Micenas, terra de gigantes

A Porta dos Leões era a entrada principal de Micenas, uma das cidades mais poderosas da Idade do Bronze

Atualizado em outubro de 2024

Conta a lenda que as muralhas de Micenas foram erguidas pelos Ciclopes. Quando me vi diante da imponência daquelas pedras, tão graciosamente justapostas, eu quase consegui enxergar os gigantes mitológicos em sua tarefa.

Três mil anos após seu apogeu, Micenas ainda traz a assinatura de seres colossais.

Foi numa manhã de setembro (minha primeira visita, em 2012), fazia um calor quase insuportável, mas não tinha a menor importância. Eu estava em Micenas, fundada por Perseu, o matador da Medusa.

Diz a lenda que a cidade de Micenas foi construída pelos gigantes Ciclopes

Micenas também foi a cidade de onde Héracles partiu para realizar seus 12 trabalhos — Neméia, onde o herói matou o leão, e Lerna, onde ele deu cabo da Hidra, ficam do ladinho e também são sítios arqueológicos abertos à visitação. 

Micenas de Agamenon, da Casa dos Átridas, que reinou sobre o Peloponeso e reuniu os povos helênicos para a perdição de Troia. Uma terra de gigantes épicos, pairando sobre o extenso vale até alcançar o mar.

A paisagem do Peloponeso vista do alto do Megaron de Micenas. Acima, em primeiro plano, tumbas reais próximas à Porta dos Leões

Micenas é um bate e volta confortável para quem está em Atenas ou em Nafplio. Um dos lugares mais emocionantes que eu vi na Grécia.

Veja como se organizar para visitar esse tesouro da Idade do Bronze:

Visita a Micenas, Grécia

As muralhas de Micenas, obra de ciclopes

Quando atravessei a Porta dos Leões e entrei em Micenas, eu tinha um nó na garganta. Eu estava na terra dos átridas, dinastia que saiu da história para a mitologia.

A Grécia tem dessas mágicas. Foi lá que encontrei maravilhas que são velhas amigas. Imagens e referências que me trouxeram pela mão ao longo da vida. Quando eu era criança, curtia muito mais ouvir uma "história da Grécia" do que um conto de fadas.

Pra mim, Micenas é feita da mesma essência da Ítaca de Kaváfis:

"Faz votos de que o caminho seja longo. 

Numerosas serão as manhãs de verão 

nas quais, com que prazer, com que alegria, 

tu hás de entrar pela primeira vez um porto" 

Ainda que chamado de "Porta dos Leões", o portal cerimonial de acesso a Micenas retrata duas leoas no entalhe, segundo os arqueólogos 

Para aquém do mito, a história e arqueologia nos contam que civilização micênica dominou o Peloponeso antes da ascensão de Esparta. Micenas foi essencial na construção do que viria a ser a "Grécia Clássica".

A região começou a ser povoada 2.500 anos antes de Cristo e viveu seu apogeu entre os séculos 1.600 a.C. e 1.100 a.C.

No alto da cidadela de Micenas ficavam o Megaron (Palácio Real) e os templos

A antiga cidadela de Micenas, no alto de uma montanha, era a sede do poderio militar sustentado pelas rotas comerciais que se estenderam até o Egito (a bordo das mesmas "negras naus" que desembarcaram em Troia).

Tudo isso controlado do alto da Acrópole onde ficava o Megaron, o Palácio Real e seu complexo de templos, povoado pela memória de Clitemnestra, Ifigênia, Orestes...

Os Átridas, a dinastia que celebrizou Micenas na mitologia e nas tragédias gregas,  podiam ser uma família pra lá de disfuncional, mas nos legaram enredos poderosos.

A melhor maneira de começar a visita à cidade é controlar a ansiedade e ver primeiro o Museu Arqueológico de Micenas, que funciona dentro do sítio.

É no Museu de Micenas que estão reunidos os vestígios do esplendor da civilização que floresceu na cidade. Utensílios, armas, mosaicos, afrescos e objetos decorativos estão dispostos de maneira bastante didática  (veja mais detalhes mais abaixo).

Reserve pelo menos uma hora e meia para fazer a lição de casa no museu (que é delicioso).

Depois, percorra sem sem pressa as ruínas de Micenas. Um conjunto de rampas pavimentadas de pedras vai levando o visitante até o topo da cidade fortificada até o Megaron, o ponto culminante, onde ficavam o Palácio Real e um conjunto de templos.

