O escritor argentino Julio Cortázar observa a muvuca da Feira de Tristán Narvaja, realizada aos domingos, no Bairro de Cordón |
Já falei isso e vou repetir: Montevidéu é muito mais atmosfera e astral do que uma lista de atrações a ser ticada — e que cidade não é, quando a gente leva a alma pra viajar? Mas essa história de que não tem muito o que fazer na capital uruguaia é pura lenda.
Em nove dias “líquidos” de roteiro em Montevidéu, encontrei muita coisa bacana pra fazer por lá. Neste post, vou comentar as 10 atrações em Montevidéu mais conhecidas, com as dicas práticas (como chegar, ingressos), pra ajudar seu planejamento.
Mas, se eu fosse você, esticaria a estadia para ir além desses pontos turísticos. Montevidéu tem ótimos centros culturais e museus, inenarráveis livrarias e a gastronomia que deixa a gente com vontade de reencarnar como camelo — privilegiados bichos dotados de quatro estômagos. Essas atrações em Montevidéu ganharam postagens exclusivas (siga os links pra ver).
Entre as 10 atrações em Montevidéu que destaco aqui, oito são gratuitas (Ramblas, Parque Rodó, Terraço Panorâmico da Prefeitura, a arquitetura da Avenida 18 de Julio, a Plaza Independencia, o charme da Cidade Velha, o Bairro de Cordón e a Feira de Tristán Narvaja).
Esta lindeza de edifício, de inspiração renascentista, é o
Palácio Santos, na Avenida 18 de Julio. A construção, do Século 19, é sede do
Ministério das Relações Exteriores do Uruguai |
Apenas duas atrações desta lista cobram ingresso: as visitas guiadas ao Palácio Salvo e ao Teatro Solís.
Bora combinar que 80% de atrações gratuitas é uma ótima relação, né? Montevidéu não é uma cidade barata pra quem ganha em reais — ainda que não exorbitante — mas a bichinha é generosa.
O Teatro Solís é lindo por dentro e por fora. Não perca a chance de vê-lo em uma visita guiada |
Certifique-se de deixar um domingo livre no seu roteiro em Montevidéu para ir à Feira de Tristán Narvaja |
10 atrações em Montevidéu
⭐Feira de Tristán NarvajaO primeiro motivo para A Feira de Tristán Narvaja estar no topo da lista de atrações em Montevidéu estar no topo da lista é pra lembrar que na hora de montar seu roteiro, certifique-se de ter um domingo na cidade e poder visitar esse mercado de pulgas divertidíssimo.
A Feira de Tristán Narvaja é uma exclusividade dominical,
que funciona das 8h às 15 horas.
O pandemônio cordial que se derrama
pelos menos de 700 metros da Calle Doctor Tristán Narvaja, no Bairro de Cordón,
desde a esquina com a Avenida 18 de Julio, é um lugar onde você sempre corre o risco de folhear
livros usados no meio de um balaio de legumes, achando tudo muito legal.
Nas barracas e tabuleiros de Tristán Narvaja encontra-se de
tudo, do rádio antigo ao pôster de Che Guevara, do casaco usado ao móvel de
época. E tem um monte de gente que vai lá fazer a feira da semana.
Nos dias de feira, a Rua Tristán Narvaja e suas transversais ficam duras de
gente — e sempre vai aparecer uma senhorinha montevideana preocupada com a
turista para aconselhar cuidado com a câmera fotográfica ou a bolsa. Mas tudo corre perfeitamente bem: dá pra circular no meio da multidão sem levar sequer um esbarrão. Pisão no pé, nem pensar.
Quem curte comida de rua se esbalda na Feira de Tristán Narvaja. Essa arepa venezuelana estava divina |
A feira é um pandemônio à moda de Montevidéu: cordial e sem estresse |
Quem gosta de comida de rua — euzinha, aqui! — também se esbalda na Feira de Tristán Narvaja. Do kebab à arepa, os food trucks e barraquinhas se misturam ao rebuliço e acrescentam as dimensões olfativa e gustativa ao ambiente agradavelmente saturado de estímulos visuais e sonoros — a parte do tato também tá contemplada: Montevidéu é meio europeia, mas aqui ninguém reclama se você apalpar as frutas.
