A maestria uruguaia no preparo da parrilla (churrasco) faz de Montevidéu um éden para os carnívoros. Mas a culinária do Uruguai vai bem além da carne assada |
Esse éden carnívoro é a principal, mas não a única faceta gastronômica de Montevidéu. Em quatro viagens à cidade, sempre comi muito bem na capital uruguaia — e juro que até salada entrou no cardápio 😁.
Não vá embora de Montevidéu sem experimentar a figazza, uma prima da pizza pra quem curte cebola |
Nessa mais recente visita a Montevidéu, simplesmente me esbaldei nas carnes assadas, milanesas, fainás, figazzas, medialunas, empanadas e outras delícias locais, experimentando restaurantes e cafés nas mais diversas faixas de preço (mas os preços em Montevidéu serão sempre meio salgados, comparados com os do Brasil).
O resultado da esbórnia de 9 dias na capital uruguaia eu conto aqui nesse post, com dicas de pratos e bebidas e lugares bacanas onde comer e beber em Montevidéu — com preços e endereços do que experimentei e aprovei.
Começar o dia com medialunas doces e salgadas é uma das grandes alegrias de acordar à beira do Rio da Prata |
Prepare os talheres e bora passear pelos sabores de Montevidéu:
Comer em Montevidéu
Este asado (costela) do tradicional La Pulpería me deu as boas vindas a Montevidéu em grande estilo |
Definitivamente, este não é um post vegetariano. Eu sou a xiita da salada (acho rúcula muito mais gostosa do que chocolate), mas se tem um prato que assanha a minha gula é uma boa carne feita na brasa, bem tostadinha por fora e quase crua por dentro.
E essa, queridas leitoras e leitores, é exatamente a tradução de uma boa parrilla uruguaia, servida no único ponto admitido pela civilidade: jugosa (si, por supuesto!). E até hoje eu não consigo entender porque chamam traduzimos jugosa por “mal passada”. Se tem um lugar onde o conceito de “mal” não cabe é nesse jeito de preparar um assado.
Só a visão do braseiro de La Pulpería já abre o apetite |
Os uruguaios estão em quarto lugar no ranking de maiores consumidores de carne do planeta, com uma média anual de 81 kg por habitante — o Brasil já foi o sexto nessa lista, antes da bagaceira econômica ser instalada no nosso país. É claro que, de tanto treinar, los orientales chegaram à perfeição churrasqueira.
Minha única vacilação antes de cair matando na parrilla é na escolha do corte da carne. Fico dilacerada pelo dilema de optar entre o cuadril (alcatra), o ojo de bife (parte mais macia do contrafilé), o asado (costela), o bife de chorizo (contrafilé), o vacio (fraldinha)...
O vinho Tannat acompanha muito bem as carnes, faz bem pra o coração e pra a alma |
⭐Vinho Tannat
Se você está imaginando como as minhas coronárias voltaram dessa viagem a Montevidéu, depois da farra carnívora, é bom lembrar que uma boa parrilla fica ainda melhor se acompanhada de uma (ou muitas) taças de vinho Tannat.
As uvas Tannat até podem ter nascido na França, mas foi no Uruguai que elas encontraram seu lar ideal, trazidas por imigrantes bascos para o país, há mais de um século.
O sensacional filé do restaurante Estrecho ficou ainda melhor com a tacinha de Tannat |
O Tannat é uma combinação perfeita para carnes, pratos de sabor acentuado e queijos fortes. E talvez seja uma das explicações para a aparente saúde dos muy carnívoros uruguaios: essa variedade de vinho concentra a maior quantidade de polifenóis, substâncias que reduzem o mau colesterol, protegem as artérias e agem como antioxidantes.
Ô, coisa boa é esse tal desse fainá |
⭐Fainá
Eu não me canso de repetir que a simplicidade pode ser divina. E ainda bem que existe o fainá pra comprovar minha crença.
Herdado dos imigrantes italianos, o faina é a versão uruguaia de um prato da Ligúria (fainâ, em genovês, ou farinata, em italiano), uma perfeiçãozinha feita de farinha de grão de bico, assada como pizza.
O fainá pode chegar à mesa despido como veio ao mundo ou com cobertura de muçarela — eu prefiro a versão peladão — e combina divinamente com uma taça de vinho, como esta que você vê na foto (Tannat, por supuesto). Vale como refeição despretensiosa, para fomes moderadas, como entrada ou aperitivo.
O bichinho é tão querido pelos uruguaios que tem até um dia do fainá no país, 27 de agosto. Merece, viu?
