Toscana - bate e volta a Lucca partindo de Florença

O passeio bate e volta a Lucca é fácil e é lindo. Acima, o cair da tarde de inverno sobre as muralhas da cidade. Abaixo, o comecinho do movimento da happy hour na Piazza dell'Anfiteatro 

Poucas escapadas em uma viagem ficam tão redondinhas quanto o bate a volta a Lucca, partindo de Florença. Tudo se encaixa: a curta distância entre as cidades, a facilidade de transporte, o preço da passagem de trem...

Mas não faça o bate e volta só pela praticidade. Lucca é uma das cidades mais lindas da Toscana, um tesouro cercado por muralhas renascentistas perfeitamente preservadas—e transformadas em um dos parques mais agradáveis que já visitei.

Dentro das muralhas, Lucca é plana e perfeita para ser explorada a pé ou de bicicleta

Dentro das muralhas, Lucca tem um Centro Histórico que é um verdadeiro mosaico das expressões artísticas. Quer vestígios romanos? Lucca tem — como a curiosa Piazza dell’Anfiteatro.

As igrejas vão do românico ao renascentista sem fazer cerimônias e estão cheinhas de obras de arte dos grandes mestres. Um deleite para os olhos.

A Catedral de Lucca é apenas uma das belíssimas igrejas da cidade

Com origens etruscas, Lucca foi colônia romana e importante cidade-estado (a República de Lucca) medieval, enriquecida pelo comércio da seda, por mais de 600 anos.

O lindo conjunto arquitetônico que está aconchegado entre suas muralhas foi herdado dessa prosperidade.

Guarde o mapa e procure a "sua" Lucca

Mas Lucca não é só um grande museu. Ela tem também aquela característica de beleza pé no chão que se esparrama por ruas pacatas, com o inequívoco ar de lugar onde mora gente.

O melhor a fazer por lá é descobrir a sua própria Lucca, o que só acontece quando guardamos o mapa e deixamos a cidade nos levar pela mão, traçando nosso caminho no aceno de um campanário que surge sobre os telhados ou do desenho de uma janela que se esgueira do fundo de uma ruela pela qual passamos distraídas.

Uma simpática feirinha de livros no Centro Histórico de Lucca e a Igreja gótica de San Pietro Somaldi, do Século 12

Veja minhas dicas para organizar um bate e volta a Lucca e o que colocar em seu roteiro nessa cidade deslumbrante da Toscana:

Bate e volta a Lucca

A muralha de Lucca tem 4 km de fortificações muito bem preservadas

⭐A muralha de Lucca
Quatro quilômetros de muralhas, perfeitamente preservados, cercam completamente o Centro Histórico de Lucca, um cinturão defensivo que garantiu a altivez e a independência da República de Lucca frente às investidas expansionistas de outras potências da Península Itálica.

Embora a muralha de Lucca tenha origem ainda na época dos romanos, as fortificações que vemos hoje, sua construção foi iniciada no comecinho do Século 16 e concluída em meados do Século 17.

O topo da muralha de Lucca foi convertido em um parque linear muito bonito e agradável

Seja pela sua intimidadora imponência, seja por desinteresse dos adversários, o fato é que esse cinturão defensivo jamais foi posto a prova por um ataque militar. 

Quem chega de trem a Lucca ainda pode ter uma ideia do recado dado pelas muralhas da cidade aos candidatos a conquistadores. Basta sair da estação ferroviária para dar de cara com elas, espetaculares, protegendo tesouros históricos e arquitetônicos, alguns quase milenares.

Sem a função defensiva de antigamente, as cidade bem que poderia ter colocado abaixo suas fortificações, como aconteceu com tantas outras.

Mas, ainda no Século 19, Lucca preferiu transformar suas muralhas em um adorável parque linear e muito arborizado.

É possível dar a volta completa em torno do Centro Histórico de Lucca caminhando sobre a muralha

É possível dar a volta completa no Centro Histórico de Lucca caminhando 4 km pelo topo da muralha, à sombra de árvores frondosas. Ainda estão lá os 11 bastiões defensivos — geralmente aproveitados como espaços de lazer — e três portas de acesso à cidade.

A muralha de Lucca é aproveitada por moradores e visitantes para caminhadas, atividades esportivas ou para a mera contemplação — ver o cair de uma tarde de inverno com aquela luz da Toscana sentada em um banquinho foi um dos grandes espetáculos que já assisti na vida.

A A Porta de San Pietro, do Século 16, é uma das entradas da muralha de Lucca 

No interior do cinturão amuralhado de Lucca, no nível da rua, ainda é possível encontrar trechos do antigo fosso, com água corrente e tudo (procure a Via del Fosso, que começa junto às muralhas, na altura do Museu do Horto Botânico).