Não há uma árvore sequer, portanto, todo cuidado com o sol é pouco, nessa subida até o Megaron.

Não deixe de visitar a impressionante tumba real conhecida como o Tesouro de Atreu

O Tesouro de Atreu

Quando você estiver prestes a levitar com a beleza da paisagem do Peloponeso e a memória de Micenas, o mais espetacular acontece.

Saindo do sítio arqueológico e descendo cerca de um quilômetro na direção do povoado de Micenas está o Tesouro de Atreu.

Essa tumba monumental, destinada à realeza micênica, estava escondida pelo que parecia ser um morro coberto de vegetação rala, até ser escavada pelo arqueólogo alemão Heinrich Schliemann, o mesmo que em 1873 descobriu os vestígios de Troia (e fez uma lambança tão miserável na área arqueológica, no afã de achar tesouros, que até hoje os arqueólogos buscam formas de consertar). 

As joias e as máscaras funerárias em ouro encontradas na tumba, entre elas a famosa “Máscara de Agamenon", estão no Museu Nacional de Arqueologia de Atenas. No museu de Micenas estão expostas as réplicas desses objetos. 

A entrada do Tesouro de Atreu

Como chegar a Micenas

Micenas está a 120 km de Atenas, de onde partem ônibus em diversos horários, do Terminal A, ou estação Rodoviária de Kifissio (de onde partem os ônibus da capital para o Peloponeso). A viagem leva 1h40.

As passagens custam € 14. O destino final do ônibus é a vila de Fichti (também identificado com a plaquinha "Mikines", 5 km depois de Micenas), mas o busão passa pelo sítio arqueológico. 

De carro, siga a Rodovia Atenas-Tripoli, prestando atenção nas placas que indicam a saída para Argos (Άργος) e Nafplio (Ναύπλιο).

Na visita a Micenas, prepare-se para muitas subidas e pouca sombra

O melhor jeito de visitar Micenas, porém, é num bate e volta a partir de minha linda e querida Nafplio, que está a 30 km de distância do sítio arqueológico.

Nos meses de verão, há ônibus da KTEL direto para o sítio arqueológico. Em 2012, a passagem era muito baratinha (mas o site da KTEL Argolidas não está me deixando atualizar o preço). A viagem leva 45 minutos, com uma parada em Argos (aproveite para admirar o Castelo de Larissa, sobre a antiga Acrópole de Argos).

Segundo os arqueólogos, o Portão Norte era o único acesso à cidadela de Micenas, além da Porta dos Leões

A esta altura do post, você já percebeu que precisa levar um chapéu, óculos escuros e uma garrafinha de água quando for visitar o Sítio Arqueológico de Micenas, né? 😉

Museu Arqueológico de Micenas

O Museu Arqueológico de Micenas (no alto) fica dentro da área das ruínas. Suas exposições são um belo cartão de visitas do povo da primeira grande civilização da Idade do Bronze no que hoje chamamos de Europa Continental

Como já falei mais acima, recomendo muito que você visite o Museu Arqueológico de Micenas antes de percorrer as ruínas da cidade. Ele não é grande, mas é muito instrutivo. É um cartão de visitas pra a gente começar a descobrir o povo que viveu naquela cidade, à sombra das muralhas que parecem mesmo construídas por gigantes.

Inaugurado em 2003, o Museu de Micenas exibe peças encontradas nas muitas escavações feitas na cidade. Os objetos mais antigos podem ter até 5 mil anos de idade, enquanto os mais recentes já são do período da ocupação romana, no Século 2º da nossa era.

Figurinhas Phi, Psi e Tau são a marca registrada da arte micênica. Elas representariam deusas-pássaros, segundo estudiosos

Figuras encontradas em um santuário em Mecenas

Ânforas, vasos e outros utensílios de cerâmica escavados em diversas áreas da cidade de Micenas e em outros assentamentos micênicos. Repare que fofos os bois de terracota, em primeiro plano na imagem

Imagens de divindades micênicas. As cobras de terracota (à direita) fazem parte de um grupo de 15 exemplares encontrados em um templo escavado na cidade e são apontadas como muito raras  

A Civilização Micênica é famosa por seus vasos de cerâmica e pelo uso do ouro em peças de joalheria extremamente sofisticadas, que estão bem representados no acervo do museu.

Mas o traço mais marcante do engenho e arte dos micênicos são, provavelmente, as figurinhas votivas usadas em rituais religiosos, em túmulos, nos lares ou até como brinquedos para crianças.

