13 de janeiro de 2013

Coimbra: roteiro de 1 dia

Centro Histórico de Coimbra
Coimbra: em vez de fortaleza militar, uma universidade

Uma famosa balada cantada por estudantes diz que "Coimbra tem mais encanto na hora da despedida". Peço licença para discordar.

Coimbra é encantadora do primeiro ao último olhar. Ainda mais sob um céu escancaradamente azul (acho que a cidade encomendou só pra mim) de um inverno ameno, com temperaturas na casa dos 15 graus.

Paço das Escolas, principal edifício histórico da Universidade de Coimbra
Paço das Escolas, o coração de Coimbra

Bastaram 24 horas na cidade pra eu me apaixonar por Coimbra. O roteiro de um dia na cidade dá para ver o básico, mas já vou avisando: você vai caminhar por aquelas ladeiras fazendo mil planos de voltar.

Dá uma olhada nesse meu passeio por Coimbra:

Coimbra: roteiro de 1 dia

➡️ Uma linda razão para se apaixonar por Coimbra
Pra ser bem sincera, eu já gostava de Coimbra muito antes ter estado lá. Há muitas formas de forjar a marca de uma cidade (as montanhas do Rio de Janeiro, os canais de Veneza, o esplendor de Paris, as memórias de Atenas...). Coimbra escolheu o jeito mais bonito.

Ela foi um assentamento romano (a cidade de Aeminium, ou Emínio), foi praça forte de Al-Andaluz e capital de Afonso Henriques, o primeiro rei de Portugal, no Século 12.

Pátio principal da Universidade de Coimbra
O vasto pátio central da Universidade de Coimbra

Nesta condição, Coimbra foi testemunha e palco dos primeiros passos da aventura de fundação da nação portuguesa.

Como todo esse currículo, a, bela cidade, empinada sobre uma rocha na margem Leste do Rio Mondego, prefere ser imediatamente reconhecida como sede de uma das universidades mais antigas do Ocidente, a Universidade de Coimbra.

Baixa de Coimbra e o Rio Modego
A Baixa de Coimbra, às margens do Rio Mondego, que nasce na Serra da Estrela e encontra o Atlântico em Figueira da Foz

Fundada no Século 13, a Universidade de Coimbra é o coração da cidade. Tanto é assim que desde o Século 16 ela está instalada no terreno onde antes se assentava o poder político e militar, o topo da elevação que domina a cidade.

A sede da Universidade de Coimbra ocupa o cume da cidade, onde já estiveram a Alcáçova moura (palácio fortificado do governador) e o Paço Real português.

É um morro muito íngreme, para onde parecem serpentear todas as ruas de Coimbra — desafiando fôlegos, panturrilhas e até quase a Lei da Gravidade.

Torre do Relógio da Universidade de Coimbra
Em Coimbra, a torre no ponto culminante da cidade serve para marcar o horário das aulas

Uma posição privilegiada, dominando uma grande faixa de rio e horizontes a perder de vista. Outras lógicas mandariam colocar ali canhões e muralhas (os gregos construiriam uma acrópole).

No topo de Coimbra, porém, a única torre é a construção setecentista, abrigo do relógio e dos sinos que marcam o início e fim das aulas da Universidade, ditando o pulso da vida acadêmica e da cidade que a orbita. 

A Universidade, o coração de Coimbra
A Universidade define os diversos aspectos da vida, em Coimbra. Arejada ao longo dos séculos pelos ardores e ideais de seus estudantes, a cidade deve muito de sua vida cultural, hábitos e economia à presença dessa juventude.

Tradições de Coimbra: fado e repúblicas estudantis
Fado e repúblicas estudantis, duas marcas de Coimbra

Atualmente os jovens chegam de todas as partes do mundo para integrar o corpo discente da Universidade de Coimbra, hoje com 30 mil alunos (a cidade tem uma população total de 150 mil pessoas).

Como explica a historiadora Raquel Magalhães, desde sempre “os tendeiros, os artesãos, os criados, as lavadeiras, os livreiros e até mesmo os proprietários dos imóveis destinados ao arrendamento, orientavam a sua atividade econômica em função das necessidades da população estudantil”.

República estudantil e a Torre da Almadina, em Coimbra, Portugal
A irreverência das repúblicas estudantis (esq) e a memória moura na Torre da Almadina 

É no plano, cultural, porém, que essa presença imprime sua marca mais forte em Coimbra. As festas tradicionais dos estudantes, como a "Latada" (recepção aos calouros, no início do ano letivo) e a "Queima das Fitas" (realizada em maio para celebrar a conclusão do curso pelos quintanistas) são as grandes celebrações da cidade e atraem turistas de todos os cantos.

