O Museu Sorolla é um caso irrecorrível de paixão instantânea. Tão maravilhoso quanto os blockbusters |
A capital espanhola adora oferecer banquetes. Desde os propriamente ditos — ô, culinária sedutora — aos metafóricos. De História, de arquitetura, de letras... Os museus em Madri, então, são um banquete visual arrebatador e muito variado.
Quando a gente fala em museus em Madri, pensa logo na trinca composta pelo Museu do Prado, Museu Reina Sofia e Museu Thyssen-Bornemisza. Esses blockbusters são realmente maravilhosos — e incontornáveis. Se Madri tivesse só eles, já estaria valendo a passagem aérea até lá. Mas a cidade tem muito mais.
A Primavera, de Giuseppe Arcimboldo, é um dos quadros mais famosos do acervo da Real Academia de Belas Artes de São Fernando |
O muito mais dos museus em Madri começa com a constatação de que a tal trinca é meio prima dos Três Mosqueteiros de Dumas, pois ela também tem quatro integrantes. O Museu Sorolla é o D'Artagnan da história. Ainda que não seja um museu grande ou badalado, ele é tão espetacular quanto os blockbusters.
E o mais prossegue com a robusta coleção da Real Academia de Belas Artes de San Fernando, uma das pinacotecas mais importantes da Espanha (um país que não brinca em serviço neste quesito) e com a deliciosa Casa Museu de Lope de Vega (o museu que eu mais adoro em Madri).
Quem tem um blog chamado A Fragata Surprise não podia ter demorado tanto pra ir conhecer o Museu Naval de Madri, né? |
Também recomendo imensamente o Museu do Romantismo e o Museu de História de Madri, que são pequenininhos e muito próximos um do outro, o que garante um programinha delicioso antes da happy hour no bairro boêmio de Chueca, onde estão instalados.
Pra completar minhas indicações de museus em Madri, experimente o belo Museu Naval — por motivos óbvios, eu me esbaldo com esse tipo de acervo.
Meu conselho: vá ao Prado, ao Reina Sofia e ao Thyssen. Mas vá além. Pra facilitar a organização de seu roteiro pelos museus em Madri, tem um mapa no final do post. Veja o passo a passo para ir mais fundo no no banquete visual na capital espanhola:
6 Museus em Madri
⭐Museu Sorolla
No Museu Sorolla o encantamento começa no jardim de inspiração andaluza concebido pelo artista |
💲Ingresso: € 3
O Banho do Cavalo, de 1909, (à direita) faz parte da famosa
série de pinturas de praia que Sorolla realizou durante um período de férias na
sua Valência natal |
Depois do Banho é um tema recorrente na obra de Sorolla |
Joaquín Sorolla (1863-1923) é um gênio da luz. Basta olhar um de seus quadros pra o coração da gente se encher de calor — aquele calorzinho gostoso, com brisa de final de tarde na praia, no verão. Sou encantada pelo cara, uma tremenda prova de que o território do que hoje chamamos Espanha é fertilíssimo em criar pintores inigualáveis.
Daí que eu não entendo por que demorei tanto pra visitar o Museu
Sorolla, instalado na deliciosa casa onde ele viveu com a família a partir de
1911. Basta ver o jardim pra a gente reconhecer o olhar que criou uma obra tão luminosa
e de bem com a vida.
A Sesta (1912) |
A tela Mãe (à esquerda), de 1895, é uma das obras mais conhecidas do artista e celebra o nascimento de sua filha Elena |
A principal sala de exposição do museu está instalada no antigo ateliê de Sorolla |
Afinal, foi o próprio Sorolla que idealizou o jardim de inspiração andaluza, assim como o solar de amplíssimas janelas, um lugar de aconchego familiar e de criação artística.
Apontado como uma das casas de artista
mais bem conservadas da Europa, o antigo lar da família Sorolla é um dos museus-casa
mais lindos que eu já visitei. E olha que eu sou particularmente encantada e assídua nesse tipo de museu.
Leia mais: Museus-casa – a vida cotidiana de gente muito especial
O Passeio à beira mar faz a gente sentir a brisa praiana |
O Retrato de Mabel-Rick (1920) foi pintado no jardim da casa
de Sorolla. Mabel e o marido, o escritor Ramón Pérez de Ayala eram amigos do
artista |
O acervo do museu reúne 1.294 obras de Joaquín Sorolla, entre pinturas e desenhos. Também mostra a faceta de Sorolla como colecionador, com quase 300 esculturas, móveis e objetos decorativos de outros criadores expostos nos espaços usados no dia a dia da família e no amplo estúdio do artista.
Você vai encontrar obras magistrais de Sorolla nos
principais museus do planeta — no Metropolitan de Nova York, no Museu D’Orsay deParis e no Museu do Prado de Madri, por exemplo. Mas nada se compara a
embeber completamente o olhar e a alma nas luzes de Sorolla no espaço onde ele
viveu, trabalhou e encheu o mundo de beleza.