No meio de tanta oferta de produtos tão díspares expostos de forma tão francamente caótica, confesso que não consigo concentração suficiente pra brincar de consumidora. Já sou pouco talentosa para esse ofício, imagine naquela cacofonia visual.
Mas conheço gente que faz a festa nas compras em Tristán Narvaja, especialmente de coisas antiguinhas — chamar de antiguidades implicaria uma solenidade que a feira não tem nem finge ter.
Santos bares de Cordón que me dão asilo, quando a muvuca começa a apertar a minha mente |
O que eu curto mesmo na Feira de Tristán Narvaja é ver as
pessoas. Montevideanos de verdade escolhendo as verduras de sua futura salada,
turistas experimentando camisetas e vizinhos de longa data olhando pra a nossa
cara com aquele ar de quem já viu de tudo.
Quando a muvuca começa a apertar a minha mente (castiço baianês equivalente a me deixar zonza), vem a melhor
parte: sentar em um cantinho de um dos muitos bares tradicionais e observar os
moradores bebericando com os amigos, lendo e comentando os jornais.
A tradicional Livraria Minerva sitiada pela feira |
Com mais de 100 anos de idade (sua estreia foi em 1909), a
Feira de Tristán Narvaja é uma aventura antropológica deliciosa. Para saber
mais (e ver mais fotos), passa lá no post que eu escrevi sobre ela após a
viagem de 2011 e que está atualizadíssimo:
⇨ Como chegar à Feira de Tristán Narvaja
De Punta Carretas, fui à Feira de Tristán Narvaja de ônibus (com a linha 121, que passa pela Calle Juan Benito Blanco e tem uma parada na Plaza Tomás Gomenzoro). Entre sair do hotel e chegar à feira, foram cerca de 40 minutos. A tarifa do ônibus em Montevidéu é 48 pesos (R$ 6,20).
Nesta aventura antropológica, comprovei que os montevideanos não vivem sem cachorros nem sem el mate (chimarrão) |
O GoogleMaps aponta direitinho o trajeto do transporte público até lá. Pra facilitar, saiba que as linhas de ônibus que percorrem a porção central da Avenida de 18 de Julio deixam você de cara para o gol.
Chegando à 18 de Julio, seu ponto de referência para descer do transporte é a Faculdade de Direito. A Calle Doctor Tristán Narvaja é a transversal que começa bem aí.
A referência é a Faculdade de Direito. A Rua Tristán Narvaja começa neste ponto da Avenida 18 de Julio |
Se optar pelo Uber, acabei de fazer uma simulação e a tarifa
para ir de Punta Carretas à Feira de Tristán Narvaja estava em 220 pesos (R$
28,50). Mas lembre que esses preços variam um bocadão.
⇨ O que fazer na Feira de Tristán Narvaja
Com paciência e concentração, dá pra arrematar coisinhas interessantes por lá, tipo xícaras e taças antigas, livros, pôsteres e objetos de decoração. Mas o grande barato mesmo é curtir o clima, beliscar empanadas, arepas e outras gostosuras e bebericar uma (ou muitas) doses de vermute enquanto o caos à moda de Montevidéu nos rodeia.
As Ramblas de Montevidéu são um carinho urbano |
Do ponto de vista objetivo, as Ramblas de Montevidéu são uma
longa avenida que margeia o Rio da Prata, desde o interior da Baía de
Montevidéu até o Bairro de Carrasco, nos limites Leste da cidade.
O problema é manter a objetividade ao longo desses mais de
30 km de áreas recreativas, quadras esportivas, ciclovias, gramados macios — pra
deitar e rolar —, banquinhos contemplativos, bares, brisa e vista para as águas
do Rio da Prata (que vão do mais tocante azul ao desafiante cor-de-vinho, a
depender dos humores do clima).
As Ramblas na altura do Parque Rodó, de cara para a Playa
Ramírez, são perfeitas pra ver o pôr do sol |
Eles estão sempre por lá, caminhando, namorando, desfrutando
de suas cuias de mate, encontrando os amigos, pedalando ou apenas respirando o
privilégio — pra eles, meio inconsciente — de ter essa mistura de quintal e
varanda comunitária, tão bem cuidada, segura e cordial.
Sou a favor de aproveitar ao máximo as Ramblas. Mas entrar na água é um exagero 😁 |
Os montevideanos aproveitam tanto suas Ramblas que chegam ao
desatino de mergulhar naquelas águas, frias de doer até pra quem endureceu o
couro mergulhando na Praia do Arpoador, no Rio de Janeiro.
