22 de novembro de 2023

A arte das mulheres, um grande motivo para viajar

"A Cuca" de Tarsila do Amaral
A Cuca, de Tarsila do Amaral, pertence ao Museu de Grenoble, na França, mas eu tive a alegria de vê-la cara a cara no MoMA de Nova York

Faz muito tempo que em vinha batucando este post. Afinal, uma das minhas principais razões pra viajar é ver coisas bonitas pintadas, esculpidas, desenhadas e grafitadas mundo afora — e cada vez me contento menos em ver a produção artística apenas dos rafaéis, caravaggios e diegos que fazem a fama dos museus. 

Quero ver a arte das mulheres, também.

O empurrãozinho final para concluir o texto foi dar de cara com um cartaz/manifesto das Guerrilla Girls, novidade no acervo do MASP - Museu de Arte de São Paulo, que voltei a visitar no início de novembro, em uma temporada paulistana. 

Cartaz do Guerrilla Girls no MASP
Cartaz do Guerrilla Girls no MASP
Manifesto das Guerrilla Girls no MASP: elas têm toda a razão

As Guerrilla Girls são um coletivo de artistas feministas anônimas, com a missão de denunciar a desigualdade de gênero e raça dentro da comunidade artística. E elas têm toda razão: o mundo da arte é machista e nosso olhar de apreciador@s de arte também é. 

Apesar do apagamento da arte das mulheres — seja no desestímulo à produção artística feminina ao longo dos séculos, seja no pouco interesse de quem exibe, compra e olha — esse é um universo cheio de gênias. 

As mais excepcionais conseguem furar o bloqueio e chegar até nós sem que a gente faça muito esforço — Frida Kahlo (1907-1954) e Tarsila do Amaral (1886-1973), por exemplo. Outras, a gente tem que procurar.

"A Valsa" de Camille Claudel
"A Valsa" de Camille Claudel
"A Valsa" de Camille Claudel
A Valsa (1892), de Camille Claudel, no Museu Soumaya da Cidade do México
Esculturas de Rebeca Mate no Museu Nacional de Belas Artes do Chile
Esculturas de Rebeca Matte no Museu Nacional de Belas Artes, em Santiago do Chile

E foi procurando (e viajando) que eu conheci as pintoras mexicanas Remédios Varo (1908-1963) e Maria Izquierdo (1902-1955), as uruguaias Berta Luisi (1924-2008) e Petrona Viera (1895-1960), as argentinas Mildred Burton (1942-2008) e Raquel Forner (1902-1988) e a escultora chilena Rebeca Matte (1875-1929), só pra ficar nas fronteiras da América Latina e nos marcos do Século 20.

O apagamento é ainda mais intenso quando se trata de artistas negras. É o caso da brasileira Maria Auxiliadora (1935-1974), que em sua curta vida produziu uma obra fascinante, retratando a cultura popular, rituais religiosos de matriz africana e cenas cotidianas.

Autodidata, Maria Auxiliadora aprendeu arte em casa, com a mãe bordadeira, pintora e escultora. Foi descoberta quando expunha seus trabalhos na feirinha da Praça da República, em São Paulo. Teve sua obra exibida na Europa, mas a consagração como pintora só ocorreria após a sua morte. 

Hoje, quadros de Maria Auxiliadora  integram coleções importantes, como a do MASP, a do Museu de Belas Artes de Boston (EUA) e do Museu de Art Naïf de Laval (França).

"Três Mulheres" de Maria Auxiliadora no MASP
Três Mulheres, de Maria Auxiliadora, no MASP

Também se fala muito pouco da norte-americana Laura Wheeler Waring (1887–1948). Ela foi uma das principais figuras da Renascença do Harlem, movimento que eclodiu na década de 1920 naquele bairro de Nova York, de população majoritariamente afrodescendente.

Laura teve a chance de estudar em Paris e trabalhou a vida toda como professora de artes para poder pintar. É aclamada principalmente por seus retratos de personalidades negras norte-americanas. Grande parte desta coleção pode ser vista na National Portrait Gallery dos EUA, em Washington.

