Grafite próximo à Universidade de Coimbra em 2012, uma paródia amarga da canção símbolo da democracia portuguesa. Na época, o país atravessava uma grave crise econômica decorrente das políticas de arrocho impostas aos portugueses |
Atualizado em fevereiro de 2020
Nas minhas últimas férias na Europa — um roteiro por Barcelona, Valência e Malta —, encontrei a capital catalã em plena ebulição.
Barcelona aguardava com ansiedade a divulgação a sentença da Suprema Corte espanhola para o nove líderes independentistas catalães. Por toda parte havia cartazes, pichações, bandeiras da Catalunha e fitas amarelas, símbolo do movimento pela libertação dos presos.
"Liberdade para os presos políticos", cobravam as faixas e cartazes espalhados por Barcelona, em setembro de 2019 |
Dois dias após eu embarcar para o Brasil saiu o veredito — condenações a penas que iam dos nove aos 13 anos de prisão — e a Catalunha explodiu em protestos que reuniam centenas de milhares de pessoas, paralisavam os transportes públicos e fechavam aeroportos.
Algumas pessoas comentaram sobre a minha sorte por eu ter viajado antes desses eventos. Eu, como jornalista e como cidadã, teria feito questão de assistir de perto esse fragmento da História.
Crises políticas e manifestações de protesto fazem parte da vida real. Em geral, atestam muito mais a saúde política de uma sociedade do que sua degeneração. Eu cresci em um Brasil onde a mera reunião de algumas pessoas podia resultar em prisões — às vezes, em tortura e morte. Não quero voltar a esse país.
Passeata da Greve Geral pelo Clima no Passeig de Gràcia, em Barcelona, em setembro de 2019 |
Se durante uma viagem você topar com esse tipo de situação, tem duas opções: afastar-se e continuar sua programação turística ou, caso simpatize com a causa, aderir à manifestação. Não há motivo para pânico nem alarme.
Tome os cuidados ditados pelo bom senso e aproveite a oportunidade de ver ao vivo a vida real do lugar que está visitando. Veja como:
Convocação para uma consulta popular sobre a independência da Catalunha, em 2011 |
Como lidar com manifestações e crises políticas durante uma viagem
Jamais vou conseguir entender gente que atravessa metade do planeta para contemplar o próprio umbigo. É aquele tipo de viajante que tem um orgasmo quando descobre "um bar em Paris que faz uma caipirinha espetacular", ou que parece ter ganhado na loteria ao encontrar um restaurante da Rua 46, em Nova York, que serve feijoada.
Piquete grevista — e debaixo de chuva — dos trabalhadores do Parador de Los Reyes Católicos, a hospedaria mais famosa de Santiago de Compostela, no último dia de 2012 |
Cada um viaja do jeito que gosta, mas pra mim viajar não é ticar itens numa lista de atrações ou me esconder da vida real em resorts assépticos, preservados de qualquer contato com a população e a realidade locais.
Mesmo que isso signifique topar com uma greve de transportes, um protesto ruidoso ou com as cicatrizes que as crises mundo afora deixam na vida cotidiana dos lugares que eu visito.
"Revolta Popular. Greve Geral", convoca a faixa afixada em Nafplio, na Grécia, em setembro de 2012 |
Ouvi coisa bem parecida quando fui passar o fim de ano em Portugal e na Galícia, também em 2012, e quando visitei a Irlanda, em 2014.
Grafite em Belém, Portugal |
A gente não precisa ir procurar emoções em áreas de guerra, por exemplo (sou louca para conhecer Damasco, mas não vai ser agora), mas é bobagem deixar de ir a lugares maravilhosos por medo de passeatas — que, aliás, costumam acontecer em horas e locais pré determinados e dificilmente cruzarão o nosso caminho, se não procurarmos por elas.
Passeata do Dia Internacional da Mulher, em Barcelona, 2011 |
É parte essencial da experiência de viajante acompanhar um pouquinho do noticiário, conversar com as pessoas sobre o tempo, a política e o futebol.
Na Grécia, por exemplo, lamentei imensamente que a barreira do idioma tenha me impedido de vivenciar os acontecimentos mais de perto.
Este grupo a caminho de um protesto, na Rua Augusta, em Lisboa, incorporou até Papai Noel |
Quando os jovens parisienses quase reeditaram o Maio de 68, protestando contra um projeto de flexibilização das leis trabalhistas, em 2006, eu estava lá e acompanhei de perto as manifestações. Vibrei com a derrota da proposta como se fosse uma Copa do Mundo.