Dos 30 km de Ramblas do Rio da Prata, nós, turistas, aproveitamos principalmente a porção que começa na altura do Barrio Sur e vai serpenteando para o Leste e mudando de nome, mas nunca de essência.
Fiquei hospedada na fronteira de Punta Carretas com Pocitos e dar um passeio pelas Ramblas era uma terapia desestressante diária |
Essa mudança de nome, aliás, é o motivo dela ser citada no plural (como as Ramblas de Barcelona). No Barrio Sur ela é a Rambla República Argentina. Chegando ao Parque Rodó, já é Rambla Presidente Wilson. Em Punta Carretas, é Rambla Mahatma Gandhi (e o homenageado aprovaria o sossego), em Pocitos, é Rambla República del Perú.
Vai seguindo, mudando de nome e se entranhando nos bairros que margeia. É quase impossível, por exemplo, estar em Punta Carretas e Pocitos, duas áreas muito procuradas para hospedagem, sem incorporar as Ramblas ao roteiro ou ao o que ocorrer.
Na ponta Leste da Praia de Pocitos está o "Letreiro Montevidéu", disputadíssimo para fotos |
Pode pedalar, caminhar ou apenas sentar em um banco e olhar o Rio |
Jogar futebol também pode. Do rúgbi ao skate, tem espaços muitos espaços para a prática de esportes ao longo das Ramblas |
Mas aí você vai perguntar: o que há para fazer nas Ramblas
de Montevidéu? E eu respondo que com a possível exceção de andar pelada — possível,
porque o Uruguai é um país muito tolerante nos costumes desde os primórdios do
século passado — você pode fazer o que quiser à beira do Rio da Prata, na Banda
Oriental.
O que você não pode é perder a oportunidade de aproveitar
essa delícia de área pública, convite à contemplação, ao relax e ao hedonismo.
A Prefeitura de Montevidéu está desenvolvendo um projeto de regeneração da vegetação das dunas, para combater a erosão. O resultado está bonito |
Toda hora é hora de aproveitar as Ramblas de Montevidéu, mas arrisco dizer que o final da tarde é o horário mais concorrido |
⇨ Como chegar às Ramblas de Montevidéu
Você já deve estar percebendo que, com 30 km de extensão, o menor dos seus problemas em Montevidéu será alcançar um pedaço de Rambla pra chamar de seu. Da Cidade Velha a Carrasco, basta caminhar para o Sul que você já chega à beira d'água.
⇨ Quanto custa curtir as Ramblas de Montevidéu
A rigor, um passeio pelas Ramblas não custa nada. Mas atente que os bares e restaurantes à beira d'água costumam cobrar mais caro — é o pedágio pela vista privilegiada.
Construído na virada do Século 19 para o Século 20, o Parque Rodó tem uma carinha muito romântica |
Se você estiver em Montevidéu durante um fim de semana, faça como os moradores da cidade: reserve umas horinhas para relaxar no silêncio e no sossego do Parque Rodó.
O parque, claro, está lá a semana inteira. Mas é no fim de semana que ele ganha seu maior encanto: os montevideanos curtindo a vida ao ar livre. Eles chegam com suas cadeirinhas de praia e cuias de mate e se instalam, na maior intimidade — um aconchego que, num mundo ideal, a gente deveria encontrar em todos os espaços públicos dedicados ao lazer em qualquer canto do mundo.
Se as Ramblas são o quintal e a varanda dos montevideanos, o Parque Rodó é seu jardim.
A galera aproveita meeesmo o Parque Rodó. E os cãezinhos, que parecem ser a paixão nacional uruguaia, têm uma área exclusiva para brincarem soltos (abaixo) |
Com uma localização super central e conveniente, o Parque Rodó (homenagem a José Enrique Rodó, escritor uruguaio) tem 43 hectares, pouco mais do que um quarto do tamanho do Parque do Ibirapuera, em São Paulo e um pouquinho menor do que o Parque Lage, no Rio de Janeiro.
Eu poderia recitar a lista de atrações concretas do Parque Rodó — lago artificial com pedalinhos para aluguel, pavilhão para concertos, o ótimo Museu Nacional de Artes Visuais, parque de diversões com roda-gigante e outros brinquedos, bares e restaurantes.
