![]() |
O dragão na fachada da Casa Bruno Cuadros, nas Ramblas, é pra mim uma das marcas mais fortes de Barcelona |
![]() |
O Modernismo na fachada da Antiga Casa Figueras, hoje
Confeitaria Escribà, em uma imagem de 2007 |
![]() |
À sombra dos plátanos e dos antigos casarões, a muvuca nas
Ramblas é incessante |
O que fazer nas Ramblas de Barcelona
![]() |
Os artistas de rua são parte fundamental no movimento das
Ramblas |
O que são as Ramblas de Barcelona
A ideia das Ramblas é perfeita: uma rua com mão e contramão para carros — mas eu quase esqueço que existe tráfego de automóveis por lá — com um largo calçadão no centro, sombreado por árvores frondosas. Se essa rua for margeada por diversas possibilidades de lazer, fechou a conta.
O encanto das Ramblas, porém, é também sua perdição: com um movimento de 300 mil pessoas ao longo daquele 1,2 km de atração turística, o olho para o lucro rápido sacrifica muito da qualidade dos estabelecimentos que margeiam as Ramblas.
As Ramblas são ditas assim, no plural, porque a via tem subdivisões. A Rambla de Canaletes é o trecho mais alto (mais ao Norte), próximo à Plaça de Catalunya.
![]() |
Eu gosto da arquitetura das Ramblas, ainda que os pavimentos
térreos dos edifícios sejam bem descaracterizados por letreiros e
quinquilharias |
Segundo todas as fontes consultadas, Rambla vem da palavra árabe ramla, ou “torrente”, por conta de um rio que corria por ali e foi desviado para a construção de uma muralha.
Em uma cidade onde a ocupação moura foi tão breve — apenas 83 anos, em uma Península Ibérica que viveu quase sete séculos de presença militar muçulmana — é curioso que sua artéria mais famosa de Barcelona tenha um nome herdado da língua árabe.
![]() |
Pra quem vai à ponta Norte das Ramblas, a estação de metrô Plaça
de Catalunya é a mais cômoda |
➡️ A Estação Plaça de Catalunya (linhas 1 e 3) é o melhor acesso à ponta Norte das Ramblas.
➡️ A Estação Liceu (Linha 3) deixa você bem em frente ao Teatro Liceu, ao Mercado da Boqueria e ao Café de l’Òpera, no meio das Ramblas.
![]() |
A Estação Liceu do Metrô fica no coração das Ramblas, de
cara para o Mercado da Boqueria (abaixo) e para o Teatro |
➡️ A Estação Drassanes (Linha 3) é a ideal para quem quer começar o passeio na ponta Sul das Ramblas, perto do mar e do Monumento a Cristóvão Colombo — mas fique esperta, porque esse é o trecho mais esquisito, à noite.
Onde comer e beber nas Ramblas
![]() |
Mercado da Boqueria: como diziam os Mutantes, "Só não
vá se perder por aí" |
⭐Mercado da Boqueria
La Rambla nº 91
De segunda a sábado, das 8h às 20:30h
Sinceramente? Acho que o único lugar verdadeiramente de confiança — e com excelentes opções — é o Mercado da Boqueria, seja para um belisco, uma farrinha de tapas ou uma refeição mais séria.
Dê uma olhadinha do post exclusivo que ele ganhou — e cuidado pra não se embrenhar na perdição de sabores que ele oferece e mandar o resto do roteiro às favas 😉
Veja as dicas aqui: Mercado da Boqueria, Barcelona: uma atração turística muito gostosa
➡️ Na parte doce da história, sempre ouço falar muito bem da Rocambolesc, uma sorveteria meio (ou totalmente) gourmet. Fica do ladinho do Teatro Liceu (La Rambla nº 51-59) e tem uma cara realmente boa, mas uma fiiiiiiiila que dá vontade de chorar.
![]() |
Escribà: ótimos e bom atendimento |
Os doces de Escribà são verdadeiramente gostosos, o granizado de limão salvou minha vida, em um dia de muito calor, e o atendimento é bem simpático.