O museu também exibe parte da coleção de esculturas reunida por Sorolla |
Ainda que este post fale de museus para ir depois do Prado, do Reina Sofia e do Thyssen, não faça como eu, que adiei tanto a visita ao Museu Sorolla. Mesmo que você precise de mais um dia em seu roteiro em Madri, coloque essa lindeza no topo de sua lista. Afinal, os Três Mosqueteiros ficam muito mais interessantes com D'Artagnan.
⭐Museu Naval de Madri
O antigo gabinete do comandante da Armada Espanhola reproduzia a cabine de um capitão de navio do Século 18 |
Maquete em marfim de um "barco floral" chinês, embarcação chinesa usada para festas e lazer em geral |
Reprodução de uma cama usada por oficiais nas embarcações. Ao fundo, figuras de proa de navios |
Minha expectativa, portanto, era grande. Posso dizer, entretanto, que no acervo e no roteiro museológico, o Museu Naval de Madri entrega direitinho o que promete.
Sala dedicada à Marinha da República Espanhola |
O acervo de mapas, pinturas, gravuras, instrumentos náuticos, figuras de proa de navios, maquetes de embarcações, armas, uniformes e bandeiras, disposto em ordem cronológica, nos conta a história da Espanha e sua indissociável relação com o mar, do Século 13 aos dias de hoje.
Afinal, foi navegando que a Espanha se tornou o “império
onde o sol nunca se punha”, entre os séculos 15 e 18. O mar foi a avenida
percorrida pela coroa espanhola para expandir seus domínios do território
pedregoso da Península Ibérica aos luxuriantes trópicos das Américas, Ásia,
África e Oceania.
Protótipos de navios, modelos para embarcações que seriam construídas nos estaleiros para cruzar os oceanos |
A primeira sala da exposição, com o tema “O mar na gênese
da Espanha” já nos dá uma pista.
São as minhas contradições: sou absolutamente fascinada pela
ousadia dos que se lançavam ao oceano furioso e desconhecido pra expandir a
linha do horizonte, na mesma proporção em que sinto horror da intolerância,
violência e prepotência da empresa colonial.
Instrumentos cirúrgicos usados a bordo |
O Museu Naval fica no Paseo del Prado, do ladinho da Praça das Cibeles |
A visita ao Museu Naval de Madri é um ótimo programa pra quem gosta do mar e de história (mas não deixe o senso crítico na porta do museu pra cair na tentação de ser grata por ter sido colonizada). Vale muito a pena ver as preciosidades do acervo cara a cara — como os despojos do Galeão San Diego, naufragado nas Filipinas em 1600, e o mapa de Juan de la Cosa, a mais antiga representação do continente americano, datada de 1500.
O Museu Naval de Madri começou a ser idealizado no final do
Século 18, mas só foi inaugurado em 1843. Funciona desde 1932 em sua atual
sede, o Quartel General da Armada (Marinha) Espanhola, ao qual está subordinado.
Dois mestres do Século 17: no alto, Susana e os Velhos, de
Pieter Paul Rubens. Acima, os Monges Mercedários, de Zurbarán |
A Descida da Cruz (Século 16), do pintor flamengo Marten de Vos |
O São Jerônimo (1605), de El Greco... |
... e o São Jeronimo de Correggio, pintado cerca
de um século antes |
Desde sua fundação, recebeu alunos notáveis, como Bartolomé
Esteban Murillo (1617-1682), sevilhano que foi um dos grandes da pintura
espanhola. E também professores, como Francisco de Goya (1746-1828).
A Academia tem uma bela coleção de obras de Murillo, que foi
aluno da casa. No alto, A Madalena (1650). Acima, A Ressureição (1660) |
O acervo abarca do maneirismo ao cubismo — “de Luís de Morales (1509-1586) a Juan Gris (1887-1927)”, como anuncia orgulhosamente a instituição — e é uma festa para os olhos. Tem El Greco, José de Ribera, Velázquez, Zurbarán e Murillo e Goya, por exemplo.
A coleção de Goya é apontada como a mais importante fora do Museu do Prado. Entre os não espanhóis, você verá obras de Rubens e Van Dyck.
Autorretrato de Faraona Olivieri (1759) |
E tem mulher no museu: a academia conserva uma Madonna da pintora Francisca Meléndez (1770–1825), das poucas obras conservadas desta pioneira, e obras da retratista Faraona Olivieri (1716-1776).
A arte das mulheres, um grande motivo para viajar
Hércules e Ônfale, obra atribuída a Rubens |
Visão do Beato Alonso Rodrigues (1630), de Zurbarán |
Cabeça de São João Batista (1644), de José de Ribera |
A Real Academia de Belas Artes de San Fernando também realiza exposições temporárias importantes. Um exemplo é a espetacular “O Despertar da Consciência”, dedicada a a Francisco de Goya, que estava em cartaz na minha passagem por Madri— que presente a cidade me deu.
Com ou sem mostras temporárias, a Real Academia de Belas
Artes de San Fernando é um programão que vale a pena colocar no seu radar de
museus em Madri.
⭐Casa Museu de Lope de Vega
A visita à Casa Museu Lope de Vega é simplesmente apaixonante |
🕒Horários: de terça a domingo, das 10h às 18 horas (a última
visita começa às 17h). Fecha às segundas-feiras.
