Caminho de Santiago - percurso de hoje: de Caldas de Reis a Padrón, 17 Km
Se eu tive alguma revelação ao longo do Caminho de Santiago, foi perceber o significado e a importância desta coisa básica chamada "lençol".
Depois de algumas noites passadas no saco de dormir estendido sobre os colchões dos beliches, acordei no hotel, em Caldas de Reis, cantando como um bem-te-vi. Uma caminha bem arrumadinha faz muita diferença.
Hoje, porém, recapitulando a jornada, tenho que admitir: a experiência nos albergues do Caminho de Santiago é uma experiência fundamental nessa jornada.
A simplicidade dos albergues e a convivência com outros os caminhantes é parte indissociável do Caminho. Ouvir as histórias e expectativas dos peregrinos após cada dia de jornada acabou sendo a experiência mais enriquecedora da viagem.
Sem o pernoite nos albergues, perde-se o "clima". O Caminho de Santiago corre o risco de virar apenas mais um trekking.
Ainda que a minha motivação para fazer o Caminho não fosse nada religiosa ou espiritual, foi essencial viver a rotina dos peregrinos.
Fico imaginando em que outra circunstância eu concordaria em dormir num quarto com mais de 40 desconhecidos, em beliches colocados lado a lado...
Mas, ao contrário de uma excursão de estudantes, esse amontoado não favorece o tumulto: é bem interessante notar a absoluta consideração pela privacidade alheia demonstrada pela vasta maioria dos peregrinos que fazem o Caminho de Santiago.
Por outro lado, não é um ambiente "carola" ou "beato". Fala-se muito pouco ou quase nada de religião.
Esse era o meu grande receio, antes de começar a jornada: ser "penetra" no ritual alheio.
Procuro sempre ser extremamente respeitosa com as diversas manifestações religiosas — tenho a maior dificuldade de fotografar qualquer tipo de templo, se houver fiéis presentes — e me recuso a tratar qualquer ritual como “atração turística”.
Mas também não aceito participar de celebrações religiosas só para "ser educada".
O ambiente entre os peregrinos, porém, acalmou minhas preocupações: ninguém jamais perguntou o que eu estava fazendo ali, ou qual o meu “grau de adesão religiosa” ou promoveu qualquer ritual público de oração ou pregação.
Caldas de Reis
A caminha macia do hotel em Caldas de Reis nos fez começar o dia mais tarde que o habitual. O sol já estava alto sobre a cidadezinha bonita quando pegamos a estrada para Padrón.
Caldas de Reis tem alguns monumentos medievais muito bem conservados, como a Ponte sobre o Rio Bermaña.
Achei especialmente interessante descobrir que a cidade tem uma igreja dedicada a São Tomás Becket, arcebispo de Canterbury no Século 12.
Becket foi assassinado "a pedido" do rei Henrique II Plantagenet, pai de meu herói Ricardo Coração de Leão. O futuro santo passou uma breve temporada em Caldas, no curso de uma peregrinação a Compostela.
Padrón
A caminhada de hoje vai nos levar a Padrón, a antiga Íria Flávia romana, local onde teria aportado a barca com o corpo do apóstolo Tiago Maior, trazido da Palestina após o martírio do santo.
O trajeto de Caldas de Reis a Padrón é muito bonito. Atravessando vinhedos e bosques de pinheiros, a gente quase não vê rodovia nesse trecho.
O percurso é geralmente plano, até pegarmos a descida até Pontecesures. Essa vila tem apenas 3 mil habitantes espalhados, principalmente, em pequenas propriedades rurais.
A ponte sobre o Rio Ulla avisa que chegamos a Padrón
Padrón fica na confluência do Rio Ulla com o Rio Sar e tem um centro histórico adorável.
Especialmente agradável é o Passeo del Espolon, à beira do Rio Sar, uma larga calçada cercada de árvores frondosas, com banquinhos para sentar e pensar na vida — não que uma peregrina precise de muito estímulo para ficar sentada, pois, a esta altura, meus pés estão gritando...
O Albergue de Peregrinos de Padrón está instalado num prédio antigo, ao lado do Convento do Carmo.