E se você achar estranho um fosso na parte de dentro das muralhas (eu também achei) saiba que essa barreira aquática foi projetada assim mesmo, como uma segunda linha de defesa, aproveitando a água canalizada a partir do Rio Serchio que abastece a cidade.

O Duomo de San Martino, do Século 11

⭐A Catedral de Lucca - Duomo de San Martino
🏠 Piazza Antelminelli

🕒 Horário de inverno (novembro a março): de segunda a sexta, das 9:30h às 17h. Sábados, das 9:30h às 19h. Domingos, das 12h às 18h. Horário de verão (15 de março a outubro): de segunda a sábado das 9h às 19h. Domingos, das 9:h às 10h e das 12h às 19h.
💲 Entrada: € 3 (e mais € 3 para subir o campanário)

Para quem desce do trem e atravessa a Muralha de Lucca na altura do Baluarte de San Colombano – o acesso ao Centro Histórico mais próximo da Estação Ferroviária — a Catedral de San Martino está logo em frente.

Os belos entalhes em mármore no pórtico de acesso são um dos pontos altos da catedral

Para quem desce do trem e atravessa a Muralha de Lucca na altura do Baluarte de San Colombano – o acesso ao Centro Histórico mais próximo da Estação Ferroviária — a Catedral de San Martino está logo em frente.

É um belíssimo edifício do Século 11, construído originalmente em estilo românico (bem visível ainda no campanário) e que foi ganhando elementos góticos em sucessivas reformas.

A Catedral de Lucca é uma visita imperdível. Antes de entrar, preste atenção nos detalhes da intrincada decoração que recobre sua fachada e no elegantíssimo pórtico de entrada.

A decoração da Catedral de Lucca é belíssima

No interior da Catedral, a nave central, com mais de 30 metros de altura, está decorada com lindos afrescos. O altar-mor é feito de mármores de diversas cores.

Alguns altares laterais do Duomo de San Martino estão adornados por telas de grandes mestres da pintura, como a Madona com o Menino e Santos, de Ghirlandaio, e uma Última Ceia, de Tintoretto. 

Uma coisa que achei bem legal na Catedral de Lucca é o folder explicativo distribuído aos visitantes, que serve como guia pelas principais atrações do edifício.

Preste atenção às pinturas nos altares, ao mosaico do piso e aos afrescos do teto

O material é bem didático e me ajudou muito a compreender os tesouros abrigados no Duomo de San Martino. O folheto é gratuito e entregue quando a gente compra o ingresso. Não esqueça de pegar o seu, porque as explicações enriquecem muito a visita.

Se não fosse esse folheto, um aspecto interessantíssimo da Catedral de Lucca me teria passado batido. Um dos pilares do pórtico de entrada do Duomo (à direita de quem entra, na base do campanário) tem gravada a imagem de um labirinto, com uma inscrição alusiva a Teseu — que decifrou o Labirinto de Creta e venceu o Minotauro.

Acredita-se que essa imagem tenha relação com gravações que adornam a Catedral de Chartres, na França, que seriam marcas/código feitas pela Ordem dos Templários, proscrita no Século 14.

O Arcanjo Miguel, no topo da fachada da Igreja de San Michele (à direita) parece tomar conta do antigo Fórum Romano

⭐ Igreja de San Michele in Foro

🏠 (São Miguel no Fórum) Piazza San Michele

🕒 Das 07:40h às 12h e das 15h às 17:30h. 
💲Entrada gratuita

Outra maravilha de Lucca, a Igreja de San Michele in Foro ocupa o centro do antigo Fórum Romano (daí o nome), o centro nervoso das cidades da Antiguidade sob domínio latino.

Ao longo dos séculos, o antigo Fórum de Lucca conservou a importância política e econômica daqueles tempos, reunindo os edifícios que serviam de sede aos diversos poderes da cidade.

A Igreja de San Michele era a representante do poder religioso em uma praça que também abrigava a sede do Consiglio Maggiore, o parlamento local.

O interior da Igreja de San Michele in Foro

San Michele in Foro nasceu românica, lá nos confins do Século 8. Mas aquela fachada maravilhosa em pedra branca, coberta de entalhes, começou a tomar forma no Século 11, quando a prosperidade de Lucca passou a permitir esses luxos.

A igreja passou por muitas intervenções ao longo do tempo. Em sua fisionomia predominam o gótico e o românico, mas a igreja é um pequeno compêndio sobre os estilos arquitetônicos e das artes decorativas religiosas da Toscana. Uma aula de História da Arte, para quem curte o assunto.

Na coleção de tesouros artísticos de San Michele, não faltam também as obras de grandes mestres, como a Madona com o Menino, cerâmica esmaltada (técnica bem frequente na Toscana), de Luca della Robbia, e a tela Quatro Santos, de Filippino Lippi.