![]() |
Para bebericar nas Ramblas, não tem lugar melhor que o Café
de l'Òpera |
⭐Café de l'Òpera
La Rambla nº 74
Aberto diariamente, das 9h às 3h da madrugada
Vou recomendar (pela quinquagésima vez, provavelmente), o fofo Café de l’Òpera, um ponto tradicionalíssimo, com preços honestos e astral muito gostoso.
No verão, eu vou de xerez geladinho ou vermute on the rocks. No inverno, não tenho dúvidas de mandar descer um Carlos I, bom brandy espanhol. Bato ponto no Café de l’Òpera desde minha primeira visita a Barcelona e criei chamego com o bichinho — mas ele merece mesmo.
Aliás, o Café de l'Òpera devia entrar neste post também na lista de atrações históricas das Ramblas, porque o lugar é uma pequena preciosidade modernista.
O Café de l’Òpera começou a funcionar em 1929 — ano da segunda Exposição Universal sediada em Barcelona — a mesma que legou à cidade a Plaça de Espanya e diversos equipamentos de Montjuïc.
![]() |
Café de l'Òpera: frequentado por Miró e pelos combatentes
das Brigadas Internacionais |
O café herdou e mantém bem preservada boa parte de sua decoração Belle Époque de uma confeitaria chique que funcionou no mesmo local, com preciosos espelhos de cristal do Século 19, gravados com imagens de personagens de óperas e pinturas de jarros de flores.
O Café de l’Òpera não é só bonito, mas tem uma biografia respeitável. Ponto tradicional de animadas tertúlias políticas e literárias, sempre atraiu um público interessante e progressista. Joan Miró foi frequentador
Durante a Guerra Civil Espanhola, era um dos points favoritos dos combatentes das Brigadas Internacionais de passagem por Barcelona — assim como o Café Gijón, em Madri, outro xodó da Fragata.
Nós, brasileiros, nos acostumamos a associar insegurança a lugares desertos. Na Europa, onde são bem mais raros os assaltos, o maior risco para um viajante são as grandes aglomerações, o habitat favorito dos batedores de carteira — modalidade na qual Barcelona parece ser a campeã do continente.
Na muvuca incessante das Ramblas, todo cuidado é pouco com a bolsa, celular e outros pertences.
Também é prudente evitar as Ramblas tarde de noite, quando a área ganha ares de film noir, com figuras esquisitas e muitos grupos de turistas bêbados.
![]() |
O Modernismo não é a principal característica das Ramblas, mas a fachada deste pub (virando a esquina, na Carrer de Ferran) e esta fonte são bem fotogênicos |
⭐Fonte de Canaletes
Entre a Carrer de Pelai e a Carrer dels Tallers
Partindo da Plaça de Catalunya, o primeiro ponto célebre das Ramblas é a Font de Canaletes, à direita, entre a Carrer de Pelai e a Carrer del Bonsuccés. É uma fonte do Século 19, famosa como ponto de encontro e usada como referência para as reuniões e celebrações da torcida do Barcelona.
Se você conseguir clicar Font de Canaletes sem um bando de gente alucinada abraçando a fonte pra tirar foto, manda pra mim. Eu não tive paciência de esperar uma brechinha na tietagem.
![]() |
Até o começo do Século 19, a área das Ramblas era ocupada
por muitas igrejas e mosteiros. A Igreja de Belém é uma sobrevivente dessa
época |
Na esquina da Carrer del Carme
O Mercado da Boqueria, por exemplo, ocupa o terreno que era do Convento de São José e a Plaça Reial substituiu o Convento dos Capuchinos de Santa Madrona.
As ordens religiosas começaram a ser desalojadas das Ramblas na esteira das Bullangas, insurreições anti-absolutistas favoráveis à Constituição Espanhola de 1812, popularmente chamada de La Pepa. Muitos conventos e igrejas foram saqueados e queimados.
![]() |
Sou fã desses telhadinhos de cerâmica que protegem as claraboias
da Igreja de Belém |
O processo foi completado em 1837, quando o Estado espanhol confiscou e leiloou a maior parte dos bens da Igreja Católica em todo o país. Em Barcelona, calcula-se que o total das desapropriações tenha chegado a 80% dos terrenos e edifícios da igreja.
A Igreja de Belém sobreviveu às Bullangas, mas não passou incólume pelos séculos. Construída no Século 16 pelos Jesuítas, ela foi desapropriada quando a ordem foi proscrita na Espanha e queimada durante a Guerra Civil Espanhola.