"Os recém-casados" de Olga Sacharoff
Adorei conhecer a obra de Olga Sacharoff no Museu Nacional de Arte da Catalunha, em Barcelona. No alto, Um Casamento. Acima, Os recém-casados. As duas obras são de 1923

 Ampliando o tempo e a geografia, as viagens me deixaram cara a cara com a obra sensacional de Artemísia Gentileschi (1593-1653), uma gênia italiana do Século 17.

 Também me permitiram conhecer a existência de Sofonisba Anguissola (1532-1625), uma pioneira admirada por Michelangelo. 

E me mostraram a beleza da produção de Berthe Morisot (1841-1895), uma impressionista que não deve nada aos monets, manets e companhia.

Exposição de Diane Arbus no MALBA, em Buenos Aires
Exposição "Artemisia Gentileschi e seu Tempo" no Museu de Roma
Duas mostras temporárias que eu tive muita sorte de ver, em 2017. No alto, a fotógrafa norte-americana Diane Arbus em cartaz no MALBA de Buenos Aires. Acima, a exposição Artemisia Gentileschi e seu tempo, no Museu de Roma

Descobrir a arte das mulheres dá trabalho: a gente tem que pesquisar (santa internet!) e nunca esquecer de fuçar aqueles cantinhos menos concorridos dos museus. Mas o resultado do esforço é um vendaval de belezas que nunca mais vai sair das nossas retinas e memórias.

Neste post, listei um timaço de artistas mulheres que, tenho certeza, você também vai adorar encontrar nas suas próximas viagens. Bora?


A arte das mulheres - o que vi de bacana por aí


Berta Luisi no Museu Gurvich de Montevidéu
A uruguaia Berta Luisi foi uma das mais destacadas integrantes do ateliê de Joaquín Torres García. Mesmo assim, a primeira mostra individual da pintora só foi realizada 15 anos após sua morte, em 2022, no Museu Gurvich de Montevidéu 

Tela da pintora australiana Doreen Reid Nakamarra
A australiana Doreen Reid Nakamarra (1955-2009) foi uma destacada integrante das Pintoras do Deserto, grupo de mulheres indígenas do Deserto Ocidental. Organizadas na cooperativa de arte Papunya Tula, suas obras são a expressão contemporânea da tradição aborígene. Doreen e várias de suas companheiras estão em cartaz no MASP na mostra Histórias indígenas até 25 de fevereiro de 2024



Artistas brasileiras - um timaço

Quando comecei a me interessar por História da Arte, lá pelo início da adolescência, parecia que aquele mundo de telas, afrescos e esculturas era exclusivamente masculino. Mas o Modernismo Brasileiro, com suas imensas Tarsila do Amaral (1886 - 1973) e Anita Malfatti (1889 - 1964), me fazia desconfiar que a história estava mal contada.

E eu tinha uma prova bem eloquente ao alcance dos olhos. Afinal, O Boi na Floresta, um quadro magnífico de Tarsila, faz parte do acervo do Museu de Arte Moderna da Bahia, onde bati ponto com frequência, nem que fosse só pra ver o pôr do sol no Solar do Unhão. 

E o que dizer de A Estudante, de Anita, que sempre me deixou meio hipnotizada, a cada visita ao MASP?

"A Estudante" de Anita Malfatti no MASP
"O Boi na Floresta" de Tarsila do Amaral
Duas provas irrefutáveis de que arte também é coisa de mulher. No alto, A Estudante, de Anita Malfatti. Acima, o meu xodó das artes plásticas, O Boi na Floresta, de Tarsila


Tarsila e Anita foram as primeiras a me dizer que o lugar das mulheres nas artes também era do lado de cá da tela, e não apenas servindo como modelo ou musa. 

Basta uma visita ao Museu Nacional de Belas Artes, no Rio de Janeiro, pra a gente começar a entender o quanto o Brasil é próspero em mulheres artistas. 

Quem não fica arrepiada diante do trabalho de Djanira (1914 – 1989)? Como não vibrar com as obras de Maria Bonomi (1935), Anna Bella Geiger (1933), Angelina Agostini (1888- 1973), Fayga Ostrower (1920 - 2001), Tomie Ohtake (1913-2015) ou Maria Leontina (1917-1984)?

