"Eu tenho um sonho". O Museu Nacional dos Direitos
Civis está instalado no Lorraine Motel, onde Martin Luther King foi assassinado |
A instituição é um tributo a uma luta que ainda não acabou. Por isso mesmo, o Museu Nacional dos Direitos Civis tem lado.
O Museu Nacional dos Direitos Civis tem lado. E é essencial |
Ele conta a história da luta pelos Direitos Civis da população negra dos Estados Unidos desde a escravidão até 1968, ano do assassinato de Martin Luther King.
É um museu explicitamente militante, que e conjuga a preservação da memória com o ativismo — que coloca a memória a serviço dos avanços sociais que ainda estão por ser conquistados.
A mesma militância que enfrentou o racismo, a política de segregação e a negação de direitos elementares à população afrodescendente dos Estados Unidos, como o de poder votar ou frequentar a escola que quisesse.
A alma africana de Memphis resplandece e a visita ao museu que conta a luta contra o racismo é o justo tributo aos homens negros e mulheres negras que nos legaram os sons que nós amamos.
Museu Nacional dos Direitos Civis
Um pouquinho da história de MemphisFundada há exatos 200 anos (em 22 de maio de 1819), às margens do Rio Mississipi, Memphis já nasceu com a vocação para grande entroncamento por onde era distribuída a vasta produção de algodão, que era então a base da economia do Sul dos EUA.
O museu mantém um programa educativo de estímulo ao voto
(que é facultativo, no EUA): "A última coisa que Martin Luther King ia
querer seria um minuto de silêncio. Faça barulho. Vote!" |
O Slave Haven Underground Railroad Museum, em Memphis, teria sido uma "estação" da rede clandestina que ajudava escravos fugitivos(Foto de Adam Jones, Ph.D./Wikimedia Commons) |
O Slave Haven Underground Railroad Museum fica na área que é hoje Uptown Memphis, não muito longe do Centro (826 North 2nd Street).
A violência racial, porém, não se limitou aos africanos e seus descendentes. Além do ir e vir de escravizados, os atracadouros de Memphis, na margem do Rio Mississípi, também serviram de ponto de partida para as levas de indígenas, deportados de suas terras no Sudeste Americano.
Estima-se que pelo menos 60 mil pessoas das nações Cherokee, Creek, Seminole, Chickasaw e Choctaw tenham sido levadas à força para o Oeste, o que corresponde a 83% do total da população dessas cinco tribos na época. Com eles, partiram 5 mil escravos africanos.
O navio negreiro e o mercado de escravos: Memphis foi um dos
principais centros de tráfico humano, no Século 19. Esta instalação no Museu
Nacional dos Direitos Civis relembra essa história |
Durante a Guerra Civil nos EUA, Memphis alinhou-se às forças do estado do Tennessee, que aderiram aos confederados (as forças do Sul, contrárias à abolição da escravatura).
Mas a secessão durou pouco em Memphis: a cidade foi ocupada por forças da União logo no início do conflito, o que atraiu para lá um grande contingente de escravos que fugiam das fazendas da região do Mississipi.
Nesse período, a população negra de Memphis saltou de 3 mil pessoas para 20 mil. A tensão com a população branca chegou a provocar um conflito armado, em 1866.
Memphis foi uma das primeiras cidades do Sul do EUA a
garantir o funcionamento de escolas para as crianças negras |
Sob o regime de segregação, os trabalhadores negros não podiam participar de sindicatos, faziam as piores tarefas e recebiam uma parcela ínfima do salário pago a um branco na mesma ocupação.
Largamente majoritária, porém, a comunidade negra de Memphis teve organização para conquistar o direito ao voto, as primeiras escolas para pessoas negras e até um banco, além de impulsionar o comércio que deu fama à Beale Street — a legendária rua que sediou as primeiras casas noturnas voltadas para o Blues.
O Blues chegou a Memphis para ficar no início do Século 20, quando a população de origem africana da velha metrópole do algodão cresceu ainda mais. É que a cidade recebeu uma parte significativa dos grandes contingentes que migravam para o Norte industrializado, fugindo da violência racial e da decadência econômica do Delta do Mississipi.
O grande êxodo do Delta do Mississipi trouxe para Memphis um largo contingente de discípulos de Robert Johnson, o mitológico cantor e guitarrista de Blues, morto em 1938 (Robert Johnson no Hall da Fama do Blues, em Memphis) |
Memphis era um ponto de passagem, mas também o destino final daqueles que eram despossuídos demais para conseguirem pagar a viagem até Chicago ou Nova York.
A cidade permaneceu ferozmente segregada ao longo do Século 20. Por exemplo: apenas em 1973 estudantes negros e brancos puderam frequentar as mesmas salas de aula em Memphis — e 40 mil dos 70 mil alunos brancos deixaram as escolas públicas, quando o governo federal forçou a integração racial nas escolas.
O Museu Nacional dos Direitos Civis está instalado no antigo Lorraine Motel, palco do assassinato de Martin Luther King, em 4 de abril de 1968.
Um dos raros estabelecimentos de Memphis que hospedava pessoas negras, o Lorraine Motel foi aberto em 1945, na Mulberry Street, e rapidamente se consolidou como quartel general de músicos de passagem pela cidade para apresentações ou gravações.
A coroa de flores na sacada do antigo Lorraine Motel marca o
local onde King recebeu o tiro fatal |
O Sun Studio, celeiro do Blues e do Rock’n’Roll, e a Stax Records, templo da Soul Music, ficavam a curtas distâncias do Lorraine Motel. Gente como Aretha Franklin, Ray Charles e Wilson Pickett estava sempre por lá.
