5 de dezembro de 2016

Lisboa: o Mosteiro dos Jerónimos e as grandes aventuras marítimas


Pavimento superior do claustro central do Mosteiro dos Jerónimos, Lisboa
Os povos contam suas Histórias de muitas formas. Em Portugal, os mosteiros são grandes cronistas da trajetória lusitana

Há muitas formas de um povo contar sua história. Para isso estão os bardos, as estátuas em praça pública e os estandartes capturados em batalhas e exibidos em museus.

Portugal tem um grande bardo — os decassílabos de os Lusíadas encadeiam aventuras tão eletrizantes que empalidecem os mais feéricos efeitos especiais do cinema —, estátuas e estandartes.


Claustro principal do Mosteiro dos Jerónimos, Lisboa
Claustro principal do Mosteiro dos Jerónimos

Mas parece que a especialidade da Nação Lusa é narrar sua epopeia em grandiosos poemas esculpidos em pedra, seus belos mosteiros.

Um exemplo é o Mosteiro dos Jerónimos, um primoroso rendilhado de calcário, plantado nas cercanias de um velho embarcadouro. Foi do Restelo, hoje Belém, que as naus portuguesas se lançaram ao Tejo e ao Atlântico para construir a grande potência europeia do Século 16.

Entalhes decorativos do claustro principal do Mosteiro dos Jerónimos, Lisboa
A riqueza dos entalhes no claustro principal do Mosteiro dos Jerónimos

Encomendado por D. Manuel I para celebrar as conquistas ultramarinas, o Mosteiro dos Jerónimos é uma narrativa viva do esplendor lusitano na Era das Navegações.

Um edifício encantador e grandiloquente (combinação rara), à altura da grandeza do enredo de que lhe coube ser cronista.

Fonte dos Leões, no claustro central do Mosteiro dos Jerónimos, Lisboa
Fonte dos Leões: em geral, há sempre uma fonte nos claustros dos mosteiros, para que os religiosos se lavassem antes das preces e das refeições

Fonte dos Leões, no claustro central do Mosteiro dos Jerónimos, Lisboa


Merecidamente, o Mosteiro dos Jerónimos é uma das atrações mais concorridas de Portugal, sempre no topo da lista de quem chega a Lisboa — eu também corri pra lá no primeiro dia da minha primeira passagem pela capital portuguesa.

Nesta viagem mais recente, porém, decidi “ler” a história de Portugal em ordem cronológica.

Comecei pelo Mosteiro de Alcobaça, testemunha do “primeiro capítulo” da história lusitana, profundamente ligado à fundação do Reino Português (Século 12).

fachada do Mosteiro dos Jerónimos, Lisboa
A âncora em frente ao Mosteiro dos Jerónimos lembra que o edifício é "filho" das grandes navegações

fachada do Mosteiro dos Jerónimos, Lisboa


Depois, visitei o Mosteiro da Batalha, construído para celebrar a afirmação dessa independência, a vitória contra os castelhanos em Aljubarrota (Século 14) — você pode ler sobre essas visitas aqui na Fragata, é só seguir os links.

Só então, de volta a Lisboa, fui “assistir” ao terceiro capítulo, o apogeu do Império Português, narrado pelo Mosteiro dos Jerónimos.

Veja como foi esse reencontro:

Mosteiro dos Jerónimos, Lisboa


Vitrais da Igreja de Santa Maria, no Mosteiro dos Jerónimos
Vitrais da Igreja de Santa Maria, no Mosteiro dos Jerónimos

Desde a primeira visita, sou absolutamente encantada pelo Mosteiro dos Jerónimos. Essa nova "leitura", porém, ganhou um sabor mais intenso.

O percurso histórico pelos outros mosteiros me permitiu contextualizar melhor o enredo contado pelo bardo de pedra e cal das navegações.

Precisar não precisa — basta ter olhos e um pouquinho de sensibilidade para cair de amores pelo Mosteiro dos Jerónimos, verdadeiro compêndio de arquitetura manuelina, um balé de colunas retorcidas e torres que parecem saídas de um castelinho de areia. Mas vê-lo como o ápice de uma epopeia é uma experiência poderosa.