A fachada da Igreja de Belém, porém, resistiu altaneira a toda essa biografia. Revestida em pedra com entalhes almofadados e com um belo portal barroco, merece um olhar atento e alguns cliques.
![]() |
A Fonte da Portaferrissa lembra um dos portões da Muralha de
Barcelona |
Na esquina da Carrer de la Portaferrissa
Quase em frente à Igreja de Belém está a Fonte de Portaferrissa, construída em 1604. O painel que a decora retrata a tradicional Festa de la Mercè, celebrada nos meses de setembro. O conjunto de azulejos foi instalado em 1959 e é de autoria do artista Joan Baptista Guivernau.
A fonte leva o nome de uma das entradas da muralha do Século 13 que fortificava Barcelona e cujo traçado acompanhava o que viria a ser as Ramblas.
Além da Porta Ferrissa, o “lado das Ramblas” da muralha também contava com as portas de Santa Anna, da Boqueria, de Los Trenta Claus (“trinta cravos”) e a de Fra Menors.
![]() |
O Palau de la Virreina tem exposições bem interessantes |
Este palácio do Século 18 foi mandado construir pelo um vice-rei do Peru que não viveu para vê-lo inaugurado. Quem ocupou essa joia barroca, considerada uma das mais notáveis de toda a Espanha, foi sua viúva. Daí o nome: “Palácio da vice-rainha”.
Hoje, o Palau de la Virreina abriga Instituto de Cultura da Prefeitura de Barcelona e o Centro de Imagem la Virreina, um espaço de exposições com uma programação bem movimentada, voltada para as artes visuais contemporâneas. Veja a agenda aqui > La Virreina
![]() |
A antiga Casa Figueras deve ser um dos edifícios que eu mais
fotografei em Barcelona. Esta foto é de 2011 |
O trecho entre a Passatge dels Colons (um bequinho à direita de quem desce as Ramblas no sentido Plaça de Catalunya - Monumento a Colombo) e a Carrer de Ferran/Plaça Reial concentra vários remanescentes modernistas que merecem que você desacelere o passo e apure o olhar.
Nesse trechinho estão Escribá, o Café de l'Òpera, a Casa dos Guarda-Chuvas, a Casa Doctor Genové, a belíssima vitrine modernista da antiga Camiseria Bonet...
⭐Antiga Casa Figueras/ Escribà
La Rambla nº 83
A Pastelaria Escribà funciona diariamente, das 9h às 21h
A arte de Gaudí&Cia está muito bem representada na sede da antiga fábrica de macarrão da Família Figueras, um primor modernista assinado por Antoni Ros i Güell, que além de arquiteto também deixou uma obra respeitada como pintor e cenógrafo.
![]() |
Detalhe do teto da Antiga Casa Figueras |
A reforma modernista da loja, agora ocupada pela Pastelaria Escribà, foi concluída em 1902 e ainda hoje consegue se destacar na balbúrdia visual das Ramblas, garças a sua belíssima fachada em mosaicos criados pelo genovês Mario Maragliano, que também trabalhou na Casa Amatller e no Hospital de la Santa Creu i Sant Pau.
E a Antiga Casa Figueras ainda tem a vantagem de deixar a gente fingir que foi até lá só pela estudiosa curiosidade de ver uma obra de arte, enquanto se acaba nos docinhos de Escribà 😀.
![]() |
O Modernismo abraça os traços do Gótico Catalão na Casa Doctor Genové. A foto do detalhe é de Mutari (Wikimedia Commons. A imagem frontal da fachada é de Canaan (Wikimedia Commons) |
Vamos dar uma paradinha para admirar uma fachada alta e magricela, mas muito bonita.
Depois de ver prevalecer a tradição nórdica do gótico nas torres do Passeig de Gràcia, é interessante ver o Modernismo abraçar escancaradamente o Gótico Catalão, que tem feições muito próprias — e eu acho bem bonito.
A Casa Doctor Genové agora abriga um bar, como tantos imóveis históricos das Ramblas.
