As igrejas de Barcelona ajudam a contar a história da
cidade. No alto, um detalhe da fachada da Catedral. Acima, a rosácea de Santa
Maria del Pi |
Quase nada resta de testemunho sobre a vida dos primeiros moradores da cidade, povoada desde o Período Neolítico, ou de seus reais fundadores, os Laietanos.
Altar da Igreja de Sant Just i Pastor e as colunas da Basílica
de Santa Maria del Mar |
Mas Barcelona é pródiga em oferecer a um visitante as marcas vivas de seu passado a partir da presença dos romanos, os construtores da então Barcino.
As igrejas de Barcelona nos contam cerca de 1.000 anos de História da cidade.
Dos vestígios arqueológicos das basílicas paleocristãs, passando pelo culto a Sant Jaume — o Santiago da Reconquista — até modernidade acachapante da Sagrada Família de Gaudí, as igrejas de Barcelona são um deleite para quem gosta de história ou apenas curte ver coisas bonitas.
Se me perguntarem qual a minha favorita entre as igrejas de
Barcelona, não tenho dúvidas: é Santa Maria del Mar, pela beleza e pela
história |
A Igreja de Sant Miquel del Port, do Século 18, e a Sagrada
Família de Gaudí |
Experimente esse passeio por 1.000 anos de história de Barcelona:
Roteiro pelas Igrejas de Barcelona
Entrada pela Pla de la Seu, Bairro Gótico
O interior da Catedral de Barcelona é de deixar a gente
tonta, de tão bonito |
Domingos e feriados, a entrada é gratuita na igreja e claustro, das 8:30h às 13:45h. A visita turística é das 14h às 17h.
A Catedral de Barcelona é testemunha eloquente da pujança da
cidade durante a Idade Média |
O campanário e a agulha da Catedral são companhia frequente de quem caminha pelo Bairro Gótico de Barcelona |
O terreno ocupado pela Catedral de Barcelona é local de culto cristão desde o Século 6. O magnífico templo gótico que vemos hoje, porém, é um legado do Século 13, o mais próspero para a grande potência marítima que foi a cidade na época, governada pela Casa de Aragão.
Saiba mais sobre a Catedral de Barcelona: Barcelona - roteiro no Bairro Gótico
Carrer de Mallorca nº 401, Eixample. Metrô Sagrada Família (Linhas 2 e 5).
Ingresso: a partir de € 17
4,5 milhões de pessoas visitam a Sagrada Família, anualmente |
Nada menos do que 4,5 milhões de pessoas visitam a Basílica da Sagrada Família todos os anos, o que faz dela a atração mais concorrida de Barcelona, merecidamente — pra mim, devia haver uma lei assegurando a todos os integrantes da raça humana o direito de vê-la, ao menos uma vez na vida.
A Basílica da Sagrada Família, ainda em construção, conta a história do progresso industrial que impulsionou o alvorecer da Barcelona moderna, filha da Belle Époque.
Saiba mais sobre essa lindeza de Gaudí: Sagrada Família, a lagosta lisérgica
Leia também: Roteiro do Modernismo em Barcelona - o Passeig de Gràcia
Plaça de Santa Maria nº 1, La Ribera
Santa Maria del Mar, a catedral do povo de Barcelona |
🕒 Horário: de segunda a sábado, das 13h às 17h. Domingos, das 14h às 17h.
Ingresso: € 5. A visita guiada, com subida às torres e terraço, também é realizada das 13h às 17h e custa € 10.
Pra mim, Santa Maria del Mar explica a palavra celestial |
Ela foi construída no Século 14 para resolver uma questão que era mais social do que religiosa. Contam os historiadores que a nobreza catalã não via com bons olhos a presença de trabalhadores, artesãos e comerciantes nas missas da Catedral de Barcelona.
Santa Maria del Mar com o menino em seu altar e uma
embarcação a seus pés |
Algumas guildas foram particularmente ativas nessa empreitada. Os estivadores do movimentadíssimo porto da cidade eram responsáveis por carregar as pedras arrancadas de canteiras dos arredores, enquanto pedreiros, escultores e artesãos de todas as prendas urdiam o espetáculo que se tornaria a Basílica de Santa Maria del Mar.