Portal Sul do Mosteiro dos Jerónimos e imagem de Santa Maria de Belém, padroeira do mosteiro
O Portal Sul, onde se destaca a imagem de Santa Maria de Belém, padroeira do mosteiro. Entre as duas portas está uma estátua do Infante D. Henrique, considerado o mentor das grandes navegações portuguesas

Túmulo de Fernando Pessoa no Mosteiro dos Jerónimos, Lisboa
Nem só de glórias do Século 16 se fazem os encantos dos Jerónimos. O poeta Fernando Pessoa está sepultado no claustro do mosteiro. Sua lápide é uma comovente linha reta em meio aos floreios manoelinos

O estilo manuelino no Mosteiro dos Jerónimos, Lisboa
O Mosteiro dos Jerónimos é considerado o mais importante exemplar do gótico-tardio português, também chamado de estilo manuelino, em alusão ao monarca do período, D. Manuel

A construção do Mosteiro dos Jerónimos foi iniciada dois anos após a chegada da esquadra de Cabral ao Brasil. A obra foi paga pela Coroa de Portugal com a riqueza do comércio com as Índias.

Os elementos decorativos usados no mosteiro prestam um tributo a essas aventuras e terras além-mar.

Túmulo de Camões e colunas da Igreja de Santa Maria, no Mosteiro dos Jerónimos, Lisboa
A Igreja de Santa Maria, com o altar-mor ao fundo. À direita e abaixo, o túmulo de Camões, sempre sitiado pelos visitantes

Túmulo de Camões no Mosteiro dos Jerónimos, Lisboa


Nos entalhes — tão intrincados que parece que os artesãos resolveram tirar as pedras para dançar — símbolos náuticos, plantas exóticas e a Cruz da Ordem de Cristo, companhia religiosa/militar que patrocinou as navegações portuguesas.

A mais impressionante dessas citações são as colunas muito esguias que suportam a cobertura da Igreja de Santa Maria, esculpidas como as palmeiras que os portugueses trouxeram do oriente para adornar o litoral do Brasil.

Túmulo de Vasco da Gama no Mosteiro dos Jerónimos, Lisboa
Túmulo de Vasco da Gama, desbravador do caminho marítimo para as Índias

O Mosteiro dos Jerónimos é um grande baile para celebrar a conquista de Ceuta, a travessia do Cabo Bojador, a vitória sobre a fúria do Cabo das Tormentas, a chegada dos navegadores portugueses a Calcutá, o comércio de especiarias e a posse afirmada sobre o território de Pindorama.

Lá estão as vitórias sobre o mar-oceano. Lá descansam os grandes personagens dessa saga — soberanos como D. Manuel, navegadores, como Vasco da Gama, o conquistador da rota para as Índias, e o grande cronista dessa era, Luís de Camões.

Túmulo do rei D. Sebastião no Mosteiro dos Jerónimos, Lisboa
O túmulo vazio de D. Sebastião (esq) e detalhes do teto da igreja

E, claro, o engenho e arte dos homens comuns que içaram velas, esticaram cordas e entalharam as pedras dessa linda crônica.

Também está no Mosteiro dos Jerónimos a sepultura vazia de D. Sebastião, o rei quase imberbe e obcecado que escreveu o epílogo do esplendor português.

D. Sebastião encasquetou de ter sua própria epopeia, e morreu em Alcácer-Quibir, no Marrocos, em 1578, deixando Portugal sem herdeiro e a ver os navios espanhóis, ingleses e franceses dominarem os mares que o povo lusitano desbravou.

Colunas em forma de palmeiras na igreja de Santa Maria, no Mosteiro dos Jerónimos, Lisboa
As "palmeiras" que sustentam o teto da igreja de Santa Maria

Colunas em forma de palmeiras na igreja de Santa Maria, no Mosteiro dos Jerónimos, Lisboa

Sim, o esplendor português é uma história com começo, meio e fim. Todas as grandes aventuras são assim. Graças à poesia — de Camões e das pedras do Mosteiro dos Jerónimos —, porém, a epopeia portuguesa é imortal.

Roteiro pelos mosteiros de Portugal
Se você gostou da ideia do roteiro histórico pelos grandes mosteiros portugueses, saiba que é bem fácil organizar essa jornada. Dá para fazer em dois dias, mas eu sugiro três — eu gosto de viajar devagar.