Mas o que mais me encantou foi o astral do parque, o silêncio, o convite a esquecer da vida enquanto eu caminhava por suas alamedas à moda da Belle Époque ou cruzava românticas pontes sobre o lago. Tanto que fui dar só uma passadinha, numa manhã de sábado, e foi um custo me convencer a ir embora.
O Parque Rodó é uma obra da virada do Século 19 para o Século 20 e um de seus projetistas foi o arquiteto e paisagista francês (que fez questão de virar argentino) Carlos Thays, o mesmo que desenhou o Jardim Botânico de Buenos Aires e a Plaza Independencia de Montevidéu.
Monumento a José Henrique Rodó, escritor uruguaio que empresta o nome à área verde |
No castelo do Parque Rodó funciona um centro cultural |
O passeio de pedalinho no lago faz sucesso. No local onde se alugam os barquinhos também funciona um bar/lanchonete |
Os toaletes públicos são limpos e de uso gratuito |
⇨ Quanto custa curtir o Parque Rodó
Aproveitar a sombra, a
grama e o sossego não vai custar nada. O Museu Nacional de Artes Visuais,
que funciona dentro do parque, tem entrada gratuita. Os sanitários públicos também têm
uso gratuito.
Os pedalinhos para passeios no lago do Parque Rodó podem ser
alugados a 100 pesos (R$ 13) por pessoa. No inverno, o serviço funciona apenas
aos sábados e domingos, das 10:30h às 19h. No resto do ano, os barquinhos estão
disponíveis de terça a sexta, do meio-dia às 18h, e nos fins de semana das
10:30h às 18.
A programação de fim de semana no Parque Rodó é movimentada. eu encontrei uma feira de artesanato, design e comidinhas apetitosas |
O terraço fica no 22º andar da sede da Prefeitura. Pode não parecer muito alto, comparado com um Terraço Itália ou Top of the Rock da vida, mas lembre-se que Montevidéu é uma cidade (quase) plana. Lá do alto, a vista de 360 graus deixa a capital uruguaia praticamente inteira diante do visitante.
O Porto e a Baía de Montevidéu vistos do terraço da Prefeitura |
Nas vidraças de proteção do terraço estão destacados os monumentos mais importantes que se avista de cada trecho, como o Palácio Legislativo, sede do Parlamento Uruguaio |
A subida ao mirante é feita a bordo de dois elevadores panorâmicos. No dia em que estive lá, não teve fila nem agonia. Aliás, eu tinha reservado a subida para as 17 h, cheguei mais cedo e não tive nenhuma dificuldade pra antecipar a visita.
Fiz a reserva no mesmo dia da visita, pela manhã. O procedimento é bem simples, feito exclusivamente pela internet. Basta entrar na página do Mirador Panorámico, escolher a data e horário mais convenientes e aguardar o e-mail de confirmação, que chega quase que imediatamente.
Em uma cidade de topografia comportada como Montevidéu, bastam 22 andares pra a gente se achar no topo do mundo |
No terraço, você vai encontrar uma cafeteria que já foi um ponto concorridíssimo, na Montevidéu de outros tempos. Também tem loja de souvenir, empréstimo de binóculos e wifi gratuito.
Do lado de fora, cercado pelo indefectível vidro à prova de gaiatices/impudências, o terraço deixa você de cara para a cidade e se encarrega de explicar o que você está vendo, com desenhos dos principais monumentos, acompanhados de explicações.
Pode levar criança, pois o terraço é bastante seguro |
Reza a lenda que El Cerro é o responsável pelo nome de Montevidéu. Observada por Fernão de Magalhães (o cara que chefiou a primeira circum-navegação da Terra em 1520, embora tenha gente que ainda ache que a terra é plana em pleno Século 21), a elevação teria sido registrada no diário de bordo do navegador como "Monte vi eu".
A entrada principal da Prefeitura de Montevidéu, na Avenida 18 de Julio, exibe uma réplica do Peladão de Michelangelo |
O acesso aos elevadores panorâmicos para o terraço é pela Calle Soriano, na parte de trás da Prefeitura |
⇨ Como chegar ao Mirante Panorâmico da Prefeitura de Montevidéu
A Prefeitura fica Avenida 18 de Julio, nº 1360. Diversas linhas de ônibus deixam você de cara para o gol. A entrada do mirante é na parte posterior do edifício, na Calle Soriano.