A Piazza San Michele concentra edifícios imponentes, mantendo a tradição herdada do Fórum Romano

Em destaque na fachada de San Michele, pairando sobre a igreja e a praça, está a imagem do “dono da casa”, o Arcanjo Miguel matando um dragão com sua lança.

Segundo me contou uma senhorinha que ajuda a cuidar do templo, a estátua do Arcanjo traz no dedo um anel com um diamante enorme.

À noite, dependendo do ângulo da lua e da posição que se ocupe na praça, seria possível ver a luz que atravessa a pedra preciosa. Depois ela piscou o olho e disse que essa é só uma lenda de Lucca. Mas deu vontade de passar a noite na cidade pra conferir 😉.

Na Toscana, só San Frediano, em Lucca e San Miniato, em Florença, têm um mosaico em estilo bizantino como decoração na fachada

⭐Basílica de São Frediano
🏠 Piazza San Frediano
🕒 Diariamente, das 9h às 18h
💲 Entrada: € 3.

A belíssima Igreja de San Frediano chama a atenção de longe pelo mosaico do Século 13 que adorna o topo de sua fachada.

A Igreja de San Frediano tem origem no Século 6, mas o belo mosaico de sua fachada é do Século 13

Uma das mais antigas igrejas de Lucca, San Frediano é um autêntico templo gótico à moda da Toscana. O mosaico em sua fachada, porém, tem um pezinho na tradição bizantina que marcou a arte religiosa da região da Romanha — como em Ravena.

Entre as igrejas toscanas, essa decoração em mosaico só está presente em San Frediano, em Lucca, e em San Miniato al Monte (Florença). A obra, porém sofreu algumas alterações: o mosaico original tinha uma imagem da Virgem Maria, mas esta foi “deletada” pela abertura de uma janela na fachada.

Os interior da Basílica de San Frediano com destaque para o órgão

Minha contemplação da Basílica de San Frediano foi ainda maior interessante porque, além de receber um folheto explicativo junto com o ingresso, ainda ganhei a companhia do jovem noviço que estava na bilheteria e me guiou por boa parte da visita, chamando a atenção para muitos detalhes que passariam despercebidos — depois vocês não entendem porque eu gosto de viajar no inverno: se a igreja estivesse lotada, isso jamais teria acontecido.

As colunas de San Frediano ainda conservam antigos afrescos, assim como os altares laterais. Abaixo, a famosa pia batismal

O interior de San Frediano é um autêntico museu. Suas capelas laterais são lindíssimas, decorads com afrescos e cheias de obras de arte, com destaque para as cerâmicas policromadas, bem típicas da Toscana. Uma delas é uma Anunciação feita pela oficina de Luca della Robbia.

Também chamam a atenção as colunas ornadas com afrescos. Outra grande estrela é uma pia batismal, do Século 12.

⭐As torres de Lucca
Na Toscana, a “Cidade das Torres” é San Gimignano, com suas 14 estruturas remanescentes do período medieval, época em que teve cerca de 70 delas. O que dizer, então, de Lucca, que chegou a ter mais de 250 torres?

Erguidas entre os séculos 11 e 14, as torres de Lucca tinham principalmente funções defensivas — como observatório e também como alojamento longe dos ataques — mas por toda a Toscana elas também eram símbolo de poder econômico e militar das famílias que as construíam.

Pelo menos duas dessas torres ainda podem ser visitadas em Lucca, oferecendo vistas maravilhosas da cidade e da região — mas eu não estava para subidas nesta viagem e ficarei devendo essas imagens 😏.

A Torre Guinigi e seu "jardim suspenso"

⭐ Torre Guinigi
🏠 Via Sant'Andrea 45

🕒 Visitação diária, a partir das 9:30h. Última subida às 16:30h (janeiro, fevereiro, novembro e dezembro), 17:30h (março e outubro), 18:30h (abril e maio) e 19:30h (junho a setembro). 
💲 Ingresso: € 4.

A Torre Guinigi é a mais famosa de Lucca — bastava ver o tamanho da fila de gente que aguardava a vez e fazer a subida — com 45 metros de altura e frondosas copas de árvores (!!) no seu terraço de observação, lá no topo. c

Foi construída no Século 14 pela Família Guinigi, que governou à cidade, e ficava anexo ao palazzo do clã. Se você se animar a subir, saiba que são 225 degraus até o topo.

⭐Torre delle Ore
🏠 Via Fillungo, esquina com a Via dell'Arancio
🕒 Visitas de março a outubro, a partir das 9:30. O horário da última subida às 17:30h (março e outubro), 18:30h (abril e maio) e 19:30h (junho a setembro). 
💲 Entrada: € 4. 