Pra variar, minhas paradas freqüentes me atrasaram um bocado. Quando cheguei ao albergue de Padrón, só restava um beliche trêmulo à minha espera.
Tentar subir na cama bamba era risco de vida, portanto, coloquei o colchão no chão — bem melhor, pois escolhi um espaço com menos “vizinhos”.
A outra conseqüência do atraso eu tirei menos de letra: tinha acabado a água quente.
É verão, é verdade, mas só choveu, desde que saímos de Caldas de Reis. Cheguei ensopada, com frio até os ossos e louca por um confortinho básico.
Mas que nada: tomei um banho gelado no albergue e mais outro, quando saí para ver a cidade, pois a chuva estava inclemente — vou repetir: como chove na Galícia, gente!!.
Em busca de um pouco de calor, sossego e notícias, refugiei-me num pequeno restaurante perto do Passeo del Espolon.
Com uma (algumas) taças de jeréz e um bom jornal galego para curar a abstinência de notícias, tive uma adorável tarde preguiçosa.
Apesar da postura discreta, nada invasiva, dos colegas de albergue, só aqui eu descobri o quanto estava precisando de um pouco de solidão — solidão “parada”, porque durante a caminhada eu estava quase que todo o tempo sozinha.
Só não tive ânimo para fotografar a cidade, pois a chuva caiu até o anoitecer.
À noite, eu e Dulce fomos jantar no restaurante indicado por Zé, missionário franciscano que está caminhando no mesmo ritmo que a gente e com quem fizemos amizade.
Ele e seu amigo João António acabaram nos acompanhando no jantar e conversamos até bem mais tarde que nosso horário habitual.
Uma deliciosa sopa galega e um lindo polvinho — devidamente acompanhados de algumas cuncas de vinho Ribeiro — encerraram a última noite da peregrinação. Amanhã, estaremos em Santiago.
➡️Sopa galega
É um prato simples e tradicional, feito de verduras (broto de nabo, de preferência), com batatas, banha de porco e carne.
A Sopa galega é servida bem quente, numa cunca. Acabou sendo mais eficaz que o jeréz para exterminar o frio que me acompanhou durante todo o dia.
➡️Cunca
É o recipiente tradicional onde se bebe vinho na Galícia. Geralmente de louça branca, parece uma cumbuca, com um pezinho de apoio.
Padrón, Galícia: última parada antes de Santiago de Compostela. O albergue de peregrinos da cidade fica bem ao lado do Convento do Carmo |
Se eu tive alguma revelação ao longo do Caminho de Santiago, foi perceber o significado e a importância desta coisa básica chamada "lençol".
Depois de algumas noites passadas no saco de dormir estendido sobre os colchões dos beliches, acordei no hotel, em Caldas de Reis, cantando como um bem-te-vi. Uma caminha bem arrumadinha faz muita diferença.
Hoje, porém, recapitulando a jornada, tenho que admitir: a experiência nos albergues do Caminho de Santiago é uma experiência fundamental nessa jornada.
A simplicidade dos albergues e a convivência com outros os caminhantes é parte indissociável do Caminho. Ouvir as histórias e expectativas dos peregrinos após cada dia de jornada acabou sendo a experiência mais enriquecedora da viagem.
Sem o pernoite nos albergues, perde-se o "clima". O Caminho de Santiago corre o risco de virar apenas mais um trekking.
Ainda que a minha motivação para fazer o Caminho não fosse nada religiosa ou espiritual, foi essencial viver a rotina dos peregrinos.
Albergue de Peregrinos de Padrón |
Mas, ao contrário de uma excursão de estudantes, esse amontoado não favorece o tumulto: é bem interessante notar a absoluta consideração pela privacidade alheia demonstrada pela vasta maioria dos peregrinos que fazem o Caminho de Santiago.
Por outro lado, não é um ambiente "carola" ou "beato". Fala-se muito pouco ou quase nada de religião.
Esse era o meu grande receio, antes de começar a jornada: ser "penetra" no ritual alheio.
Procuro sempre ser extremamente respeitosa com as diversas manifestações religiosas — tenho a maior dificuldade de fotografar qualquer tipo de templo, se houver fiéis presentes — e me recuso a tratar qualquer ritual como “atração turística”.