⇨ Horários de subida ao terraço
De segunda a sexta, das 16:15h às 19h. Sábados, domingos e feriados, das 10h às 18h.
Desde a primeira vez que fui à Feira de Tristán Narvaja, os grafites, cartazes e eventos anunciados despertaram minha curiosidade pela vizinhança onde se realiza o mercado de pulgas. O bairro de Cordón tinha uma vibe militante e progressista que me atraiu de cara.
Cordón é sinônimo de charme e personalidade à sombra dos plátanos |
Cordón é a prova viva de que um bairro não precisa de mansões faraônicas pra ser lindo |
Foi de Cordón, do pátio da Faculdade de Direito, que partiu a histórica passeata de 25 de setembro de 1983 em protesto contra os 10 anos da ditadura uruguaia.
Cordón também tem memória: o cartaz condena a tentativa de amolecer a punição aos torturadores da ditadura |
As fachadas do bairro têm detalhes delicados, ótimos para um safári fotográfico |
Preservando uma pegada residencial e acolhedora, o bairro de casas (geralmente) térreas, com fachadas bem preservadas e sombreada pelos plátanos é também o lar de centros culturais, livrarias maravilhosas, cafés muito charmosos e uma tribo muito plural.
De mansinho, Cordón virou meu bairro preferido em Montevidéu e seus atrativos vão muito além da Feira de Tristán Narvaja. Aposto que você também vai adorar o astral da vizinhança.
Cortado pela Avenida 18 de Julio, coladinho ao Centro, com Palermo e Barrio Sur ao Sul e Tres Cruces ao Leste, Cordón é um bairro fácil de chegar e ótimo para ser explorado a pé — eu abusei dos meus safaris fotográficos de fachadas fofas.
Não deixe de dar uma passada na Fundação Mario Benedetti, que tem uma biblioteca e guarda objetos que pertenceram ao escritor (meu uruguaio favorito). Bem pertinho, tem a linda Escaramuza Libros, uma baita livraria. Quando der vontade de almoçar, o Mercado de la Abundancia e o Mercado Ferrando são ótimas opções.
Em 1934, quando as mulheres brasileiras puderam votar pela primeira vez (direito conquistado em 24 de fevereiro de 1932), as uruguaias passavam a contar com o direito ao aborto legal e seguro em seu país. O divórcio passou a ser legal no Uruguai em 1907, 70 anos de ser legalizado no Brasil. Durante décadas, ir casar no paisito era uma das saídas para brasileiros e brasileiras que queriam oficializar uma segunda união.
Caminhar pela Avenida 18 de Julio, no Centro de Montevidéu,
é percorrer o eco desse Uruguai arejado e tolerante, um oásis nos costumes,
cercado pelo conservadorismo da América do Sul do início do Século 20.
O estilo "Bolo de Noiva" (Eclético) está bem representado na 18 de Julio. Abaixo, o Edifício London-Paris, de 1908 |
E ainda tem esses belepoquíssimos quiosques pra me matar de paixão |
Obra iniciada no Século 19, a Avenida 18 de Julio se estende por 3 km, partindo dos limites da Cidade Velha (o núcleo colonial da capital uruguaia), na Plaza Independencia.
No mapa, é uma linha quase reta, Leste-Oeste,
onde a única concessão à curvatura é a leve inflexão para o Norte que ela faz no
cruzamento com a Calle Constituyente.
Os estilos se alternam e ninguém briga com ninguém |
Em sua rota da Plaza Independencia ao Bulevar Artigas, a Avenida 18 de Julio corta três bairros (Centro, Cordón e Tres Cruces) e nos leva para um desfile de fachadas neoclássicas, ecléticas, art nouveau e art déco.
O que está impresso ali é muito mais do que o estilo da
moda na época da construção de cada edifício: a avenida em si mesma e seu
conjunto arquitetônico são um manifesto de boas-vindas à modernidade.
O passeio é muito mais instrutivo e instigante do que visitar
uma dezena de museus. Afinal, a Avenida 18 de Julio está muito viva.
