24 fevereiro 2007

Como aproveitar uma conexão em Bogotá


Bairro de La Candelaria, Centro Histórico de Bogotá

Bairro de La Candelaria, Centro Histórico de Bogotá


O maior erro que cometi nesta viagem à Colômbia foi não reservar alguns dias para ver Bogotá. A capital do país em tudo me pareceu interessante: bonita, com seu relevo vertiginoso e o horizonte cortado por montanhas, cheia de opções de restaurantes bacanas, museus de cair o queixo e um centro histórico muitíssimo bem cuidado.

Colégio Mayor de San Bartolomé, Bogotá
Fundado em 1604 pelo Jesuítas, o Colégio Mayor de San Bartolomé, em La Candelaria, é a instituição de ensino mais antiga da Colômbia

Plaza de Bolívar, Bogotá
A Plaza de Bolívar é o coração do Centro Histórico de Bogotá desde o início da colônia. Lá estão a Catedral, o Parlamento (à direita na imagem) e a Suprema Corte do país

Apenas fazer conexão em Bogotá não é suficiente. Tive apenas 10 horas pra ver a cidade e foi pouquíssimo (eu voltei em 2016 e comprovei que tem muito pra ver por lá).

Sim, eu amei Cartagena e delirei com o Caribe das Ilhas do Rosário. Mas vou voltar para casa com saudade de Bogotá, uma cidade que eu apenas entrevi, no espaço que tive entre acordar e pegar o voo de volta para o Brasil (cheguei tarde de Cartagena). Mas pode me esperar porque logo, logo estou voltando.

Conexão em Bogotá

Museu Nacional da Colômbia, Bogotá
O Museu Nacional da Colômbia tem um importante acervo arqueológico e também é um bom lugar para descobrir pintores colombianos

Para quem nasceu e cresceu em Salvador, cidade de longo passado colonial, caminhar pelas ruas de La Candelaria, o Centro Histórico de Bogotá, é programa que desperta sensações conflitantes. 

Por um lado o encanto – sou uma apaixonada por projetos de revitalização de regiões históricas. Por outro, a constatação de que havia uma alternativa muito melhor do que a adotada na chamada “reforma do Pelourinho”, na minha cidade.

Bairro de La Candelaria, Bogotá
As cores de La Candelaria não são meramente cenográficas

La Candelaria é o avesso da concepção excludente e equivocada — para dizer o mínimo — que esterilizou o belo conjunto arquitetônico do Pelourinho, esvaído de sua gente e de seu jeito de ser para virar uma cidade cenográfica, a Disneylândia do axé

O Centro Histórico de Bogotá guarda as origens da cidade, fundada onze anos antes de Salvador, em 1538. Hoje, está cercado pela quarta maior metrópole da América do Sul — Bogotá tem 8 milhões de habitantes — num país até recentemente assolado pela violência do crime organizado, dos paramilitares e das guerrilhas.

Bairro de La Candelaria, Bogotá
Eu adorei os contrastes de La Candelaria

Bairro de La Candelaria, Bogotá

Os colombianos conseguiram, os baianos, não. Enquanto o Pelourinho grita sua inviabilidade, La Candelaria é uma comunidade, um bairro vivo, belo. Um lugar para se viver.

Os prédios restaurados de La Candelaria abrigam domicílios para diversos padrões de renda. A região é sede de universidades, de uma das bibliotecas mais importantes da América Latina e de pelo menos um museu top de linha internacional, o Museu Do Ouro (que não pude visitar porque estava fechado. Mas já corrigi esta lacuna em meu retorno à cidade, em 2016, e fiquei extasiada com o acervo). 

O resultado é que, em meio aos turistas cativados pelas atrações do Centro Histórico de Bogotá, tem gente que passa com compras, crianças brincam na rua e moradores passeiam seus cachorros.

Bairro de La Candelaria, Centro Histórico de Bogotá
A paisagem de La Candelaria tem sinceras pinceladas de cotidiano. E eu adoro isso


La Candelaria, Centro Histórico de Bogotá


O elitismo baiano sempre acreditou que o Pelourinho caía aos pedaços porque lá moravam os pobres. Nos anos 90, o governo tirou os pobres, gastou fortunas reformando casarões, que seriam cedidos a bares e restaurantes — negócios montados com empréstimos oficiais, praticamente a fundo perdido.