A Igreja de Santa Maria del Mar foi projetada sem muitos
rebuscamentos. Além disso, ela perdeu boa parte de sua decoração interna em um
incêndio, em 1939 |
Os estivadores de Barcelona carregaram as pedras para a
construção da "Catedral do Povo" e são homenageados nas portas de sua
igreja |
Talvez você já conheça essa história, narrada na minissérie da Netflix A Catedral do Mar — tão chata quanto o livro que a inspirou, escrito por Ildefonso Falcones — mas não há superprodução que prepare alguém para ver a igreja mais bonita de Barcelona.
Alta, ampla, sustentada por colunas esguias, Santa Maria del Mar é um encanto em pedra nua, com adornos apenas localizados em altares laterais — e que parecem postos lá para destacar o sublime do espaço em branco, avesso ao rebuscamento.
A Fragata é uma embarcação ateia, mas é devota de Santa Maria del Mar.
Plaça del Pi nº 7, Bairro Gótico
A fachada e a rosácea da Igreja de Santa Maria del Pi |
🕒 Horário: diariamente, das 10h a 18h
Ingresso: € 4,50
Subida ao campanário: € 9
Integrante do quarteto de maravilhas góticas de Barcelona — ao lado da Catedral, de Santa Maria del Mar e de Sant Just — a Basílica de Santa Maria del Pi foi a primeira que eu visitei. E de um jeito muito especial.
Poucos dias após o Natal de 2007, na minha primeira visita a Barcelona, entrei pela primeira vez nessa bela igreja do Século 15 para vê-la no fulgor de sua iluminação e apinhada de gente, a plateia de um concerto de violões.
O altar da Igreja de Santa Maria del Pi é a prova de que não
são necessários muitos traços pra desenhar o esplendor |
Naquela época a hoje movimentada Plaça Sant Josep Oriol, no Bairro Gótico de Barcelona, era o coração de uma plácida comunidade de pescadores, que resistiu bravamente a um ataque mouro.
O órgão e um altar lateral da Igreja de Santa Maria del Pi, em Barcelona |
Nos fundos da igreja fica esse jardinzinho sossegado, com
vista para o campanário de Santa Maria del Pi, um mirante famoso |
Um cruzeiro de procissão e um altar dedicado à Virgem Maria |
Aninhado sob o campanário, nos fundos da igreja, o jardim de Santa Maria del Pi é ótimo para uma pausa após a visita.
O pequeno museu da Igreja de Santa Maria del Pi guarda
algumas preciosidades |
⭐Igreja de Sant Felip Néri
Plaça Sant Felip Neri nº 2, Bairro Gótico
Praça de Sant Felip Neri, um oásis na superpopulação
turística do Bairro Gótico |
Sua fachada altaneira e muito simples funciona como moldura para a praça sossegada — que eu acho especialmente bela.
As cicatrizes do bombardeio franquista ainda são bem
visíveis na fachada da igreja |
Uma arcada medieval (no alto) é um dos acessos à Praça Sant Felip Neri. Acima, a fachada simples e tocante da igreja |
Minha amiga Cristina Rosa, que escreve o blog Sol de Barcelona (um guia essencial pra quem visita a cidade), contou essa história triste em detalhes:
Carrer de Ferrán nº 28, Bairro Gótico
Sant Jaume, ou Santiago, cavalga serelepe na portada da
igreja onde é cultuado |
Sant Jaume é o nome catalão do santo mais venerado da Península Ibérica: São Tiago — Santiago — cujo nome foi convertido em grito de guerra da Reconquista Cristã.
Isso, porém, não impediu que sua igreja, apontada como a mais antiga de Barcelona, fosse posta abaixo, no início do Século 19.
Comparado com o que ocorreu em outras partes da Península Ibérica, o domínio mouro em Barcelona foi bastante curto, apenas 83 anos — foram quatro séculos na Andaluzia, por exemplo.