Essas cebolinhas quase desmanchando sobre a massa da figazza são uma delícia |
A figazza de Montevidéu também é herdada dos genoveses. É
basicamente uma massa de pizza coberta com muita cebola, azeitonas e sem molho de tomate — você decide se quer
muçarela ou não.
Assim como o fainá, a figazza é para acompanhar o beberico
ou para uma fominha não muito alentada. Se você curte cebola (eu amo), vai
adorar as lasquinhas finas, assadas, complementando o crunch-crunch da massa.
Pizza uruguaia: quatro lados e um mooooooonte de decisões |
Mas essa questão quadrangular nem é o aspecto mais particular das pizzas no Uruguai. Na Banda Oriental, para escolher uma redon... ops, quadrada, você tem que tomar mais decisões do que quando pede um café nessas cafeterias hipsters.
Tem que decidir se quer a pizza com ou sem queijo. Depois, definir quais serão os gustos (literalmente, sabores. No caso, coberturas). Quer presunto? Calabresa? Tomate? Manjericão? Vi até pizza com ovo frito e batatas idem por cima.
Como eu acho que pizza é pizza e chivito é chivito, evitei essas modernagens. A massa da pizza uruguaia é mais altinha (eu prefiro mais fininha). Mas a ortodoxa, só com muçarela, me agradou bastante.
Pra disfarçar o vandalismo, as batatinhas fritas foram se esconder atrás do sanduíche: o chivito é uma espécie de congresso das suas compras do mês |
Já que falamos em chivito, bora logo contar sobre essa contradição uruguaia por excelência. Sim, por que como pode um povo tão suave e discreto ter urdido esse espalhafato culinário chamado chivito?
O sanduba é bom pra caramba, mas é inevitável a sensação de que todas as suas compras do mês se atiraram dentro do pão ao mesmo tempo.
Tem presunto, queijo, carne, ovo frito, bacon, lombinho, tomate, alface... Tudo isso acompanhado por um tonel de batatas fritas. Uma fúria de recheios que beira o vandalismo e deixa qualquer X-Tudo parecendo um pretinho básico.
O chivito é mais do que um sanduíche. É um enigma antropológico. Uma atração turística de Montevidéu que até ganhou um post só pra ele, aqui na Fragata > Comer em Montevidéu - viva o chivito!
As medialunas do Café Basileiro são sensacionais |
Eu adoro acordar à beira do Rio da Prata. E o grande motivo é a perspectiva de tomar café da manhã com muitas medialunas (meias-luas), a versão uruguaia e argentina do croissant.
Por causa delas, eu, a chata do desjejum — na vida normal, limito-me ao balde de café preto, com algum açúcar — já pulo da cama com um raríssimo apetite para a primeira refeição do dia com esse pãozinho amanteigado que é uma instituição platense.
E sabe o que é melhor? Ninguém precisa limitar o consumo de medialunas ao desjejum. Elas são servidas em praticamente qualquer café, padaria ou assemelhados de Montevidéu e são perfeitas para aquela fominha no meio da manhã, para o lanchinho da tarde... Aprecie sem moderação.
Os uruguaios são devotos do chimarrão |
Não sou chegada ao chimarrão, mas tenho muita simpatia pela tradição, uma herança do povo Guarani. Também acho o mais barato a cumplicidade que se estabelece entre seres oriundos dos Pampas diante de uma cuia da bebida — ainda que, baianamente, fique intrigada com a desenvoltura deles compartilhando aquele canudinho metálico usado para sorver o mate, alheios ao intercâmbio de germes.
Barraca de apetrechos para chimarrão na Feira de Tristán Narvaja |
As garrafas térmicas e cuias de mate fazem parte da paisagem de Montevidéu |
Se no Rio Grande do Sul o chimarrão é uma instituição, no Uruguai ele parece uma devoção ainda mais arraigada. Faz parte da paisagem: os orientales andam pra baixo e pra cima carregando suas garrafas térmicas com água quente para preparar o mate, suas cuias e bombilhas (os tais canudinhos democráticos).
Só de testemunhar esse apego, eu já fico com vontade de gostar de mate, mas não sou chegada a infusões amargas. Prefiro homenagear outra bebida nacional: o Tannat.
Restaurantes em Montevidéu
www.lacriolla.com.uy
Jantei bem demais nesta "casa de estância" em Punta Carretas |
Papa suiza e arañita: ô, banquetezinho gostoso |
Eu jantei bem demais em La Criolla. Pedi a arañita (uma parte da alcatra), acompanhada de papa suiza (batata rosti com bastante cebola), uma porção pantagruélica de comida da qual só consegui dar cabo porque estava mesmo deliciosa. Para acompanhar, ataquei de vermute (uma súbita saudade de Barcelona.