O Museu Nacional de Belas Artes atualmente está fechado para reformas, mas eu estou contando os dias para voltar a me deliciar com as maravilhas que ele abriga.

"A Costureira" de Djanira
"O Circo", de Djanira
Djanira é maravilhosa. No alto, A Costureira. Acima, O Circo, uma obra que me emociona demais
9301, de Fayga Ostrower, no Museu Nacional de Belas Artes
9301, de Fayga Ostrower
Os jogos e os enigmas (1954), de Maria Leontina. As quatro fotos acima são um convite pra você visitar o Museu Nacional de Belas Artes, assim que ele for reaberto

Tarsila do Amaral

Não dá pra falar em arte no Brasil sem falar de Tarsila do Amaral, grande nome do nosso fertilíssimo e deslumbrante Modernismo.

 Nascida em uma família da elite cafeeira de São Paulo e estudante de arte na Europa, Tarsila pintou o Brasil e o imaginário brasileiro com paixão.

"O Abaporu" de Tarsila do Amaral
O Abaporu, a obra mais importante de Tarsila, pertence ao acervo do MALBA- Museu de Arte Latino-Americana de Buenos Aires

Sua obra mais importante é O Abaporu, de 1928, um marco que inspirou o Manifesto Antropofágico de Mário de Andrade — abaporu, em língua tupi-guarani, significa “aquele que come carne humana”. 

O que Mário propunha no manifesto era uma arte brasileira que soubesse devorar as referências estrangeiras para digeri-las e usá-las como insumo, construindo uma estética, uma linguagem e uma temática só nossa.

A arte de Tarsila é exatamente isso — e muito mais do que isso.

Exposição de Tarsila do Amaral no MoMA de Nova York
Exposição de Tarsila do Amaral no MoMA de Nova York
Exposição de Tarsila do Amaral no MoMA de Nova York
Exposição de Tarsila do Amaral no MoMA de Nova York, em 2018

Hoje parece óbvio, mas, naquele Brasil do início do Século 20, quando a produção artística ainda orbitava o acadêmico europeu, a ousadia dos nossos modernistas resultou em um dos nossos maiores patrimônios.

Eu sou louca por Tarsila do Amaral — e muito grata por O Boi na Floresta, um dos principais inventores do meu olhar. 

Fiquei emocionadíssima de ver a mostra dedicada a ela no Museu de Arte Moderna de Nova York, o MoMA, em 2018. Tanto pela rara oportunidade de ver tantas de suas obras reunidas quanto por observar a reação embasbacada dos outros visitantes.

O Mamoeiro (1925) pertence à Coleção de Artes Visuais do Instituto de Estudos Brasileiros da USP, em São Paulo

"Operários" de Tarsila do Amaral

O arrebatador Operários (1933) integra o acervo do Palácio Boa Vista, em Campos do Jordão (SP)

Composição (Figura só) de Tarsila do Amaral no MASP
"Porto I" de Tarsila do Amaral no MASP

Tarsila no MASP. No alto, Composição (Figura só), de 1930. Acima, Porto I, de 1953

O MoMA e a viagem a Nova York me deram um super dia de Tarsila como dificilmente eu poderei repetir: imagine encontrar, juntinhos, A Cuca, Operários, A Negra, O Abaporu, O Boi na Floresta e O Mamoeiro, entre outras maravilhas... 

Nesta visita ao MASP, agora em novembro, viajei com Composição (Figura Só) e Porto I

No Museu Nacional de Belas Artes, no Rio (quando reabrir), não deixe de ver Autorretrato ou Le Manteau Rouge (1923), pintado por Tarsila quando vivia em Paris.

Em tempos recentes (que, felizmente, parecem ter ficado pra trás), todas as vezes que eu me desanimava com o Brasil, olhar fotos das obras de Tarsila era um dos antídotos contra a vontade de jogar a toalha.

Exposição de Tarsila do Amaral e mulheres Modernistas no Museu de Arte do Rio-MAR
Em 2015, o Museu de Arte do Rio - MAR apresentou uma exposição sensacional com Tarsila do Amaral, Anita Malfatti e outras modernistas. Eu amei

Anita Malfatti

Em dezembro de 1917, um artigo do escritor Monteiro Lobato publicado no Estadão atacava duramente a obra de uma jovem pintora. Conhecido como “Paranoia ou Mistificação”, o texto espumava contra o que, poucos anos depois, seria tratado e perseguido pelo fascismo como “arte degenerada”.