A cidade, ainda conhecida como Barcinona (forma visigoda derivada de Barcino, o nome que lhe deram os romanos), rendeu-se às tropas do mouro Alhor ibne Abdal Ramane Altacafi, governador de Al-Andaluz, no ano de 717, dando início à era de Medina Barshaluna.
Sob domínio mouro, Barcelona/Medina Barshaluna viveu a liberdade política e religiosa, seus condes continuaram a despachar no palácio e seus bispos permaneceram vivos e distribuindo bênçãos. A catedral, porém, foi convertida em mesquita.
No ano de 801, Luís, o Piedoso, filho de Carlos Magno, conquistou a cidade e a submeteu ao Reino dos Francos.
No começo do Século 20, o tradicional culto a Santiago foi desalojado de sua sede original, ao lado da Casa de la Ciutat (sede histórica da prefeitura de Barcelona).
O santo da Reconquista mudou-se com armas e bagagens para a antiga Igreja da Trindade, do Século 14 — que, por sua vez, foi construída sobre a Sinagoga Menor de Barcelona, destruída em 1391.
A Igreja de Sant Jaume original foi demolida e seu culto
transferido para a Igreja da Trindade |
Por sua localização estratégica — em uma das principais ruas do Bairro Gótico — você com certeza vai passar pela porta da Igreja de Sant Jaume.
No vai e vem da Carrer de Ferrán, tente não passar batida por sua bonita fachada, que ainda preserva a portada gótica esculpida no Século 14.
No entalhe sobre a porta, lá está Santiago, serelepe em seu cavalo, como foi consagrado na “mitologia” da Reconquista: o ginete guerreiro que acudia as tropas cristãs nos embates com os mouros.
Essa imagem do santo é um acréscimo do Século 19, mas combina muito bem com o restante da fachada.
O interior da igreja não é o mais vistoso que você encontrará em Barcelona, mas vale a pena entrar uns minutinhos para ver a decoração, basicamente do Século 19.
⭐Capela de Santa Ágata
Plaça del Rei, s/n, no interior do Palau Reial/Museu de História de Barcelona (MUHBA)
Capela de Santa Ágata: feita para os reis que eram condes |
Para ver a capela, visite o MUHBA (maravilhoso). O horário é de terça a sábado, das 10h às 19h, e aos domingos, das 10h às 20h.
Ingresso (válido para todos os 15 espaços do complexo MUHBA): € 7.
A Capela de Santa Ágata agora é uma das atrações do Museu
Histórico de Barcelona, instalado no antigo Palácio Real |
A partir do Século 12, uma união dinástica entre o conde de Barcelona e a filha do rei de Aragão resultou na ascensão de Afonso II, filho do casal, à Coroa de Aragão. Daí que Barcelona, a cidade que não tinha reis, passou a ver seus condes governantes acumularem o o título de condes com o de reis de Aragão.
Na cidade, porém, os reis não usavam coroa, como determinou o Concell de Cent (Parlamento de Barcelona), no Século 13: lá eles permaneciam condes.
A autonomia do Condado de Barcelona foi mantida até 1714, quando as forças ligadas aos Habsburgos perderam a Guerra de Sucessão Espanhola para os Borbón, dinastia que ainda ocupa o trono da Espanha.
Igreja de Belém: com certeza, você vai passar por ela |
⭐Igreja da Virgem de Belém
Horário: de segunda a sexta, das 8:30h a 13:45h e das 17h às 20:45h. Sábados e domingos, das 10h às 13:45h e das 17h às 20:45h
Entrada gratuita.
Cercada pela muvuca das Ramblas, a Església de la Mare de Déu de Betlem é uma resistente, o último templo religioso ainda em funcionamento em uma área que já foi território de igrejas e conventos, mas agora é a epítome da farra em Barcelona.
Quando isso acontecer, preste atenção aos entalhes almofadados talhados nas pedras da fachada da igreja, um primor decorativo, e ao belo portal barroco de sua entrada principal.