Mas também não aceito participar de celebrações religiosas só para "ser educada".
Uma casa galega no caminho para Padrón |
Caldas de Reis
A caminha macia do hotel em Caldas de Reis nos fez começar o dia mais tarde que o habitual. O sol já estava alto sobre a cidadezinha bonita quando pegamos a estrada para Padrón.
Caldas de Reis tem alguns monumentos medievais muito bem conservados, como a Ponte sobre o Rio Bermaña.
Achei especialmente interessante descobrir que a cidade tem uma igreja dedicada a São Tomás Becket, arcebispo de Canterbury no Século 12.
Becket foi assassinado "a pedido" do rei Henrique II Plantagenet, pai de meu herói Ricardo Coração de Leão. O futuro santo passou uma breve temporada em Caldas, no curso de uma peregrinação a Compostela.
A paisagem do caminho entre Caldas de Reis e Padrón |
A caminhada de hoje vai nos levar a Padrón, a antiga Íria Flávia romana, local onde teria aportado a barca com o corpo do apóstolo Tiago Maior, trazido da Palestina após o martírio do santo.
O trajeto de Caldas de Reis a Padrón é muito bonito. Atravessando vinhedos e bosques de pinheiros, a gente quase não vê rodovia nesse trecho.
O percurso é geralmente plano, até pegarmos a descida até Pontecesures. Essa vila tem apenas 3 mil habitantes espalhados, principalmente, em pequenas propriedades rurais.
A ponte sobre o Rio Ulla avisa que chegamos a Padrón
Paseo del Espolón, no Centro Histórico de Padrón |
Especialmente agradável é o Passeo del Espolon, à beira do Rio Sar, uma larga calçada cercada de árvores frondosas, com banquinhos para sentar e pensar na vida — não que uma peregrina precise de muito estímulo para ficar sentada, pois, a esta altura, meus pés estão gritando...
O Albergue de Peregrinos de Padrón está instalado num prédio antigo, ao lado do Convento do Carmo.
Pra variar, minhas paradas freqüentes me atrasaram um bocado. Quando cheguei ao albergue de Padrón, só restava um beliche trêmulo à minha espera.
Tentar subir na cama bamba era risco de vida, portanto, coloquei o colchão no chão — bem melhor, pois escolhi um espaço com menos “vizinhos”.
A única foto que eu fiz em Padrón saiu tremida |
É verão, é verdade, mas só choveu, desde que saímos de Caldas de Reis. Cheguei ensopada, com frio até os ossos e louca por um confortinho básico.
Mas que nada: tomei um banho gelado no albergue e mais outro, quando saí para ver a cidade, pois a chuva estava inclemente — vou repetir: como chove na Galícia, gente!!.
Em busca de um pouco de calor, sossego e notícias, refugiei-me num pequeno restaurante perto do Passeo del Espolon.
Com uma (algumas) taças de jeréz e um bom jornal galego para curar a abstinência de notícias, tive uma adorável tarde preguiçosa.
Apesar da postura discreta, nada invasiva, dos colegas de albergue, só aqui eu descobri o quanto estava precisando de um pouco de solidão — solidão “parada”, porque durante a caminhada eu estava quase que todo o tempo sozinha.
Só não tive ânimo para fotografar a cidade, pois a chuva caiu até o anoitecer.
Uma autêntica cunca galega, onde se bebe o tradicional vinho Ribeiro |
Ele e seu amigo João António acabaram nos acompanhando no jantar e conversamos até bem mais tarde que nosso horário habitual.
Uma deliciosa sopa galega e um lindo polvinho — devidamente acompanhados de algumas cuncas de vinho Ribeiro — encerraram a última noite da peregrinação. Amanhã, estaremos em Santiago.
➡️Sopa galega
É um prato simples e tradicional, feito de verduras (broto de nabo, de preferência), com batatas, banha de porco e carne.
A Sopa galega é servida bem quente, numa cunca. Acabou sendo mais eficaz que o jeréz para exterminar o frio que me acompanhou durante todo o dia.
➡️Cunca
É o recipiente tradicional onde se bebe vinho na Galícia. Geralmente de louça branca, parece uma cumbuca, com um pezinho de apoio.