Em Barcelona, não pensei duas vezes em me integrar a uma passeata feminista no 8 de Março de 2011.
Adorei a objetividade da galera de Évora |
Não alterei meus planos para acompanhar ao vivo as grandes manifestações da greve geral de 26 de setembro de 2012, em Atenas — eu estava em Nafplio e quase perdi o barco para as ilha de Hidra e Spétses, pois os motoristas dos ônibus da KTEL que me levariam ao Porto de Tollos aderiram à paralisação.
Se tivesse perdido o passeio, talvez tivesse ido a Argos, a11 km de Nafplio, onde houve um ato público dos grevistas da Argólida, demonstrando minha solidariedade.
Se tivesse perdido o passeio, talvez tivesse ido a Argos, a
Protesto em frente à Generalitat de Catalunya (sede do govoverno), em Barcelona, março de 2011 |
Não era justo que também perdessem os visitantes — é bom lembrar que o turismo tem um papel significativo naquelas economias — ainda mais quando esses destinos continuavam lindos, cordiais e fascinantes.
1- Preste atenção à vida real
Quando se compreende minimamente o idioma local, acompanhar o noticiário dos lugares que visitamos (nem que seja só uma olhadinhas nas manchetes expostas nas bancas de jornais) é um bom instrumento pra se entender um pouco melhor nosso destino turístico — sem contar que pode ajudar na nossa segurança.
Com a internet, é ainda mais fácil acompanhar o noticiário sobre o local visitado, inclusive em idiomas mais populares pra nós, como inglês e espanhol. Assim, se o clima político da cidade estiver quente, você não será apanhada desprevenida.
O outdoor na entrada da Cidade do Porto aponta o X da questão |
2- Informe-se direitinho sobre o local da manifestação
Se você tiver notícia de uma manifestação (por um cartaz na rua, por exemplo), busque informações sobre ela na internet e também no seu hotel (ou no bar da esquina, ou com o motorista do uber...).
As convocações para atos políticos (panfletos, cartazes e postagens nas redes sociais) sempre informam o horário e o local de concentração — no caso de passeatas, é bom saber qual o trajeto.
Sabendo onde ocorre o protesto, você pode montar seu itinerário para ficar longe dele, se assim preferir.
3- Saiba qual o motivo da manifestação
Caso você necessariamente tenha que cruzar o caminho de uma passeata, procure saber qual é a causa defendida pelos manifestantes.
Normalmente, trabalhadores em greve não vão às ruas agredir ninguém. Protestos contra a violência de gênero, o racismo e a homofobia, manifestações de estudantes e ambientalistas costumam ser do bem e da paz. Eu não teria o menor receio de caminhar próxima a esses grupos — sou mesmo capaz de me juntar a eles.
Mas eu correria léguas de manifestações com cunho intolerante — racistas, fascistas, xenófobas, masculinistas, orgulho hétero e outras do gênero.
Curtiu este post? Deixe seu comentário na caixinha abaixo. Sua participação ajuda a melhorar e a dar vida ao blog. Se tiver alguma dúvida, eu respondo rapidinho. Por favor, não poste propaganda ou links, pois esse tipo de publicação vai direto para a caixa de spam.
Eu fui a Buenos Aires em 2009 e boa parte do prazer da viagem foi tirar fotos das mais variadas e criativas pichações políticas que já vi :)
ResponderExcluirUma das coisas que mais gosto de fazer é conversar com as pessoas, ouvir as histórias delas. Em Buenos Aires, por exemplo, a resenha política dos motoristas de táxi é uma parte imperdível da viagem..
ResponderExcluirNão dá para estar, sem estar. Para mim, ir e não perceber o local, é como não ter ido. Peguei a Greve Geral em Lisboa em nov/2012 e várias manifestações na Espanha e acabaram sendo pontos altos e inesperados da viagem. Gosto de perceber o momento daquela população, daquela cultura, além de fazer comparações históricas com nossa realidade. Abraços.
ResponderExcluirPaula,
ExcluirManifestações políticas, especialmente as grandes mobilizações populares, só enriquecem a viagem.
Pior são outras ocorrências. Tenho dois atentados do ETA "no currículo" (o estacionamento do Terminal 4 Aeroporto de Barajas foi pelos ares poucas horas depois de eu ter chegado a Madri, em dez/2006. Em 2005, explodiram um estacionamento em Santiago de Compostela quando eu estava fazendo o caminho).