💲 Entrada gratuita
Assim como Cervantes, Lope tem uma rua com seu nome no Barrio de las Letras de Madri |
Como pode um museu pequenininho e modestíssimo em acervo ser
tão bacana como a Casa Museu Lope de Vega? Quem responde são o teatro e a
literatura: quando se tem um grande texto e um personagem fascinante, é difícil
errar.
Porque a maior homenagem que se poderia fazer a Félix Lope
de Vega (1562-1635) seria mesmo enredar a audiência — no caso, os visitantes do
museu — numa trama bem contada sobre um protagonista fenomenal e perfeitamente
contextualizada em sua época irrepetível.
A visita guiada à Casa Museu Lope de Vega é isso. Ela nos apresenta o cotidiano e as peripécias de um artista que foi em seu tempo e é até hoje um dos grandes nomes das letras espanholas. (E só foi um dos em vez de O Cara entre seus contemporâneos porque disputava o posto com um certo Miguel de Cervantes).
Lope escreveu muita poesia, romances e novelas. E o Teatro fez dele um Beatle de seu tempo — dos reis ao mais humilde súdito, a população de Madri amava as representações e lotava os corrales de comédia dos séculos 16 e 17.
Lope de Vega era boêmio e mulherengo, mas acabou se ordenando sacerdote quando ficou viúvo — e continuou na boemia |
A visita guiada à modesta casa onde Lope viveu, uma antiga huerta (chácara) no que hoje é o Barrio de las Letras de Madri tem o poder de transportar a gente para a trepidante Madri do Século 17, a capital de um império onde o sol nunca se punha.
E nessa Madri tinha de tudo: intrigas palacianas, crises políticas,
brutalidade, iniquidade, rivalidades literárias, ecos da violência colonial, romance, duelos à luz do luar, artistas
geniais e, claro muita boemia.
Lope viveu tudo isso e a gente vive com ele, ao longo dos 45 minutos da excelente visita guiada em sua Casa Museu. Espadachim, polemista, namorador, farrista, provocador (ele e Cervantes viviam às turras), sacerdote, mestre... Tem de tudo no enredo da vida do grande teatrólogo.
Lope foi sepultado na Igreja de São Sebastião, a 400 metros
de sua casa, na capela pertencente a uma confraria da comunidade teatral |
Em tantas visitas a Madri, jamais saí de uma atração com tanta certeza de ter visto a cidade — apesar de essa cidade não existir mais — do que após a visita à Casa Museu de Lope de Vega.
Não é permitido fotografar o interior da Casa de Lope. Mas,
também, pra quê? O que importa é assistir ao espetáculo de impecáveis roteiro, personagem e direção.
Saiba mais sobre a Casa Museu Lope de Vega, o Bairro das Letras e o Século de Ouro das artes espanholas:
Madri: um passeio no Bairro de las Letras
Atrações gratuitas em Madri: roteiro pelo Século de Ouro
⭐Museu da História de Madri
💲 Entrada gratuita
Em A Porta de Alcalá vista das Cibeles, o pintor Ginés
Andrés de Aguirre nos mostra um pouco da Madri de 1785. A obra pertence ao
Museu do Prado, mas está exposta no Museu de História |
Grátis, bonito, interessante e facinho de chegar: o Museu de História de Madri é uma atração muito bacana e merece a visita.
Ele fica exatamente em frente à Estação Tribunal do Metrô
(que tem uma saída na própria calçada do museu), no interessantíssimo bairro de
Chueca, onde eu tenho certeza que você vai dar uma passada para conferir o
clima animado e os bons bares e restaurantes.
Foi o rei Filipe II quem oficializou Madri como capital da Espanha |
Então, chegue a Chueca um par de horas antes da happy hour e aproveite o Museu de História de Madri.
Ele está instalado num belíssimo edifício barroco que,
originalmente, funcionava como asilo, o Hospicio del Ave María y Santo Rey Don
Fernando. O acervo do museu resgata a história de Madri, com ênfase no chamado “Século
de Ouro (na verdade, quase 200 anos, entre os séculos 16 e 17).
Quadros, mobiliário, objetos decorativos e maquetes de construções já
desaparecidas, como o Alcázar de Madri (primeiro palácio real) e o Mosteiro e
Igreja de São Felipe, na Porta do Sol, oferecem um panorama da cidade ao longo
da história.
⭐Museu do Romantismo
O Museu do Romantismo é muito legal |
Se você gosta de artes decorativas e curte ver o modo de viver de outras épocas, vai adorar o Museu do Romantismo |
O interior do Museu do Romantismo não pode ser fotografado,
mas — acredite em mim — a visita é muito bonita. Nos meses mais quentes, vale a
pena aproveitar as mesas de um café que ocupam um bonito jardim.
Madri desencanada: Chueca e Malasaña
Aproveitei alguns dos seus posts quando estive na Itália e agora preparando meu retorno à Espanha voltei aqui e encontrei dicas preciosas. Obrigada por compartilhar!
ResponderExcluirCinthia