Na muvuca das Ramblas, a Igreja de Belém é uma resistente |
Ela é a principal testemunha — e sobrevivente — das grandes transformações ocorridas em Barcelona a partir da década de 30 do século 19, quando o desejo de ares menos absolutistas levaram a revoltas populares, queima de igrejas e, finalmente, ao confisco das propriedades da Igreja Católica na cidade.
Plaça Sant Just nº 6, Bairro Gótico
Horário: de segunda a sábado, das 11h às 14h e das 17h às 20h. Domingos, das 10h às 13h.
Entrada gratuita.
Sant Just não é muito famosa, mas é deslumbrante |
A Igreja de Sant Just é daquelas belezas que Barcelona coloca no caminho da gente sem avisar — e é por coisas assim que é tão bom zanzar sem mapa pelo Bairro Gótico.
Como sói acontecer com belezas góticas, as feições externas dessa igreja não entregam o requinte decorativo de seu interior.
Tanto que em duas visitas anteriores à cidade eu perdi a conta das vezes que passei direto pela fachada quase sisuda da Igreja de Sant Just.
O culto aos mártires Justo e Pastor em Barcelona remonta ao
Século 9. A igreja atual é do Século 14 |
Altares laterais e o coro da Igreja de Sant Just e Pastor,
no Bairro Gótico |
Os mártires Justo e Pastor, a quem a igreja está dedicada, foram dois jovens cristãos decapitados por ordem do governador romano da Hispania, no Século 4, na cidade que posteriormente seria conhecida como Alcalá de Henares, berço de Miguel de Cervantes.
Não se sabe ao certo quando foi construído o templo primitivo, mas há referências documentais à Basílica dos Santos Mártires Justo e Pastor de Barcelona (seu nome oficial) que remontam ao Século 9.
A construção atual é do Século 14 e a fachada ganhou uma reforma neogótica no Século 19.
Antes disso, durante a ocupação moura de Barcelona (de 717 a 801) a igreja original de Sant Just cumpriu a função de catedral cristã na cidade, já que a Catedral titular foi convertida em mesquita.
Os vitrais de Sant Just dão um lindo toque ao interior da
igreja |
O que mais me encantou na Igreja de Sant Just foi a forma como a luz, filtrada pelos vitrais do Século 16, se derramava sobre seu belo altar-mor, esculpido no Século 19, em mármore trazido de Tarragona, e sobre as seis capelas laterais.
⭐Basílica de la Mercè
Carrer de la Mercè nº 1, Bairro Gótico
É em torno da Igreja de La Mercé que se realiza a maior
festa popular de Barcelona |
Nossa Senhora das Mercês é a padroeira da Diocese de Barcelona — Santa Eulália, venerada na Catedral, é a padroeira da cidade. Sua igreja, no Bairro Gótico, foi construída no Século 18, em estilo barroco, sobre um velho templo do Século 13.
Ela chama a atenção de longe, pela grande imagem da Virgem Maria que se alça sobre sua cúpula — em 2011, fiquei hospedada do ladinho de La Mercè e era essa imagem, iluminada por refletores, que me orientava na volta para o hotel, à noite.
Em 2011, fui vizinha de La Mercè. À direita, a
Porta de San Miquel, trazida da igreja medieval dedicada ao santo e demolida em
1869 |
A Festa de la Mercè tem de tudo: desfiles com bonecos gigantes, música, a dança típica da Sardana, reunião de castellers (as pirâmides humanas que são uma logomarca da Catalunha) e muito mais.
A origem da festa é medieval, uma jornada religiosa para combater uma praga de gafanhotos que devastou as plantações em torno de Barcelona.
De lá para cá, a celebração de La Mercè só cresce e calcula-se que reúna hoje dois milhões de pessoas, movimentando toda a vida da cidade com centenas de eventos culturais.
Agora em 2019, cheguei a Barcelona no dia seguinte ao encerramento da festa e morri de pena. Está na minha lista para a próxima visita.
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