A conta dessa grande farra ficou 1.200 pesos uruguaios (R$ 157).
Filé com polenta do Estrecho: só de olhar a foto já dá vontade de correr pra o aeroporto e voltar correndo a Montevidéu |
Quem deu a dica do Estrecho foi Mile Cardoso, que escreve o blog Viver Uruguay. E que dica, viu Dona Mile? Meu almoço nessa casa moderninha
e simpática da Cidade Velha é sério candidato a melhor refeição de uma viagem
que bateu um bolão no quesito gastronômico.
O restaurante fica na Peatonal Sarandí, rua de pedestres que
funciona como passarela para o coração da Cidade Velha. E é tão estreito (“estrecho”)
que tem que prestar atenção pra não passar direto pela fachada meio escondida atrás
de um guarda-sol.
O restaurante é estreito, mas o prazer é vasto |
Este crème brûlée estava de rasgar a roupa |
O Estrecho tem atendimento cordialíssimo e um cardápio enxuto. Oferece um “especial do dia”
na hora do almoço, opção que acabei escolhendo — quem é que resiste a um filé
alto, acompanhado de polenta selada e cebolas confitadas?
Almocei divinamente no Estrecho, na companhia de um excelente vinho
Tannat (desculpem, não anotei de que bodega) e arrematei os suspiros de
felicidade com um ótimo crème brûlée.
A conta ficou em 1.170 pesos (R$ 154) e a refeição valeu
cada um deles.
La Pulpería: deliciosamente simples |
Plantada em uma pacata esquina de Punta Carretas, essa casa de parrilla tem o visual de uma barraquinha quase improvisada, o aconchego da informalidade e comida de uivar para a lua.
Em La Pulpería, o espetáculo começa antes de seu prato ser
servido. Sentar no balcão de cara para o braseiro é um senhor aperitivo |
Ainda que a casa ofereça mesas na calçada, o bom de La Pulpería é sentar no balcão, de cara para o braseiro, e assistir de camarote todas as etapas do preparo da delícia que vai aterrissar em seu prato.
É como participar de um churrasco com velhos amigos — com a certeza de que há um mestre parrillero pilotando os espetos.
A carne bate um bolão, mas as batatinhas também são
deliciosas |
Jantei em La Pulpería na minha primeira noite em Montevidéu e me senti muitíssimo bem recebida pela gastronomia da cidade. Pedi a meia-porção do asado (costela 430 pesos/R$ 56) e a meia-porção de batatas fritas (160 pesos/R$ 20) e me esbaldei no banquete.
Aliás, precisamos falar das papas fritas uruguaias e argentinas: os belgas até que inventaram e preparam divinamente as batatinhas. Mas nossos vizinhos platenses também são geniais nessa arte. Crocantinhas por fora, macias por dentro, sequinhas, salgadinhas na medida certa. Um show!
Restaurante Jacinto: grande opção na Cidade Velha de Montevidéu |
Os canelones (no alto) estavam muito gostosos, mas quem me
transportou ao paraíso, mesmo, foi esta pavlova |
Até recentemente, o Jacinto só aceitava pagamento em dinheiro vivo, mas a casa já aderiu aos cartões de crédito.
El Palenque preserva o balcão de cara para o braseiro que é
marca registrada dos restaurantes do Mercado do Porto, mas o movimento mesmo
agora se concentra no salão climatizado |
⭐El Palenque, Mercado do Porto
Os restaurantes, sem dúvida, estão mais confortáveis. Os salões climatizados e elegantes devem salvar a vida dos frequentadores no verão — lembro de quase ter derretido na minha última passagem por lá, em janeiro de 2011. Por outro lado, a gourmetização do ambiente tirou um pouco da graça do local.
Apesar do banho de loja nos restaurantes, a estrutura do
velho mercado ainda é o grande encanto do lugar |
É como se o Mercado do Porto tivesse aberto mão de parte da autenticidade para assumir abertamente o que ele já era há tempos: uma atração turística onde se come parrilla. Como já disse Belchior, “tudo muda” — só não sei se as mudanças têm sempre toda razão.
Nem preciso dizer que os preços acompanharam a garibada visual dos restaurantes do Mercado.