A jovem artista (com 28 anos, na época) era Anita Malfatti, uma das grandes expressões da pintura Expressionista no Brasil.

A fúria de Lobato contra a obra de Anita — de quem ele até reconhecia o talento — quase estancou a expressão de uma das gênias da nossa raça. Ela entrou em depressão, parou de pintar e, depois, foi aprender a fazer naturezas mortas, estilo tão comum às mulheres pintoras de então, confinadas ao ambiente e à temática doméstica.

Obras de Anita Malfatti no MASP
A Estudante e Interior de Mônaco, de Anita, expostos lado a lado no MASP. Eu me divirto com o efeito quadros com pernas que resulta dos cavaletes de vidro projetados pela arquiteta Lina Bo Bardi para o museu — aliás, quando se fala em arte das mulheres, nunca esqueçamos do sensacional projeto de Dona Lina para o MASP, que permanece tão desafiador mais de 50 anos depois da construção  

"Interior de Mônaco" de Anita Malfatti no MASP
Interior de Mônaco

Mas o universo também sabe conspirar direitinho e reuniu Anita com Mário de Andrade, Menotti del Picchia, Oswald de Andrade e Tarsila do Amaral. Esse Grupo dos Cinco, embrião da Semana de Arte Moderna de 1922, não só resgatou o ânimo da pintora genial como chacoalhou para sempre as artes brasileiras. 

A obra mais famosa de Anita é A Boba (1915), que tanto ofendeu os olhares conservadores quando exposta ao público. Hoje, a tela pertence à coleção do Museu de Arte Contemporânea da Universidade de São Paulo.

Para muitos, a obra-prima de Anita Malfatti seria O Homem Amarelo, também de 1915 (na verdade, há duas versões do quadro, ambas incorporadas ao acervo do Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo.

No MASP, preste atenção em  A Estudante (1915), que eu aaaaamoooo, e a Interior de Mônaco (1925). Também gosto imensamente de Tropical (1917), no acervo da Pinacoteca do Estado de São Paulo, e de O Barco (1915) e de A Japonesa (1924), ambos da coleção do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro.

"A Vendedora de Flores" de Djanira no MASP
A arte das mulheres no MASP: A Vendedora de Flores (1947), de Djanira
Autorretrato (1947), de Lucy Citti Ferreira

Moças do Boulevard Raspail (1939), de Noemia Mourão

Mulher Pensando, de Georgina de Albuquerque

Berthe Morisot - tem mulher no Impressionismo

No início da minha adolescência, os pintores impressionistas ficavam apenas uns dois degraus abaixo dos Beatles, no mesmo patamar dos Rolling Stones, no meu Panteão de paixões. Foi a época em que comecei a me interessar de verdade por artes visuais e era capaz de passar tardes inteiras mergulhada em livros que reproduziam telas de Monet, Manet, Degas e companhia.

O fato de eu ter levado pelo menos duas décadas pra descobrir a existência de Berthe Morisot diz muito sobre o apagamento das mulheres no mundo da arte. Porque Berthe não foi uma simples coadjuvante do movimento: é difícil citar @s grandes do Impressionismo sem colocá-la no alto da lista.

"O Penteado" de Berthe Morisot no Museu Nacional de Belas Artes de Buenos Aires
O Penteado, de Berthe Morisot, no Museu Nacional de Belas Artes de Buenos Aires

Considerada a gênia dos tons pastéis, Berthe foi principalmente uma mulher que pintou mulheres — com um olhar íntimo e cúmplice das cenas que retratava. Ela inovou e influenciou o Impressionismo e participou de praticamente todas as grandes mostras do movimento.

"Caça à borboleta" de Berthe Morisot
Caça às Borboletas (1874), quadro de Berthe da coleção do Museu d'Orsay de Paris
Um dos motivos de Chicago estar super na minha lista de viagens é ver ao vivo Mulher em sua Toalete, tela que Berthe concluiu em 1880 e integra o acervo do Art Institute of Chicago

O melhor lugar para ver as obras de Berthe Morisot é, possivelmente, o Museu d’Orsay, em Paris, dono da maior coleção de pinturas impressionistas do mundo — está para esse movimento como a Galleria degli Uffizi está para o Renascimento. 