A Torre dele Ore é do Século 13 e foi dominada por diversas famílias por cerca de 200 anos, até ser comprada pela cidade para se torre do relógio local.

O mecanismo do relógio que está atualmente lá no alto é do Século 18. A estrutura tem 50 metros de altura.

Apenas quatro arcos dão acesso à Piazza dell'Anfiteatro

⭐ Piazza dell'Anfiteatro
Essa é uma das praças mais interessantes que já vi. Sua origem é o antigo anfiteatro romano de Lucca, construído no Século 2 d.C.

Ao longo dos séculos, o anfiteatro foi ganhando novas funções na vida da cidade — de paiol de pólvora a cadeia —, enquanto as construções iam se empilhando em seu interior sem que alterassem sem formato elíptico, tanto interna quando externamente.

Em vez das arquibancadas do antigo anfiteatro, hoje a praça tem uma profusão de janelas

Mesmo muito alterado, ainda é possível reconhecer o traçado do anfiteatro romano

Quem olha de fora da Piazza dell'Anfiteatro consegue reconhecer perfeitamente a estrutura romana, apesar dos acréscimos construtivos. Já seu interior é uma praça fervilhante de janelas dos edifícios que a cerca. O centro da praça já abrigou um movimentado mercado.

Grande parte das construções da Piazza dell’Anfiteatro, hoje, está ocupada por lojas, bares, restaurantes, com mesas ao ar livre mesmo no frio de janeiro.

A Piazza dell'Anfiteatro é um bom lugar para encerrar a visita a Lucca, bebericando uma taça de vinho.

O passeio ainda deu direito a provar um ensopado caseiríssimo e muito gostoso

Onde comer em Lucca

⭐Osteria dello Stellario
Piazza S.Francesco, 44

Eu não queria um almoço muito longo, para ter mais tempo para explorar Lucca. Ao acaso, escolhi este restaurante caseirinho, aos pés da Colonna della Madonna dello Stellario, uma imagem da Virgem Maria posta sobre uma coluna, que se vê de longe. 

Pedi o spezzatino (ensopado), que era o prato do dia e estava bem saboroso. Gastei menos de € 10 com o prato e a taça de vinho, almocinho despretensioso e agradável.

O almoço foi só o prólogo de uma esbórnia de biscoitos típicos toscanos. Mas acho que este excesso de tentações devia ser proibido 😉

⭐Vecchi Sapori di Lucca
Piazza San Frediano

Se o almoço foi simplesinho, a sobremesa foi uma orgia. De cara para a Basílica de San Frediano, essa lojinha de especialidades luchesi (o gentílico da cidade) e toscanas devia ser proibida, de tão tentadora.

No alto: o panforte é uma celebridade na Toscana. À direita: ossi di morto e brutti ma bonni (feio e gostoso). Os nomes são ótimos

Eu me acabei nos cantuccini al limoncello (cantucci são biscoitos de amêndoas, bem duros, típicos da Toscana), nas lingue di suocera (literalmente, "línguas de sogra", a versão local da tuille, biscoito feito de amêndoas e claras), ossi di morto ("ossos de morto", mais um biscoito feito de ovos e farinha).

Comprei alguns pacotinhos de doces e biscoitos pra trazer de presente, mas sinto dizer que minha generosidade é menor que a minha gula e eu comi quase tudo ao longo da viagem 😁.

A Estação Ferroviária de Lucca, quase em frente à muralha

Bate e volta a Lucca - dicas práticas

Como chegar a Lucca
Lucca está a 80 km de Florença. De carro, pela rota mais rápida (via Prato e Pistoia), é uma viagem de 60 minutos.

➡️ De Florença a Lucca de trem - partindo da Estação Santa Maria Novella, em Florença, a viagem dura 1h20.

O preço do bilhete varia de acordo com os horários da viagem e da antecedência da compra, mas calcule gastar a partir de € 7,50 para cada trecho.

A empresa que cobre o trecho Florença-Lucca é a Trenitalia. São muitas partidas diárias, pra você não ter desculpa 😊.

Saindo da estação, apenas 200 metros separam você do Baluarte de San Colombano, onde há uma passagem através da muralha (abaixo)

Transporte em Lucca
Em Lucca, dá pra fazer tudo a pé, até porque o movimento de automóveis no interior das muralhas é bem restrito. O transporte público (micro-ônibus) circula nessa área, mas nem se dê ao trabalho 😊.

Se você fizer uma pesquisa rápida na internet, vai saber que a cidade de Lucca tem 185 km². O Centro Histórico da cidade, porém, é bem menor que isso: considerando a maior distância, basta caminhar pouco mais de 1,5 km para atravessar a área amuralhada, de uma ponta à outra.

➡️Da Estação Ferroviária ao Centro Histórico, são 200 metros até a entrada da muralha.

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