Confesso que prefiro comer de cara para o braseiro, mas não vou reclamar do salão climatizado no verão |
O petit entrecot foi um bom companheiro para o sensacional boniato glaseado |
Ainda assim, gostei do meu almoço no Restaurante El Palenque, possivelmente o mais reputado do Mercado del Puerto.
Pedi o petit entrecot (550 pesos/R$ 72), acompanhado da grande atração que é o boniato glaseado (390 pesos/R$ 51).
Boniato é (ou parece muito com) um dos meus xodós da mesa peruana, o camote, uma batata doce cor de abóbora que fica divina acompanhando a acidez dos ceviches. À moda montevideana, o bichinho salta das brasas meio caramelizado, uma perfeição que valeu a caminhada até o mercado.
Parrilla por parrilla, comi muito melhor em La Criolla e La Pulpería. Mas o Mercado do Porto de Montevidéu é uma atração turística incontornável e eu recomendo a experiência, nem que seja só para ticar o item da lista e seguir adiante em novas descobertas.
Trouville: fainás, figazzas e a gostosa ilusão de "ser local" |
O Trouville Pizza fica a 160 metros do hotel onde mehospedei em Montevidéu e eu usei e abusei do clima acolhedor de seu salão para
resolver aquelas fominhas que despontavam quando eu já tinha dado o dia por
encerrado ou quando eu simplesmente queria bebericar brincando de ser local no
meio dos vizinhos.
Eu gosto quando encontro uma despretensiosa "casa de vizinhança" para bater o ponto nos arredores da minha hospedagem |
O gosto "de casa" do flan ajudava a entrar no clima |
Sem contar que o fainá (230 pesos/R$ 30 com muçarela, 200
pesos/R$26 sem muçarela) e a figazza (170 pesos/R$ 22, sem muçarela) do
Trouville são muito gostosos e acompanham bem demais uma taça ou várias de
vinho.
O flan caseiro (130 pesos/ R$ 17), com aquela cara e gosto
de pudim de leite, era a sobremesa perfeita para dar aquele quentinho caseiro
na alma.
Chez Piñero: pra quando bater a preguiça de pesquisar restaurantes |
O Chez Piñero, no trecho mais movimentado da Calle 21 de Setiembre, tem um astral de “casa de bairro”, frequentado principalmente por moradores dos arredores.
Sabe quando bate aquela “preguiça gastronômica” no meio da viagem e você não quer pesquisar “restaurantes relevantes” nem se deslocar pra muito longe de sua hospedagem?
Tem horas que tudo que a gente quer é um bifinho |
Esse é o lugar, quando bater vontade de um bifinho, pizza ou massas. O Chez Piñero fica bem no coração de Punta Carretas — você com certeza vai passar várias vezes pela porta, andando pelo bairro — e é uma boa opção para uma refeição despretensiosa.
Os preços do Chez Piñero são bem mais altos do que os do Trouville Pizza, o atendimento é mais solene e a comida não decepciona. As taças de vinho custam 220 pesos (R$ 28). O filé que experimentei lá (petit lomo), com saladinha e batatas fritas, estava bem gostoso e custou 695 pesos (R$ 90).
Perfeição gastronômica em Montevidéu
Padaria 25 de Mayo: é melhor ir sozinha, sem testemunhas do ataque de gula que vai se apossar de você |
Comecei a inventar desculpas para ir à Cidade Velha só pra passar na 25 de Mayo |
Um polvorón, um café e a vitrine me chamando de volta |
O histórico Mercado de la Abundancia passou por uma revitalização e, além dos boxes de comida e bebida, também abriga um centro cultural voltado para a tradição do tango |
Mercados gastronômicos em Montevidéu
Experimentei quatro desses espaços gastronômicos de Montevidéu: o Mercado Ferrando, em Cordón, o Mercado Williman e o Mercado del Inmigrante, em Punta Carretas, e o Mercado de la Abundância, no Centro.
|
Como o Mercado del Inmigrante ficava pertiho de meu hotel, estava sempre passando por lá para um café e um docinho |
O Mercado Ferrando também tem mesas em uma área externa |
Horários: de domingo a quarta-feira, das 10h à meia-noite. Quintas, até 1h da manhã. Sextas e sábados até as 2h da madrugada.
⭐Mercado Williman
Horários: diariamente, das 10h à 1h da manhã.
Pra quem se hospeda em Punta Carretas, o Mercado Williman (acima) e o Mercado del Inmigrante (foto abaixo), são boas opções para refeições despretensiosas |
As apresentações musicais e as milongas são atrações do Mercado de la Abundancia |
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