E isso a gente sente no ronronar do trânsito — é impressionante
como até os ônibus mantêm o nível de ruído dentro da civilidade, em Montevidéu —,
no vai e vem dos que andam pelas calçadas, totalmente alheios aos meus
devaneios históricos/sociológicos (risos), na capa de fuligem que se junta aos
letreiros de gosto duvidoso para obscurecer as fachadas que me fazem
entortar o pescoço a cada passo.
Ainda que você seja muito menos viajandona do que eu, não deixe de programar um passeio pela Avenida 18 de Julio. Você não vai mais encontrar as senhoras de luvas e chapéu de outros tempos, mas aposto que vai curtir a caminhada.
Estátua de Cervantes na Biblioteca Nacional do Uruguai. À direita, o Palácio Díaz, ícone art déco de Montevidéu |
O Palácio Salvo visto da 18 de Julio. À direita, o Palácio Rinaldi, uma joia art déco no encontro da Avenida com a Praça da Independência |
⇨ O que ver na Avenida 18 de Julio
No subsolo da Plaza Fabini, também chamada de Plaza del
Entrevero, fica o centro Cultural SUBTE, com entrada gratuita e exposições
interessantes |
➡ Palácio Santos (nº 1.177, esquina com Cuareim), sede da Chancelaria Uruguaia, em estilo neoclássico.
Por falar no Palácio Salvo, olha o bonitão aí, presidindo a Plaza Independencia |
A Plaza Independencia é a fronteira geográfica e simbólica entre a Montevidéu colonial e a cidade moderna, que dava seus primeiros passos na primeira metade do Século 19. Acho que é isso que a imagem mais famosa da praça, a Porta da Cidadela, tenta nos dizer: sua face voltada para a Cidade Velha preserva as feições originais. Do lado moderno, os blocos de pedra sem qualquer entalhe propõem um tom contemporâneo.
A praça foi instalada sobre o terreno da antiga Cidadela de Montevidéu — forte espanhol que integrava as estruturas defensivas da cidade e veio abaixo junto com a muralha colonial.
O Palácio Estevez foi sede de governo entre 1800 e 1995. No canto esquerdo, a Torre Executiva, atual sede da Presidência da República |
A Porta da Cidadela (ao fundo) é tudo o que resta do forte espanhol demolido para dar lugar à praça. Do lado moderno, as pedras não têm firulas |
Uma parada na Plaza Independencia é algo meio inescapável. Lá estão estão algumas das logomarcas de Montevidéu: o Monumento a Artigas (herói da luta contra o domínio colonial em terras platenses), a Puerta de la Ciudadela (Porta da Cidadela, o portão de acesso do antigo forte) e o Palácio Salvo.
Lá também estão lá a sede da Presidência da República uruguaia, hoje instalada nos 12 andares da Torre Executiva, e o Palácio Estevez, sede do Poder Executivo entre 1880 e 1985.
No subsolo do Monumento a Artigas está uma cripta com os restos mortais do herói nacional uruguaio |
A Torre Executiva e a face antiga da Porta da Cidadela, voltada para a Cidade Velha |
Mas o melhor motivo para programar uma paradinha na Plaza Independencia é ver a forma como os montevideanos a ocupam, sem a menor cerimônia.
Não se espante se encontrar alguém fazendo um piquenique improvisado por lá, na hora do almoço, ou aboletado em uma cadeirinha de praia tomando chimarrão com amigos.
Faça como os locais e aproveite a praça para uma pausa |
As quatro fontes de inspiração romântica e 33 palmeiras (representando os 33 combatentes que lutaram contra o domínio brasileiro sobre a antiga Província Cisplatina) que adornam a praça foram incorporadas ao espaço em uma reforma de 1905. A obra é de Carlos Thays, o mesmo arquiteto que assina o projeto do Parque Rodó.
⭐ Palácio Salvo
De cara para uma ex e uma atual sede do Poder Executivo Uruguaio, o Palácio Salvo é quem preside a Plaza Independencia, atraindo mais olhares e o foco das câmeras fotográficas do que a concorrência ao redor.
Ainda na Avenida 18 de Julio, o olhar já começa a ser atraído pelo Palácio Salvo |
E a presidência vai além da praça, pois essa algaravia de
estilos foi inaugurada em 1929 já como um clássico instantâneo. Faz quase 100
anos que ela é o cartão postal mais conhecido da cidade — hoje em dia, que
ninguém mais envia postais, busque a hastag no Instagram ou digite “Montevidéu”
na busca do Google, que eu aposto que primeira imagem que vai surgir certamente
será o Palácio Salvo.