Rios de dinheiro público irrigaram, artificialmente, um tecido que já estava morto, pagando atrações culturais, a manutenção dos edifícios... Sustentabilidade que é bom, zero. La Candelaria é o oposto disso.

La Candelaria, Bogotá
Na minha viagem de 2016, fiquei quatro noites hospedada em La Candelaria e pude curtir com mais calma as atrações do Centro Histórico de Bogotá. Na foto abaixo, à direita, o Centro Cultural Gabriel García Márquez, que abriga uma biblioteca, uma ótima livraria, salas de concertos e espaços para exposições de artes visuais


La Candelaria, Bogotá


Caminhei por La Candelaria num misto de felicidade e melancolia. Testemunhei como um projeto inteligente é capaz de assegurar a preservação do belo patrimônio desta América do Sul, integrando-o ao cotidiano das pessoas, assegurando que sua preservação não seja uma tarefa excepcional, mas um processo. 

O tempo todo, me perguntava se os novos conceitos adotados no Brasil para o trato da memória conseguirão salvar o Pelourinho...


Catedral de Bogotá
Além da Catedral (acima), o Centro Histórico de Bogotá tem um belo acervo de igrejas coloniais, com visitação gratuita, como San Agustín e La Candelária (abaixo), que dá nome ao bairro

Igrejas coloniais de Bogotá: San Agustín e La Candelaria

Igreja de Nossa Senhora do Egito, Bogotá
A Igreja de Nossa Senhora do Egito fica na parte mais alta de La Candelaria. Seu adro oferece uma bonita vista para o bairro

Hospedagem em Bogotá
⭐Hotel Capital 
Avenida El Dorado nº 69A-51 Int 2 Bogotá

Reservei pela internet e consegui uma pechincha: US$ 100 pela diária single, com café da manhã e traslado de e para o aeroporto. O preço normal é de cerca de US$ 220. 

O Hotel Capital fica numa região moderna de Bogotá, a 30 minutos da chamada Zona T, afastada do Centro Histórico, mas perto do aeroporto, com muitas lojas e restaurantes próximos. Tem quartos enormes e confortáveis, além do serviço muito atencioso.

Oblea, bolacha típica de Bogotá
As obleas são uma merenda típica de Bogotá: bolachas tipo wafer às quais você pode acrescentar uma infinidade de coberturas. As carrocinhas de obleas estão por toda parte em La Candelaria


Na reserva, é importante informar o horário do voo de chegada para o hotel providenciar o transfer incluído na diária. Essa comodidade é comum em Bogotá. No desembarque no aeroporto, havia uma funcionária do hotel para me receber. 

Ela me encaminhou para um micro-ônibus "hiperseguro": a bordo, tem um sujeito fortão, armado até os dentes (revólver na cintura e fuzil à bandoleira), segurando um pastor alemão com cara de poucos amigos.

Como eu era a única hóspede chegando, seguimos os três — eu, Maciste e o totó mal-humorado, no compartimento de passageiros. A cabine do motorista é separada por um vidro, suspeito eu que a prova de balas.

Museus de Bogotá
O Banco da Colômbia mantém um conjunto de museus bacanérrimos em La Candelaria. Tem o Museu Botero, a Coleção de Arte Latino-Americana e a antiga Casa da Moeda

Segurança em Bogotá
Perguntei ao fortão do ônibus se o clima em Bogotá estava tão pesado que justificasse o aparato. Ele abriu o riso: “As coisas estão muito calmas por aqui, mas se não tiver segurança ostensiva, los gringos ficam achando que vão ser sequestrados a qualquer momento...”

Apesar do "aparato cenográfico", Bogotá é hoje uma cidade tão segura quanto qualquer grande cidade latino-americana, onde apenas é preciso tomar os cuidados básicos recomendáveis para qualquer lugar. As ruas são bem policiadas. À noite, é recomendável alguma cautela para circular por ruas menos movimentadas em La Candelaria.

Museu Botero, Bogotá
Uma Vênus do Museu Botero

Veja o post: Museu Botero

Como circulei por Bogotá
Eu tinha pouco tempo para ver Bogotá, apenas um dia (meu voo para o Brasil saía às 21 horas), por isso decidi contratar um taxista para rodar a cidade. 

Por indicação do hotel, escolhi os serviços de Leonardo Florez e acertei em cheio. Educado, atencioso, discreto e muito bem informado, ele foi um guia exemplar em meu passeio pelo Centro Histórico.