O meu Caminho de Santiago
O início da aventura: Valença e Tui
A bela cidade de Tui e o começo oficial da caminhada
De Tui a O Porriño e as deliciosas surpresas do caminho
De O Porriño a Redondela e a generosidade dos galegos com os peregrinos
Redondela, Pontesampaio e um pouquinho da história da região
Pontevedra e dicas para enfrentar as bolhas e outros perrengues
Caldas de Reis e algumas impressões sobre os companheiros de viagem
A chegada a Santiago
Dicas gerais
As etapas
Caminho de Santiago - começando a jornadaO início da aventura: Valença e Tui
A bela cidade de Tui e o começo oficial da caminhada
De Tui a O Porriño e as deliciosas surpresas do caminho
De O Porriño a Redondela e a generosidade dos galegos com os peregrinos
Redondela, Pontesampaio e um pouquinho da história da região
Pontevedra e dicas para enfrentar as bolhas e outros perrengues
Caldas de Reis e algumas impressões sobre os companheiros de viagem
A chegada a Santiago
A Espanha na Fragata Surprise
Madri
Andaluzia: Cádis, Córdoba, Granada, Ronda e Sevilha
Castela e La Mancha: Toledo
Castela e Leão: SegóviaCatalunha: Barcelona, Girona e Tarragona
Comunidade Valenciana: Valência
Galícia: Santiago de Compostela, Caminho de Santiago e cidades da rota
A Europa na Fragata Surprise
Madri
Andaluzia: Cádis, Córdoba, Granada, Ronda e Sevilha
Castela e La Mancha: Toledo
Castela e Leão: SegóviaCatalunha: Barcelona, Girona e Tarragona
Comunidade Valenciana: Valência
Galícia: Santiago de Compostela, Caminho de Santiago e cidades da rota
A Europa na Fragata Surprise
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Menina, chocada com o tanto de viagens que tu fez!! Mais ainda, encantada com o capricho em fotografar e escrever os detalhes com riqueza. Me interessei muito pelo caminho português, pois como boa trabalhadora brasileira, não teria os 35 dias que o caminho francês requer, rs. Gostaria de saber quanto se gasta numa viagem dessas, estive em Portugal em 2015 e na época gastei bastante, até porque fui estudar e tudo era novidade. Pelo que pude ver, seria o valor das passagens, equipamentos para a caminhada (mochila, etc) e dinheiro para alimentação/ hospedagem, isso?
ResponderExcluirGabriela, você pode fazer o Caminho Francês ou qualquer outro, no tempo que quiser. Não é obrigada a começar do começo. Não precisa iniciar a caminhada em Saint Jean-Pie-de-Port. Pode ir, por exemplo, até Burgos e pegar a rota, a a León. A lógica do Caminho de Santiago é essa: é o caminhante que estabelece o tamanho de sua jornada.
ExcluirO mesmo acontece com o Caminho Português. Ele começa no Porto, mas eu parti de Valença, bem mais adiante.
Bom, sobre despesas: você vai precisar da passagem aérea, seguro viagem cobrindo todo o seu tempo de permanência, dinheiro para alojamento (uma reserva extra, para o caso de chegar a uma cidade e encontrar o albergue lotado, ou fechado), dinheiro para alimentação, para os deslocamentos internos (lembre que, no mínimo, vc terá que voltar de Santiago até o local onde vai pegar o voo para o Brasil).
Eu gastei muito pouco na minha jornada, coisa de 25 ou 30 euros por dia.
Se você fizer só o Caminho, tenderá a ser uma viagem muito mais barata do que uma convencional.
Corrigindo a digitação: "Não precisa iniciar a caminhada em Saint Jean-Pie-de-Port. Pode ir, por exemplo, até Burgos e pegar a rota, ou a León."
ExcluirUma dica para a Gabriela! Investir um pouco mais no equipamento acredito ser fundamental para o conforto do corpo e para enfrentar melhor a caminhada. Dois itens muito importantes: a mochila e as botas. Nestes itens economizar não é uma boa idéia. Na mochila, por exemplo, a Deuter Futura 30L. Nestas mochilas melhores o esforço para carregar o peso é muito menor. E as botas bem amaciadas antes.
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