Os micênicos adoravam decorar seus templos e palácios com afrescos. Acima, a Dama de Micenas, fragmento de um afresco encontrado no que se supõe ter sido a casa do sumo-sacerdote da cidade. Repare na coleção de joias e adornos 

Objetos cerimoniais escavados em Micenas

O desenho peculiar dessas peças — e o museu tem uma ela grande coleção delas — é facilmente reconhecível. São feitas em terracota e, geralmente, representam figuras femininas (seriam deusas-pássaros, segundo estudiosos). Elas são classificadas de acordo com o formato (Phi, Psi e Tau, pela semelhança de sua silhuetas com as letras gregas Φ, Ψ e T). 

Outro ponto alto da arte micênica eram os afrescos que decoravam palácios, templos e edifícios importantes nas cidades povoadas por esta civilização, possivelmente uma técnica e um gosto aprendido com a Civilização Minoica.

Réplica da Máscara de Agamenon, escavada no Tesouro de Atreu. A original, em ouro, está no Museu Nacional de Arqueologia de Atenas

Espadas e um peitoral de um guerreiro micênico

Se Micenas foi a primeira grande civilização da Europa Continental, Cnossos (na Ilha de Creta), foi o centro de poder  ainda mais antigo, da Civilização Minoica, posteriormente conquistada pelos micênicos. Estudiosos apontam as semelhanças estéticas entre os afrescos encontrados em Creta e em assentamentos micênicos.

O exemplo mais famoso de afresco micênico é a Dama de Micenas, um fragmento que foi encontrado no que possivelmente era o palácio do sumo-sacerdote da cidade e que acredita-se representar uma deusa. A peça original está no Museu Nacional de Arqueologia, em Atenas. No Museu Arqueológico de Micenas, uma réplica é exibida junto com objetos de toucador, joias e adornos femininos escavados na cidade.

Fiquei impressionada com a semelhanças desses vasos micênicos com peças da Civilização Inca, no Peru — apesar de uns 2 mil anos de distância e mais do que um oceano entre as duas culturas

O mais bacana do Museu Arqueológico de Micenas é nos permitir um breve passeio pela vida cotidiana e pelo imaginário dos habitantes da cidade. Dá pra perceber que os micênicos davam muita importância à preparação para a vida após a morte, pela qualidade e quantidade dos objetos encontrados nos túmulos escavados no sítio arqueológico. 

Micenas hoje

Tão poderosa no passado, Micenas é hoje um vilarejo no vale, com cerca de 500 habitantes. A povoação contemporânea fica a cerca de 3 km da antiga cidadela (aonde se chega subindo a montanha pela estrada asfaltada).

A vila de Micenas tem alguns hotéis pequenos, tocados por moradores, e restaurantes simples.

Pela distância do sítio arqueológico não conte com essa estrutura para um lanchinho ou para repor a provisão de água.

Do lado de fora das ruínas, onde param os ônibus, há um trailer que vende refrigerantes e sanduíches, mas previna-se levando um pequeno farnel.

Visite primeiro o museu e, depois, segure a emoção ao atravessar a Porta dos Leões

Visita ao Sítio Arqueológico de Micenas

Horários: o Sítio Arqueológico e o Museu de Micenas funcionam de novembro a março, das 8:30h às 15:30h. Pelo resto do ano, das 8h às 19h.

 Ingresso: a entrada em no Sítio Arqueológico de Micenas custa €12 e dá direito à visita ao Museu e ao Tesouro de Atreu. 

Se você pretende visitar mais monumentos históricos na Argólida, considere comprar o bilhete combinado dá acesso não só ao complexo arqueológico de Micenas, mas também à Fortaleza de Palamidi (em Nafplio), aos sítios arqueológicos de Tirinto e Asine, ao Museu Arqueológico de Nafplio e ao Museu Bizantino de Argos. Custa € 20.

O sítio arqueológico é bem sinalizado, com placas informativas em grego e inglês. Mas vale a pena ler um pouquinho sobre Micenas antes da visita, para enriquecer a experiência

Para ver o Tesouro de Atreu, uma tumba monumental (estrutura com cerca de 14 metros de altura e 13 metros de diâmetro), você terá que sair do sítio arqueológico e descer a estrada, na direção da vila, por cerca de 1,5 km.

Guarde as energias, pois terá que subir tudo outra vez para pegar o ônibus de volta, já que ele para na portaria do sítio arqueológico.

O esforço vale a pena. O Tesouro de Atreu é daqueles monumentos que chegam a dar frio na barriga, de tão espetaculares.

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