No d’Orsay você verá não apenas os trabalhos de Berthe, como também encontrará a pintora como modelo de várias telas de Manet, de quem foi grande amiga.

E quando a gente fala que tem mulher no Impressionismo, é sempre bom lembrar de Eva Gonzalès (1849-1883), Marie Bracquemond (1840-1916) e Mary Cassatt (1844- 1926), três artistas muitíssimo interessantes.

"Ali penduro meu vestido" de Frida Kahlo
"A Terra" de Maria Izquierdo
A exposição Histórias Indígenas do MASP é a grande chance de ver Ali Penduro meu Vestido (1933, no alto), de Frida Kahlo, que pertence a uma coleção particular, e A Terra (1945, acima), de Maria Izquierdo, do acervo do Museo Andrés Blaisten, na Cidade do México


  

Artistas mexicanas - outro timaço


Um dos grandes banquetes visuais que as viagens me deram foi a visita à muy instigante Cidade do México. Lá tem os diegos, rufinos e siqueros, mas também tem uma mulherada hipnotizante. A maior delas, claro, é Frida Kahlo, um ícone que dispensa apresentações. Mas, assim como no Brasil, a arte das mulheres mexicanas reúne um timaço.

"Maternidade" de Maria Izquierdo no Museu de Arte Moderna do México
"Autorretrato" de Maria Izquierdo
"Altar de Dores" de Maria Izquierdo
Três obras de Maria Izquierdo: lá no alto, Maternidade (1943), no Museu de Arte Moderna da Cidade do México. No centro, Autorretrato (1941), que pertence a uma coleção particular e eu pude ver na exposição em Brasília. Altar de Dores (Altar de Nossa Senhora das Dores), de 1935, também pertence a uma coleção privada e estava na mostra do Palácio Nacional de Belas Artes do México

Abençoado México que pariu artistas como María Izquierdo, Remédios Varo, Rosa Rolanda (1895-1970), Olga Costa (1913-1993) e Leonora Carrington (1917-2011) — um detalhe curioso: dessa lista, apenas Maria Izquierdo nasceu no país. Todas as demais adotaram o México, onde encontraram a inspiração e a liberdade criativa.

Em 2016, vi cara a cara a arte das mulheres do México em uma sensacional exposição em Brasília chamada Frida Kahlo: Conexões entre Mulheres Surrealistas no México. Na Cidade do México, quase pirei com as maravilhas que vi no Museu Frida Kahlo (a Casa Azul), no Museu de Arte Moderna e em uma exposição temporária do imperdível Palácio Nacional de Belas Artes.

"Frida e a Cesariana" de Frida Kahlo
"Viva la Vida" de Frida Kahlo
Obras de Frida Kahlo expostas na Casa Azul: no alto, Frida e a Cesariana (1931) expressa a frustração da artista por não conseguir levar adiante uma gravidez. Acima, Viva la Vida (1954)

Fiquei especialmente fã de Maria Izquierdo, que traduz a cultura mexicana em um modernismo apaixonante.

Maria Izquierdo passou parte da infância vivendo com os avós em um vilarejo do Norte do México, convivendo com a cultura rural onde a devoção católica trazida pelos colonizadores se encontrava e se mesclava profundamente com as tradições indígenas. Foi sempre uma revolucionária apaixonada pela identidade mexicana, representada em sua obra nas cores mais exuberantes.

Foi também uma militante e defendia que a luta das mulheres não podia se apartar da luta de classe. 

A trajetória de Maria Izquierdo não foi fácil. Não bastasse ser mulher em uma sociedade conservadora, os esquerdomachos do Movimento Muralista também a escantearam.

Mas essa mulher iluminada produziu uma obra avassaladora, transbordante de cores, onde a figura feminina é a protagonista.