➡️ Entre Lisboa e Alcobaça, são 122 km, percurso que você faz em pouco mais de uma hora de carro ou em 1h50 de ônibus (a Rede Expressos faz essa linha).

➡️ O Mosteiro de Alcobaça fica aberto até às 18 horas (de outubro a março) e até as 19 h no resto do ano.

Mosteiro da Batalha e Mosteiro de Alcobaça, Portugal
Mosteiro da Batalha (esq) e o Mosteiro de Alcobaça, dois capítulos lindos da história de Portugal

➡️Vale a pena se hospedar em Alcobaça pra ver o Mosteiro da cidade ao por do sol (lindo!) e curtir um hotel delicioso, o Solar Cerca do Mosteiro, que tem vista de camarote para a fachada principal da abadia.

➡️ No dia seguinte, siga para Batalha, a 20km de distância de Alcobaça.

A empresa de ônibus RodoTejo faz o percurso entre Alcobaça e Batalha em 40 minutos.

Visite o Mosteiro da Batalha (que funciona nos mesmos horários do de Alcobaça) e retorne a Lisboa para ver o Mosteiro dos Jerónimos no dia seguinte.

O que você precisa saber para se organizar está nesses posts: 
Mosteiro de Alcobaça, um capítulo da História de Portugal 
O que ver no Mosteiro da Batalha

Hospedagem em Alcobaça: Solar Cerca do Mosteiro


Coro da Igreja de Santa Maria, no Mosteiro dos Jerónimos, Lisboa
O Coro da Igreja do Mosteiro dos Jerónimos

A rigor, há mais um "capítulo" entre os mosteiros contadores de história, que é o Mosteiro de Tomar.

Esse mosteiro pertencia à Ordem de Cristo, a organização religiosa/militar que substitui os templários e teve papel preponderante na independência de Portugal.

A ordem foi muito ativa na reconquista cristã do território português e no financiamento das empresas ultramarinas. Era a cruz da Ordem de Cristo que estava estampada nas velas das embarcações de Pedro Álvares Cabral e de outros navegadores.

O Mosteiro de Tomar, porém, ficou para a minha próxima visita a Portugal 😉.

Detalhes decorativos do Mosteiro dos Jerónimos, Lisboa


⭐ Mosteiro dos Jerónimos
Praça do Império s/n, Belém

Quando: de terça a domingo, das 10h às 18:30h, de maio a setembro, e das 10h às 17:30h, de outubro a abril.

Quanto: pra ver só o mosteiro, o ingresso custa € 10. Há uma série de bilhetes combinados com outras atrações. Eu recomendo o chamado “Praça do Império” (Mosteiro dos Jerónimos + Torre de Belém + Museu Nacional de Arqueologia), que custa € 16.

Mosteiro dos Jerónimos, Lisboa
O Mosteiro dos Jerónimos merece uma visita sem pressa. São muitos detalhes lindos pra ver

Claustro do Mosteiro dos Jerónimos, Lisboa


Como chegar ao Mosteiro dos Jerónimos
As linhas de ônibus 727, 28, 729, 714 e 751 passam por lá, mas, se eu fosse você, pegava o Eléctrico 15 no Terreiro do Paço (Praça do Comércio) e já ia entrando no clima.

O que combinar com a visita ao Mosteiro dos Jerónimos
A visita aos Jerónimos combina com a visita ao Museu Nacional de Arqueologia, que funciona em uma das alas do mosteiro.

Atrações do bairro de Belém, em Lisboa
Belém tem atrações que preenchem facinho um dia de passeios. No sentido horário: o Museu Nacional de Arqueologia, a Torre de Belém vista do alto do Padrão dos Descobrimentos, os pastéis de nata mais famosos de Portugal e o agradável jardim em frente ao Mosteiro dos Jerónimos

Também combina com a visita à Torre de Belém e ao Padrão dos Descobrimentos.

Por fim, como ninguém é de ferro, programe-se para uma farrinha de pastéis de Belém (originalmente produzidos no Mosteiro dos Jerónimos , na fábrica que fica do ladinho.


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Um comentário:

  1. Essas pedras em rendas me fizeram cair de amores por ele. Antes mesmo de encontrá-lo li, para ter aquela noção básica do que encontraria, de seus tantos significados, mas depois do abraço o total encantamento. Ele é maravilhoso e amei como o apresentaste. BjO!

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