas Calientes é a porta de entrada para Machu Picchu. O vilarejo cresceu nas margens da linha férrea que vem de Cusco — e eu posso atestar que o lugar está bem mais arrumadinho hoje no que nessas fotos de 2002


Abracei minha curiosidade antropológica e tratei de destrinchar o Níquel Náusea, que jazia em decúbito dorsal sobre a travessa. 

Relevei até o fato de ele estar com a boca aberta, exibindo os incisivos — na verdade, um e meio, pois além de tudo o bicho tinha um dente quebrado...— mas o que não deu para encarar, mesmo, foi o tempero. Sem sal, sem gosto, a carninha gordurosa era intragável. Haja pisco para afogar a frustração.


Praia de Maraca's Bay em Trinidad e Tobago

Curtindo a praia de Maracas Bay, em Trinidad. A foto é de janeiro de 2004


✅Sanduíche de tubarão em Maracas Bay

"Sanduíche" é informalidade minha. O petisco se chama bake and shark e é simplesmente um espetáculo: carne de tubarão empanada, servida dentro de um roti (bolinho frito de massa de batata), com molho à escolha do freguês — recomendo o de tamarindo. 

Aliás, só o roti já vale festa. Esse primo distante do acarajé é comido em todas as esquinas de Trinidad e Tobago, com recheios de peixe, frango com curry (hummmm) e vegetais. 

Ah, e a praia de Maracas Bay também é muito bacaninha. Já contei sobre ela aqui na Fragata.

Port of Spain em Trinidad e Tobago
Port of Spain, março de 1990. Desde minha primeira passagem por Trinidad e Tobago eu me encantei pela mistura de China, Índia e África desse país caribenho

✅Sorvete de feijão vermelho em Port of Spain

Quem procura o Caribe-clichê dificilmente gosta de Trinidad, mas eu adoro essa ilha a 12 quilômetros da costa venezuelana, especialmente pelo festival de cores, cheiros e sabores de sua capital, Port of Spain. 

Os temperos indianos, africanos e chineses estão impregnados no ar da cidade. O sorvete de feijão vermelho é chinês. Tem horas que parece jambo, horas que parece groselha. Um dos sabores mais divertidos que já provei.

Locro do restaurante La Aguada, no bairro de Palermo

✅Locro em Buenos Aires

Talvez o meu prato preferido na cidade, depois das empanadas do Bar Britanico, seja o locro. Os melhores lugares para experimentar a sopinha em Buenos Aires são os botequinhos quase sem placa na porta dos bairros mais simples da cidade, mas as bodeguinhas de San Telmo e da região do Parque Lezama também são uma boa pedida. 

Na minha passagem mais recente por Buenos Aires, em 2022, me esbaldei no locro servido no tradicionalíssimo restaurante La Aguada, em Palermo. (Veja aqui > Comer e beber em Buenos Aires)

Considerado "comida de pobre", por suas origens indígenas, o locro é um ensopado a base de milho branco, feijão branco, carnes, batata e batata doce — se você lembrou do puchero espanhol, tem lá sua semelhança. Simples e perfeito, especialmente no frio.

Para ver todas as comidas e bebidas citadas aqui no blog, acesse Comes&Bebes - Índice

Índice de posts sobre feiras e mercados 

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5 comentários:

  1. Maravilha - pelo menos aqui um bom jornalismo - bjs

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  2. A colocação do acarajé foi perfeita! Outro dia, em Porto Seguo, caí a besteira de tentar comer um. Frito em óleo (e não dendê) foi simplesmente bizonho!
    Aprendi a lição: acarajé e abará no máximo até Cachoeira e São Félix. Depois disso, só com muiiito critério.

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    1. Eu aprendi a lição, mas ainda dou uma escorregadas :) Pra minha sorte, tem um acarajé bem razoável aqui na minha quadra, em Brasília. Mas nada se compara ao acarajé do Recôncavo.

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