Três Mulheres com Corvo (1951), de Leonora Carrington
Três Mulheres com Corvo (1951), de Leonora Carrington
Autorretrato de Rosa Rolanda
Autorretrato (1952) de Rosa Rolanda, no Museu de Arte Moderna da Cidade do México


Nossas vizinhas sul-americanas

Na minha visita mais recente a Montevidéu (maio/2022) eu me esbaldei com a riqueza da pintura uruguaia. Teve muito Torres García, Pedro Figari, José Gurvich e Manoel Blanes. Mas o que me deixou mais feliz foi descobrir a arte das mulheres do Uruguai, especialmente os trabalhos de Petrona Viera e de Berta Luisi.

Petrona foi um expoente do Planismo e a primeira mulher a se profissionalizar como pintora no Uruguai. Era maravilhosa no uso das cores e é autora de uma das telas (Composição) que eu mais amei no espetacular Museu Nacional de Artes Visuais de Montevidéu (MNAV) — e olha que a concorrência ali é duríssima.

"Composição", de Petrona Viera no MNAV de Montevidéu
Composição, de Petrona Viera, no MNAV de Montevidéu
Exposição de Petrona Viera no Museu Nacional de Belas Artes de Santiago do Chile
Exposição de Petrona Viera no Museu Nacional de Belas Artes de Santiago do Chile
Exposição de Petrona Viera no Museu Nacional de Belas Artes de Santiago do Chile
Exposição de Petrona Viera no Museu Nacional de Belas Artes de Santiago do Chile
Adorei conhecer esses trabalhos de Petrona na retrospectiva que estava em Cartaz no Museu Nacional de Belas Artes do Chile, em Santiago

Filha de um presidente da República, Petrona perdeu a audição na infância em decorrência de uma meningite, mas teve acesso a uma educação esmerada e estudou pintura com professores de renome, como Guillermo Laborde. 

Pouco mais de um ano depois dessa descoberta, reencontrei Petrona Viera em uma exposição temporária linda no Museu Nacional de Belas Artes do Chile, em Santiago, e voltei a me esbaldar com as cores quentes e aconchegantes de seus quadros.

Obra de Berta Luisi no Museu Gurvich de Montevidéu
Berta Luisi: Composição com círculo, meia lua e peixe (1977)
Obra de Berta Luisi no Museu Gurvich de Montevidéu
Cartas (esq) e Mesa de Ateliê, ambos de 1988
Obra de Berta Luisi no Museu Gurvich de Montevidéu
Fundo do mar noturno (1977)

Meu encontro com Berta Luisi foi uma tremenda sorte e paixão à primeira vista: sua obra ganhou uma exposição lindíssima no Museu Gurvich, em cartaz nos dias em que estive em Montevidéu.

Era a primeira mostra individual dedicada a Berta na história — é difícil acreditar que uma artista do porte de Berta tenha esperado a vida inteira e mais 15 anos após sua morte para ter seu trabalho exibido individualmente, mas esse é o fato.

Berta Luisi foi uma das mais destacadas integrantes do ateliê de Joaquín Torres García (por onde também passaram as pintoras Elsa Andrada, Linda Kohen, Marta Morandi e Eva Olivetti). Pintou jardins de pedra, catedrais e fundos do mar e escreveu poemas que permanecem inéditos.

Do outro lado do Rio da Prata, andei me encantando com a obra da surrealista Mildred Burton e da expressionista Raquel Forner — a tela Presságio, que ela pintou em 1949, é simplesmente espetacular.

Conheci essas pintoras argentinas no Museu Fortabat, um ótimo lugar para descobrir a produção de artes visuais dos Hermanos. Esse ainda é um começo de namoro — confesso que conheço muito pouco dos artistas argentinos em geral — mas desconfio que será uma relação promissora. Duro é que diante das últimas notícias eu acho que vou me abster de visitar Buenos Aires nos próximos anos 😑.

Odisseu, escultura de Rebeca Matte
"Maternidade", escultura de Rebeca Matte
Rebeca Matte: no alto, Ulisses e Calipso, esculpida em 1915, em Florença. Acima, Maternidade

Em Santiago, gostei muito de conhecer o trabalho das irmãs Magdalena Mira (1859-1930) e Aurora Mira (1863-1939), pioneiras entre as mulheres pintoras do Chile.