![]() |
Casa Bruno Quadros: grande encarnação do espírito da coisa modernista |
Por precisão jornalística, preciso avisar que a Casa Bruno Cuadros é considerada uma construção pré-modernista, mas eu não estou nem aí. Pra mim, ela traduz direitinho o espírito da coisa.
Desde a primeira vez que bati os olhos na exuberante decoração da fachada dessa antiga loja das Ramblas, ela virou um dos meus grandes amores barceloneses, no mesmo patamar das obras-primas do Modernismo Catalão.
Tem sombrinhas japonesas, dragão chinês (o bicho não podia faltar: é um dos símbolos de Barcelona, em alusão ao padroeiro São Jorge), telhadinho de pagode, coluninhas meio gregas, toques egípcios.. Tem sgrafitto, estuque, pinturas, vitrais e balcões de ferro. Uma salada deslumbrante, quase despudorada.
Bruno Cuadros i Vidal, o primeiro dono da casa era um comerciante de guarda-chuvas e sombrinhas que em 1858 resolveu construir um edifício para instalar sua loja, com apartamentos nos andares superiores destinados a aluguel. O apelido da casa, dels Paraigües ("dos guarda-chuvas") vem desse comércio.
A decoração, porém, foi acrescentada em 1885, obra de Josep Vilaseca i Casanovas, também autor do projeto do Arco do Triunfo de Barcelona, obra realizada para a Exposição Universal de 1888.
![]() |
Meu sonho de consumo em Barcelona é assistir a uma ópera no
Liceu |
Como outros marcos importantes das Ramblas, o Teatro Liceu também é um herdeiro das desapropriações de imóveis da igreja em Barcelona. Seu embrião foi uma sociedade teatral criada em 1837, no antigo Convento de Montsió (no Portal del Angel) e sua sede definitiva ocupa o terreno onde existiu o Convento dos Trinitários.
![]() |
Essa marquise do Liceu é um escândalo. O teatro estava iniciando sua temporada de ópera, em outubro, e eu fiquei louca pra ver Turandot — mas quem disse que achei ingresso? |
De lá pra cá, ele já ressurgiu das cinzas — literalmente — duas vezes, após sofrer devastadores incêndios em 1861 e 1994. Também foi alvo de um atentado terrorista em 1893 que deixou 20 mortos.
A última reconstrução do Gran Teatre del Liceu foi concluída em 1999 — após o incêndio de 94 —, resgatando fielmente o desenho do arquiteto Miquel Garriga i Roca, responsável pelo primeiro projeto, mas dotando-o do que havia de mais moderno em tecnologia. A cara é a mesma, mas a infra é contemporânea.
![]() |
Hermes — mensageiro dos deuses do Olimpo e divindade
protetora dos comerciantes — foi a inspiração de Gaudí para desenhar essas
luminárias da Plaça Reial |
Acho que não tenho a disciplina necessária pra cumprir um roteiro por todos os 1.200 metros das Ramblas de Barcelona. Quando eu chego à altura do Teatro Liceu e do Café del’Òpera, já emburaco pelo Raval, em busca de um boteco mais raiz, ou tomo o rumo do Bairro Gótico, atendendo à minha estudiosa turistagem (risos).
Se minha escapada for na direção do Bairro Gótico, pode ter certeza que vou dar uma passada pela simpática, embora excessivamente movimentada Plaça Reial, cuja entrada está a menos de 200 metros do Café del’Òpera, na direção Sul (do mar), pela Carrer de Colom.
![]() |
A Plaça Reial é muito movimentada, dia e noite |
![]() |
Fonte das Três Graças |
Mas a grande atração da Plaça Reial são os lampiões desenhados em 1878 por um arquiteto de 26 anos chamado Antoni Gaudí.
![]() |
Esta arcada (esq) na Carrer de Ferrán é um dos acessos à Plaça Reial, onde sempre haverá uma mesinha ao ar livre pra você chamar de sua. Os preços são inflacionados, mas o astral é gostoso |
Os lampiões de Gaudì homenageiam o deus grego Hermes, o mensageiro do Olimpo, que também era patrono do Comércio — e foi o dinheiro dessa atividade econômica que se instalou nas elegantes moradias da Plaça Reial. Os lampiões são encimados pelo capacete alado de Hermes.
A Europa na Fragata Surprise
Nenhum comentário:
Postar um comentário