O Fado de Coimbra
Nada, porém, expressa tanto a alma conimbricense quanto o Fado de Coimbra, o maior legado dos estudantes à cidade.

Gosta de música e viagens? Siga o link para mais dicas 😉.

Estudante com a tradicional capa negra recebe os turistas no pátio da Universidade de Coimbra
Estudante com a tradicional capa negra recebe os turistas no pátio da Universidade de Coimbra

Cantado exclusivamente por homens (que devem usar o traje acadêmico, no qual se destaca a capa negra até os pés), a casa do Fado de Coimbra são as ladeiras da cidade, as soleiras, a calçada sob os balcões.

O Fado de Coimbra rima com noite, boemia e galanteio. Seu grande momento é a serenata, que reúne grandes grupos para cantar na rua, à luz das estrelas.

Rio Mondego, Coimbra
Meu roteiro em Coimbra começou na Ponte de Santa Clara, sobre o Rio Mondego, onde as aves aquáticas sempre fazem a festa

Na sonoridade, o Fado de Coimbra lembra a canção napolitana (não aquela breguice dilacerada de Mássimo Ranieri, por favor, mas suavidade de Roberto Murolo — ou vai ver essa é mais uma manifestação da minha mania achar a língua napolitana um português com outro vocabulário...)

O que ver em 1 dia em Coimbra
Com toda essa simpatia prévia que eu levava comigo, Coimbra me privou de um enamoramento à primeira vista  — já cheguei encantada  — mas quem disse que a cidade abriu mão de alterar minha frequência cardíaca?

Eu cheguei a Coimbra no fim de uma linda manhã de inverno, vinda de Fátima, a 86 km. Depois das providências práticas — fazer check-in no hotel, guardar o carro na garagem — tratei de aproveitar um dos grandes encantos da cidade: a culinária.

ladeiras e escadarias do centro Histórico de Coimbra
As ladeiras e escadarias do centro Histórico de Coimbra são um desafio ao fôlego e às panturrilhas

Nosso almoço foi na Baixa de Coimbra, onde há uma grande quantidade de restaurantes simples, baratos e autênticos — e um ou outro pega-turista. No Restaurante O Serenata, o público é composto basicamente por locais que trabalham nas imediações.

Quem me deu as boas vindas Coimbra foi um bacalhau com natas, arrematado por um senhor pudim de laranja. 

Aproveitando que estava na Baixa de Coimbra, fui caminhar pelas margens do Rio Mondego, tomadas por aves marinhas que reforçam a poesia do cenário — a 50 km do Atlântico!

O Rio Mondego nasce na Serra da Estrela e corre por cerca de 250 km até Figueira da Foz. Em Coimbra, ele atravessa e emoldura as belezas da cidade.

O Centro Histórico de Coimbra visto da Ponte de Santa Clara
O Centro Histórico de Coimbra visto da Ponte de Santa Clara

Ponte de Santa Clara, a principal ligação entre as margens no Centro da cidade, é o lugar perfeito para contemplar a Coimbra que se encarapita ladeiras acima, até sua tão querida Universidade. O melhor horário para ver a cena é a partir do meio da tarde, por causa do ângulo do sol.

Do outro lado da ponte, perto da margem do Rio, está o Mosteiro de Santa Clara-a-Velha, do Século 13. No topo de um ladeirão, também na margem esquerda do Rio Mondego, está o belíssimo Convento de Santa Clara-a-Nova, que além de tudo tem uma vista espetacular para o Centro Histórico de Coimbra.

Centro Histórico de Coimbra, Portugal
O esforço para subir as ladeiras do Centro Histórico é compensado pelos encantos do caminho. À direita, a porta da Sé Velha de Coimbra


Voltando à margem direita do Rio Mondego, é hora de subir ladeiras. Esqueça a preguiça e suba a pé o caminho entre a Baixa de Coimbra e a Universidade, percorrendo as ruelas estreitas da Almadina, bairro derivado da antiga cidade amuralhada dos mouros.

É verdade que a gente precisa ter umas certas artes de alpinista (ou algumas cabras entre os antepassados) para dar conta daquelas ladeiras  —  inacreditáveis até para quem cresceu em Salvador  — e escadarias.