O edifício é obra de Mario Palanti, arquiteto italiano apaixonado
pela obra literária de seu conterrâneo Dante Alighieri. O Palácio Salvo é
inspirado em A Divina Comédia, assim como seu irmão gêmeo, o Palácio
Barolo de Buenos Aires, seis anos mais velho. Tem 83 metros de altura e 29
andares e ainda é um dos edifícios mais altos de Montevidéu.
A foto da esquerda — o reflexo do Palácio Salvo em uma fachada contemporânea — é um baita clichê. Mas resista, se puder 😊 |
E, acredite, tem gente que mora nesse cartão postal. Além de escritórios, lojas, consultórios e até um museu, o Palácio Salvo ainda abriga moradias.
No topo do prédio havia um farol, como no Palácio Barolo. A ideia de Palanti era que
os fachos de luz projetados do topo dos dois edifícios se encontrassem,
formando uma “ponte” sobre o Rio da Prata. O arquiteto, porém, errou nos
cálculos e a curvatura da terra (ahaaaa!!) tornou esse encontro impossível.
Sempre achei as galerias no térreo do Palácio Salvo muito fotogênicas. Atualmente, elas estão passando por obras de restauração e os tapumes frustraram minha sede de cliques |
⇨Visita Guiada ao Palácio Salvo
O Palácio Salvo (Plaza Independencia nº 848) está aberto a
visitas guiadas, realizadas de segunda a sexta-feira, das 10h às 16h, e aos
sábados, das 10h às 13 e depois às 15h 16:30h e 18h.
O roteiro da visita leva cerca de 90 minutos. O preço é de
400 pesos, com direito a visitar também o Museu do Tango, que funciona dentro
do edifício, no local onde teria sido tocado o tango La Cumparcita pela
primeira vez.
Eu acabei me enrolando com outros encantos de Montevidéu e não fiz a vista guiada (ficou como um bom pretexto para voltar à cidade). Mas o blog Viver Uruguay tem um relato bem bacana.
O blog é escrito pela baiana Mile Cardoso, que viveu muitos anos na capital uruguaia e foi essencial para meu planejamento de roteiro e para que eu me virasse bem na cidade. Recomendo muito o Guia de Montevidéu publicado por Mile, ótimo mapa para diversões, gastronomia e dicas práticas.
O Teatro Solís é franco favorito ao título de coisa mais bonita que eu vi em Montevidéu |
Se Montevidéu conseguiu me entreter ao ponto de perder a visita ao Palácio Salvo, jamais houve qualquer risco de vacilo com a visita ao Teatro Solís. Imaginem se eu, uma fã descabelada de teatros da Belle Époque, ia perder a oportunidade de ver por dentro o decano da categoria na América do Sul.
Ainda bem que eu fiquei atenta, porque o Teatro Solís é uma das coisas mais lindas que já vi em Montevidéu.
O palco sendo preparado para a temporada de ópera e, à direita, detalhe das galerias do teatro |
Ele foi inaugurado em 1856 — o Theatro Municipal do Rio de Janeiro é de 1909, o Teatro Colón de Bogotá é de 1892 e o Colón de Buenos Aires é de 1857 — com todo o luxo e requinte técnico que se receitava para uma casa de ópera daquela época. As colunas de mármore do saguão de entrada, os veludos carmim e os douramentos da sala principal da casa de espetáculos são elegantíssimos.
Mas talvez os maiores tesouros do Solís sejam os lustres de cristal que adornam o saguão de entrada, o foyer do primeiro andar e a sala de espetáculos — este, espetacular e enorme, cumpre direitinho o roteiro de deixar a gente embasbacada, olhando para o teto, comum às grandes casas de ópera de sua época.
Os dois pavilhões laterais foram acrescentados após a inauguração do corpo principal do teatro |
O nome do teatro é homenagem ao navegador do Século 16 Juan Díaz de Solíz, o primeiro europeu a chegar ao Rio da Prata — o curioso é que os historiadores até hoje não conseguem afirmar com certeza se ele era alentejano (português) ou andaluz (espanhol).
Já falei aqui na Fragata que ir ao teatro durante a Belle Époque não era apenas entretenimento. O encontro e a diversão coletiva eram também (e, talvez, principalmente) o cenário dos debates políticos, acordos comerciais, prospecção de casamentos — puro networking, como dizemos agora.