Recomendo o trabalho de Leonardo, que pode ser contatado pelo e-mail leoflo2919@hotmail.com e pelos telefones 57-300-2135229 (celular) ou 57-1-6269567.

Museu do Ouro, Bogotá

Só nove anos depois da primeira visita a Bogotá eu pude, finalmente, ver o maravilhoso acervo do Museu do Ouro


O que fazer em Bogotá


O que eu queria mesmo era ter ido ao Museu do Ouro de Bogotá, um dos principais acervos de maravilhas pré-colombianas das Américas. Mas o museu estava fechado (só fui vê-lo na viagem de 2016). Então resolvi fazer programinhas alternativos.

O primeiro foi uma visita ao Museu Quinta de Bolívar, que funciona na quinta doada como agradecimento ao Libertador pelo povo santafereño (o gentílico da capital colombiana vem do nome colonial da cidade, Santa Fé de Bogotá). 

Museu Quinta de Bolívar, Bogotá
A Quinta de Bolívar é um museu bem bacana


O Museu Quinta de Bolívar está instalado em uma bela casa, com origens no Século 17, cercada por um parque de árvores frondosas e centenárias. 

Simón Bolívar e Manuelita Sanz, sua companheira, viveram e passaram muitas temporadas na quinta. O acervo é composto de móveis de época, objetos pessoais e documentos, mas o mais bacana mesmo é o velho solar, com suas portas abertas para o verde do parque.

Mesmo depois de convertida num plácido museu, a velha casa de Bolívar ainda seria cenário de aventuras. Em 1974, a quinta foi invadida por militantes do Movimento 19 de Abril, o M-19, grupo guerrilheiro de esquerda, que roubaram a espada do Libertador, deixando um bilhete: "Bolivar, sua espada retorna ao campo de batalha”. 

Apesar da reserva que eu percebi nos colombianos para falar da luta armada que conflagrou o país no passado recente, esse episódio foi contado com um discreto risinho cúmplice do meu interlocutor...  

A sala de jantar da Quinta de Bolívar
(Imagem de Pedro Felipe- WikiCommons)

 Museu Quinta de Bolívar fica quase em frente ao teleférico para o Cerro Monserrate e funciona de terça a sexta, das 9h às 17h. Sábados e domingos das 10h às 16h. O ingresso custa 3 pesos e a entrada é franca aos domingos.

Depois dessa visita e de bater pernas por La Candelaria e pela Plaza Bolívar, porta de entrada para o bairro histórico, onde fica a Catedral, tive uma passagem meteórica pelo Museu Casa de la Moneda — que tem um acervo espetacular.

Fui apenas apenas para ver as maravilhosas, emudecedoras, acachapantes custódias cobertas de milhares de pedras preciosas que um dia já foram usadas em celebrações católicas, mas hoje são tratadas como tesouros do país e guardadas dentro de um cofre. São de cair o queixo, imperdíveis e não podem ser fotografadas, por motivos mais do que óbvios.

No começo da noite, saí correndo para o aeroporto morrendo de vontade de ficar em Bogotá.
 

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2 comentários:

  1. oi Cynthia:

    sou soteropolitana e estive recentemente na Colômbia a convite de uma amiga colombiana. Tive sentimentos semelhantes aos que você descreve no texto. Sinto uma dor enorme no coração quando vejo nossa história caindo aos pedaços. A Colômbia foi uma surpresa maravilhosa. Visitei o interior, onde a gerrilha é/era bem forte. Convivi um pouco com a história deles. Doi ainda mais perceber que é possível mudar as coisas e que nós estamos falhando constantemente. Senti algo parecido também quando visitei Córdoba, na Espanha. Todo o tempo que andei por ali, imaginei que algo semelhante poderia estar sendo feito no Pelo. Será que um dia conseguiremos salvar nosso belíssimo patrimônio histórico/cultural. beijos Ana

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  2. Oi, Ana,
    Eu sonho com a revitalização do Centro Histórico de Salvador, mas acho que isso só vai acontecer quando as autoridades tiverem a coragem de assumir que a esterilização do Pelô foi um erro, que expulsar os trabalhadores e a gente pobre que vivia lá-- e mantinha tudo de pé, do jeito que podia-- foi a perdição do lugar. Centros históricos muito mais antigos, na Europa, por exemplo, permanecem vivos porque têm gente, relações de vizinhança, laços comunitários.
    Projetos, há muitos, torço sinceramente que algum deles dê certo.
    Obrigada por viajar na Fragata. Beijo

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