Da mesma forma, o motel era pouso frequente de militantes da NAACP (sigla em inglês para Associação Nacional para o Progresso de Pessoas de Cor, uma das mais tradicionais entidades de Direitos Civis dos EUA, fundada em 1909) e outras organizações antirracistas.
A visão do assassino: da janela do banheiro nos fundos de
uma pensão, um racista disparou o tiro que matou King. Este prédio agora também
integra o complexo do museu |
Ainda que o atirador tenha sido identificado e preso, ainda pairam dúvidas sobre quem conspirou para o assassinato de Martin Luther King |
Submetidos a condições de trabalho precaríssimas e muito mal pagos (entre US$ 1,60 e US$ 1,90 por hora, lembrando que US$ 1,60 por hora era o piso salarial dos EUA na época, o minimum wage), os empregados da limpeza urbana de Memphis entraram em greve após a morte de dois colegas, esmagados pelo caminhão de lixo que operavam.
Em uma categoria composta basicamente por homens negros, o movimento, obviamente, teve forte conexão com a luta contra o racismo e pelos Direitos Civis e conquistou apoios em todo o país.
Exposição relembra a greve dos trabalhadores da limpeza urbana de Memphis |
É, claro, uma afirmação de humanidade frente à coizificação que a escravatura pretendia impor.
Também é uma reação à forma racista usada no Sul dos EUA, ainda muitos anos após a Abolição, onde homens negros adultos eram tratados pejorativamente por “boy” (“menino”).
Na entrada do Legacy Building, o visitante percorre um túnel
com a linha do tempo do movimento pelos Direitos Civis |
Em 8 de abril, uma passeata com 42 mil pessoas, lideradas pela viúva de King, Coretta, atravessou a cidade, homenageando o líder assassinado e apoiando os grevistas.
Finalmente, em 16 de abril, a prefeitura e os trabalhadores da limpeza urbana de Memphis chegaram a um acordo e a greve foi encerrada.
Museu Nacional dos Direitos Civis
🕘 De quarta a segunda (fechado às terças), das 9h às 17h
💲US$ 16
Ainda que o percurso histórico apresentado ao visitante tenha um começo e um fim bem delimitados, suas exposições usam o registro histórico como estímulo a uma tomada de posição na direção das mudanças.
Lembrança da Marcha a Washington, em 1963 |
Sentadas no lobby do museu e acompanhadas por uma monitora da instituição, as crianças expunham suas opiniões e relatos sobre fatos vividos ou testemunhados, numa desenvoltura que muita gente grande não tem — fiquei com a maior vontade de sentar no meio deles e participar 😊.
Outro aspecto muito legal das atividades do Museu Nacional dos Direitos Civis são os programas educacionais voltados para a cidadania, como o de estímulo para que as pessoas se registrem para votar (o voto é facultativo, nos EUA) e discutam os temas mais candentes em cada processo eleitoral a partir da demanda de suas comunidades.
Em 1955, Rosa Parks decidiu disse "basta!": não ia ceder seu
assento no transporte a um homem branco. Sua prisão, em Montgomery, Alabama,
desencadeou o histórico boicote aos ônibus na cidade |
Além das antigas instalações do antigo Lorraine Motel, a estrutura do Museu Nacional dos Direitos Civis também abarca o chamado Legacy Building, predinho de tijolos na Main Street onde, em 1968, funcionava uma pensão.
O atirador (o jornalismo que me perdoe, mas eu não escrevo o nome desse tipo de gente na Fragata, não) hospedou-se lá para montar a tocaia contra King.
Ainda hoje persiste a controvérsia: teria ou não havida a participação de outras pessoas e organizações no crime?
O que ver no Lorraine Motel
Os Panteras Negras tiveram papel fundamental na luta pelos Direitos Civis. Entre seus integrantes estava a grande Angela Davis |
Vídeos, áudios e painéis explicativos contam a história da luta pelos Direitos Civis nos EUA |
No exterior, o Lorraine Motel mantém as feições que tinha em 1968. No interior, apesar da adaptação feita para a instalação do museu, o visitante ainda pode ver, através de uma vidraça, o quarto 306, onde King estava hospedado em 4 de abril de 1968.
O quarto ocupado por Martin Luther King |
O visitante passa pelo boicote aos ônibus em Montgomery (Alabama) de 1955/56, encontra os Viajantes da Liberdade, vê os primeiros passos da integração (fim da segregação) dos estabelecimentos públicos de ensino e os sit-ins (quando estudantes negros ocupavam mesas e balcões de lanchonetes e restaurantes exclusivos para brancos e tentavam ser servidos).
O que ver no Legacy Building
Uma galeria de fotos lembra os agraciados com o Prêmio
Liberdade, concedido pelo museu |
Eu sei que este post ficou enorme. Mas tudo o que eu queria era levar vocês pela mão na minha visita a esse museu simplesmente indispensável.
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Oi, Cyntia. Tudo bem? :)
ResponderExcluirSeu post foi selecionado para o #linkódromo, do Viaje na Viagem.
Dá uma olhada em http://www.viajenaviagem.com
Até mais,
Bóia – Natalie
Estive nessa cidade incrível por cinco dias em novembro de 2019.Você descreveu muito bem a história e o Museu dos Direitos Civis ,um local que nos faz repensar nossa condição de seres humanos.Além disso, Memphis é uma cidade linda e acolhedora.O museu do Rock também é maravilhoso e Graceland é um capítulo a parte....
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