Sé Velha de Coimbra
A Sé Velha e seu ar de fortaleza, como tem a maioria das catedrais do tempo da Reconquista

Na subida, vale fazer uma parada na Sé Velha de Coimbra, mais uma igreja dos tempos da Reconquista (campanha dos reinos cristãos contra os mouros que dominavam a Península Ibérica) com ares de fortaleza, como as catedrais de  Lisboa e de Évora.

Construída por determinação de Afonso Henriques, primeiro rei de Portugal, A Sé Velha de Coimbra é um edifício românico, do Século 12, o único do país a chegar aos nossos dias sem alterações significativas.

Coimbra - Casa de Zeca Afonso, autor de Grândola, Vila Morena, hino da Revolução dos Cravos
A casa de Zeca Afonso, no Largo da Sé Velha

A antiga Catedral de Coimbra tem um lindo claustro, já com características góticas, e uma decoração interior de traços moçárabes (a estética dos cristão que viveram em territórios dominados pelos mouros e absorveram a influência da arte e cultura desse povo).

Quase em frente à Sé Velha de Coimbra fica a casa onde viveu o trovador Zeca Afonso, autor de Grandola, Vila Morena, canção símbolo da Revolução dos Cravos e da democracia portuguesa.

Zeca estudou na Universidade de Coimbra e é considerado um dos grandes renovadores do Fado local.

Escadarias de Minerva - Universidade de Coimbra
As Escadarias de Minerva, um dos acessos à Universidade de Coimbra

A partir dessa breve reverência à "Casa do Zeca", basta seguir as placas que anunciam a proximidade da Universidade de Coimbra.

As ladeiras vão ficando ainda mais inclementes (se é que isso é possível), mas sempre há uma pastelaria com mesinhas de fórmica e ar de antigamente, onde se pode tomar uma bica (cafezinho) ou provar um docinho de gema para repor as energias. O pastel de santa clara é o doce nacional de Coimbra e eu sou louca por ele.

A Porta Férrea, entrada cerimonial da Universidade de Coimbra
A Porta Férrea, entrada cerimonial da Universidade de Coimbra

Quando a gente acha que já subiu tudo que os joelhos aguentam, pinta um dilema: uma rua quase plana e uma escadaria se apresentam, numa bifurcação, prometendo, ambas, nos levarem ao Paço das Escolas, o coração da Universidade de Coimbra.

Escolha os degraus, pois você está diante das Escadarias de Minerva, uma forma absolutamente encantadora de chegar ao vasto pátio construído no antigo espaço de comandantes militares e reis, mas conquistado por uma instituição onde se cultiva mais o questionamento que a obediência.

Fachada Art Déco do Departamento de Física da Universidade de Coimbra
Fachada Art Déco do Departamento de Física da Universidade de Coimbra

Mais comovente que chegar ao Paço das Escolas pela Escadaria de Minerva deve ser entrar solenemente pela Porta Férrea, envergando a capa negra, no ritual que marca o ingresso na vida acadêmica na Universidade de Coimbra. Deu até vontade de voltar a estudar...

A visita às dependências históricas da Universidade de Coimbra você confere seguindo o link.

Ouça o Fado de Coimbra no youtube: Coimbra tem mais encanto na hora da despedida

Universidade de Coimbra




A Europa na Fragata Surprise

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2 comentários:

  1. Que relato maravilhoso e apaixonado, confesso que tremi relembrando os meus tempos de estudante. Coimbra é um dos maiores orgulhos de Portugal e provavelmente o tesouro mais bem guardado. Visitou a universidade por dentro? Um curiosidade: essa rua incrivelmente ingreme que liga a UC à baixa reza a lenda que cada tombo em sua calçada (sim são vários os que ali caiem) equivale a um ano reprovado, eu escorreguei 1 vez e tive de repetir disciplinas e a minha prima caiu uma vez e repetiu um ano, coincidencia ou não a lenda fez-se cumprir!!

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    1. Luffi, se eu já era fã de Portugal, conhecer Coimbra (finalmente!!) foi mais um motivo para eu adorar seu país. Essa história dos tombos é muito interessante, pena que eu não sabia dela antes, pois teria prestado mais atenção (faz quase 30 anos que concluí o curso de Jornalismo, mas não custa a gente ter cuidado, rsss).
      Vou voltar em breve para ver a UC com toda a calma do mundo. Consegui ter acesso a uma sala de aula, mas não consegui visitar a biblioteca, que era meu grande plano. Enfim... Sempre é bom ter motivos para voltar:)

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