Também estava em Roma quando um quebra quebra generalizado, a partir da morte de um torcedor da Lazio pela polícia, literalmente botou fogo na cidade. Também já peguei um quebra quebra em Lima, contra a visita de George Bush.
No começo deste mês, estreei no capítulo Desastres Naturais, com um temporal bem na minha chegada a Quito, com direito a queda de barreiras e interdição do acesso ao aeroporto por algumas horas.
O fundamental é tirar de letra.
abs
Penso o mesmo, mas é uma pena que a maioria dos brasileiros não pense assim.
ResponderExcluirAcabei de chegar de Cuba e algo me chamou bastante a atenção lá: rodamos o país inteiro sem encontrar nenhum brasileiro, só que o aeroporto de Havana (tanto na ida, quanto na volta) estava lotado de brazucas. Fomos tentar entender e o que observamos é que a maioria dos brasileiros fazia apenas o roteiro entre Varadeiro e Cayo Largo e, no máximo, passavam alguns diazinhos em Havana pra dizer que foram. Infelizmente, não conhecem como vivem os cubanos, ou seja, não conhecem Cuba.
Pra mim, conhecer um país é viver como os nativos: enfrentar os mesmo perrengues, compartilhar experiências e, principalmente, ouvir o que tem a dizer...
Seu blog é ótimo! Estou encantada! :)
Obrigada, Ana!
ExcluirPois é, não consigo entender a atração pelos roteiros esterilizados, distantes da realidade local. Beijo
Para mim em uma viagem o mais importante é me misturar com as pessoas, então não gosto do tipo de viagem que se vê tudo através dos vidros de um carro alugado com ar condicionado ou taxi. Gosto de entrar nos transportes publicos e ver como as pessoas vivem no dia a dia ou mesmo como os locais aproveitam dos pontos turisticos de seu proprio pais.
ResponderExcluirPassei 21 dias na China andando para cima e para baixo, andando de trens noturnos em vagões normais (pois os vagões-dormitorios jah estavam completos reservados pelas agências de turismo), ou seja, 10 horas confinada com centenas de chineses e posso dizer que de toda essa experiência os chineses são adoraveis. Porém tenho amigos que fizeram o tipo de viagem "asseptica", sem nenhum contato com os locais, e ai voltaram com uma imagem horrivel dos chineses pois uma ou duas vezes foram "maltratados" quando foram largados 5 minutos sozinhos para compras! Claro que sempre podemos nos deparar com uma pessoa chata, mas eu acho que o problema é em 99% dos casos do turista, que chega com a sua forma de ser e não se interessa em entender e respeitar os locais e acaba cometendo alguma gaffe muito feia do ponto de vista local... Na China é muito comum o turista ocidental chegar "se acahando" pois ele tem a grana e quer pagar o menor preço possivel e menosprezar o chinês, que para ele estah muito abaixo. Ou então na França, (onde moro), os turistas (principalmente brasileiros) chegam atropelando para pedir uma informação, sem dizer primeiro "bom dia", "desculpa interrompe-lo" e quer que o local que estah no metrô atrasado para ir para o trabalho (e as vezes nem é francês, mas um estrangeiro que mora aqui) seja todo sorrisos e boa vontade...
Pois é, Milena, a melhor experiência de uma viagem é ver a vida real :)
ExcluirEstive na Turquia, ano passado, pegamos uma manifestação pesada, queria chegar mais perto por curiosidade, mas o melhor mesmo foi nos abrigarmos, porque a coisa foi feia e quase perdemos o vôo
ResponderExcluirSempre tenho interesse em saber o que se passa nos países que visito e ter contato com os locais a respeito do momento atual, com as diversas opiniões
Vi as pixações nas fotos, algumas achei ridiculas, sem propósito e burras, mas ainda assim valem a pena dar uma olhada
Chega a ser hilário ver partidos políticos ostentando símbolo de foice e martelo, algo ai explica a crise europeia nos paises do sul, governados um bom tempo por socialistras e socias -democratas
Viajando ou em casa, prezado Anônimo, é sempre enriquecedor tentar ouvir o que diz o outro, sem descartar pontos de vista de de saída, rotulando-os de "ridículos", "sem propósito" ou "burros". O mundo fica bem maior e interessante.
Excluir