O foyer do primeiro andar comunica-se com o "camarote real" — destinado aos presidentes do Uruguai, que nunca teve rei — e serviam para recepções antes e depois dos espetáculos |
Montevidéu não queria ficar fora dessa moda e houve grande mobilização dos poderosos e endinheirados da época para viabilizar a construção do Teatro Solís. Sim, ele nasceu privado, mas acabou incorporado ao patrimônio público de Montevidéu, comprado pela Prefeitura em 1937.
O processo de gestação do Teatro Solís durou quase 20 anos, entre projeto — sob a batuta do arquiteto italiano Carlo Zucchi—, coleta de fundos e a construção. Zucchi acabaria jogando a toalha, diante da dificuldade de concretizar o teatro que ele considerava ideal, sendo substituído por Francisco Garmendia.
O saguão de entrada tem um belo lustre de cristal bacarat. Mas o da sala principal é o simplesmente um escândalo |
O edifício tem três corpos distintos. O central, onde está a sala principal, foi o primeiro a ser inaugurado. Depois vieram as duas alas que arrematam o conjunto, destinadas, na época a abrigar negócios que contribuíssem para a viabilidade econômica do Teatro.
Hoje, esses espaços estão ocupados por uma cafeteria, salas de ensaio, auditórios e outras estruturas necessárias às atividades do Teatro Solís, que é a casa da Comédia Nacional e da Orquestra Filarmônica de Montevidéu.
O Teatro Solís é muito movimentado. Além da sala principal, tem as salas Delmira Augustini e Zavala Muniz (na imagem). Não é raro que uma noite tenha espetáculos em cartaz nos três espaços |
No dia em que visitei o Teatro Solís, ele estava sendo preparado para a estreia da temporada de ópera, marcada para daí a alguns dias. Eu teria adorado assistir a um espetáculo em sua sala principal — afinal, esse é o jeito mais legal de ver o interior de um teatro. Não deu, mas não vai faltar oportunidade.
⇨Visitas guiadas ao Teatro Solís
O endereço do Teatro é Calle Reconquista s/n, esquina com Bartolomé Mitre. Pra facilitar, saiba que ele fica quase na Plaza Independencia, um pouquinho recuado, mas perfeitamente visível em um canto da praça.
A temporada de ópera do Teatro Solís começou poucos dias depois do meu retorno a Brasília. Haja disciplina pra não perder o avião... 😉 |
Os grupos de visitantes são divididos por idiomas (português, espanhol e inglês) e têm vagas limitadas. É importante, portanto, fazer reserva no site o teatro. O e-mail de confirmação chega rapidinho.
Para brasileiros, a visita custa 90 pesos que devem ser pagos em moeda uruguaia, ao vivo e em cores (só cash, nada de cartões) na bilheteria do teatro. No dia em que fiz o tour não havia filas, mas chegue com alguma antecedência para cuidar desse trâmite.
Mas, só pra você ter uma ideia, a Cidade Velha tem pelo menos três museus imperdíveis: o Museu Torres García, o Museu Gurvich e o Museu Figari, além do Museu de Arte Pré-Colombiana e Indígena e o Museu do Carnaval (que estava fechado).
Também tem a Catedral de Montevidéu, o antigo Cabildo, o Mercado do Porto, uma arquitetura linda — que vai do neoclássico à art déco —, pelo menos duas praças adoráveis – Plaza Zabala e Plaza Constitución — cafés históricos adoráveis.
A Peatonal ("rua de pedestres") Sarandí é a principal rua da Cidade Velha e é margeada por edifícios lindos, como o "bolo de noiva" da Livraria Más Puro Verso ou esse bonitão (à direita) art nouveau |
Em nove dias em Montevidéu, fui à Cidade Velha nada menos do que quatro vezes, para dar conta das atrações desse cantinho super especial da cidade.
Além do post detalhadíssimo, dê uma olhada também nessa postagem mais antiga (que eu atualizei com muito cuidado) sobre a encantadora Ciudad Vieja: Passeio pela Cidade Velha de Montevidéu. Como você pode ver, o Centro Histórico de Montevidéu é tão bacana que ganhou dois posts aqui na Fragata.
O Uruguai na Fragata Surprise
Colónia del Sacramento
Punta del Este
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