Mas a grande estrela da arte das mulheres em cartaz no Museu Nacional de Belas Artes do Chile é, sem dúvida, a escultora Rebeca Matte, cuja obra está exposta com destaque no foyer da instituição.

Rebeca Matte foi a primeira mulher de seu país a ter uma obra de arte instalada em um espaço público (Ícaro e Dédalo, de 1922, hoje na área externa do museu) e teve diversas obras encomendadas pelo governo chileno — um selo de reconhecimento, naquela época. Entre essas obras está a escultura A Guerra, doada pelo Chile à Corte Internacional de Justiça, em Haia (Holanda).

Ela estudou em Paris, foi professora da Academia de Belas Artes de Florença. 

"Esther e Assuero" de Artemísia Gentileschi no Metropolitan Museu de Nova York
Esther e Assuero: Artemisia Gentileschi no Metropolitan Museum de Nova York

Artemisia Gentileschi

Em anos recente, a vida e a obra de pintora italiana Artemisia Gentileschi vêm ressurgindo de um apagamento que durou mais de três séculos.

Telas magistrais, como Susana e os Anciões (do acervo da Pinacoteca Nacional da Emília-Romanha, em Bolonha) e Judite decapitando Holofernes (da Galleria degli Uffizi, em Florença) saíram das salinhas laterais dos museus para correr o mundo em exposições, cartazes e reproduções na internet.

Artemisia, primeira mulher a ser admitida na Academia de Belas Artes de Floresça, foi uma artista genial que conseguiu viver de seu trabalho. Mas, como uma mulher do Século 17 que não se limitou ao universo doméstico, ela conheceu o inferno.

Filha e irmã de pintores, Artemisia foi estuprada, aos 18 anos, por um sujeito que pintava e frequentava sua casa e ateliê da família. E teve a coragem de denunciar o crime e enfrentar o combo que acompanha essa ousadia: a incredulidade e a culpablização da vítima — se hoje ainda é assim, imaginem no Século 17.

"Judite decapitando Holofernes" de Artemísia Gentileschi
"Susana e os Anciões" de Artemisia Gentileschi

As passagens bíblicas sobre Judite decapitando Holofernes — a viúva hebreia seduz o general assírio que sitiava sua cidade e o assassina, para livrar seu povo — foi pintada por Artemisia pelo menos três vezes. As telas são vistas pelos estudiosos de sua obra como uma espécie de tentativa de catarse da pintora em relação à violência sofrida por ela.

Em janeiro de 2017, tive a alegria de ver a exposição temporária Artemisia Gentileschi e seu tempo no Museu de Roma (Palazzo Braschi). Suas principais obras estavam lá, ao lado de trabalhos de seus contemporâneos. Antes, já tinha tido a alegria de ver Artemisia no Metropolitan Museum de Nova York (Esther e Assuero) e a magistral recriação da cena de Judite e Holofernes que está na Galleria degli Uffizi de Florença. Essa pintora vale a viagem.

Classificada pelos estudiosos como uma caravaggesca — do grupo de artistas influenciados pelo estilo de Carvaggio — Artemisia era uma força da natureza.

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Um comentário:

  1. Excelente a postagem. Parabéns. Para mim, viajar também é isso, além da gastronomia e dos lugares bonitos, pitorescos, agradáveis, etc. Claro que é muito mais gratificante viajar e conhecer - pessoalmente ou pela matéria acima - essas obras de arte do que ficar se deliciando com uma foto de um Starbucks moderníssimo que abriu em Chicago ou no Tocantins. Uma coisa que sinto é a falta de reproduções de muitas dessas obras. Encontramos mais facilmente(principalmente nas lojinhas dos museus) reproduções de Klimt, de Van Gogh, de Edward Hopper, etc, mas não encontramos reproduções de outros quadros de artistas nem sempre tão famosos mas que nos agradaram mais, p.ex. E, ainda em tempo, a postagem demonstra, cabalmente, a grande qualidade das mulheres nas artes, lembrando que os caminhos trilhados pelas mulheres nem sempre são ou foram plácidos. Que venham outros tantos. Se não podemos visitar todos os museus que desejamos, ao menos ocupemos um camarote na Fragata e naveguemos por esses mares sempre bonançosos. É de graça!!!!

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