19 fevereiro 2024

Museu Lasar Segall, meu favorito em São Paulo

Museu Lasar Segall em São Paulo
Logo na entrada da sala de exposições, uma avalanche do brilho de Segall com as obras Interior de Pobres (ao fundo, às esquerda), Eternos Caminhantes (ao centro) e Navio de Emigrantes (à direita)

O Museu Lasar Segall é um dos meus lugares favoritos em São Paulo. Primeiro, claro, pelo acervo. Segall foi um artista maravilhoso Transitou pela pintura, escultura, desenho e gravura, sempre com um olhar solidário para os excluídos, perseguidos e párias de todos os padrões que retratou com seu toque de gênio . 

Quando eu procuro uma tradução visual para a ideia de empatia, o que costuma vir na minha mente é uma obra de Lasar Segall. 

Além do acervo, o Museu Lasar Segall tem instalações adoráveis — o núcleo é a casa modernista onde viveu o artista, projetada por Gregori Warchavchik —, jardins aconchegantes e a vocação de funcionar como espaço vivo e democrático, sempre buscando atrair um público que não beberica coquetéis em vernissages, mas reconhece a beleza quando a vê.

"Eternos Caminhantes" de Lasar Segall
Eternos Caminhantes (1919) foi confiscada pelos nazistas e exposta como exemplo de "arte degenerada". A tela empreendeu sua própria epopeia até ser resgatada e incorporada ao acervo do Museu Lasar Segall
Em Interior de Pobres (1921), Segall retrata a miséria e o desalento do povo alemão após a I Guerra
Navio de Emigrantes (1939)

Já fazia um tempinho que eu não visitava o Museu Lasar Segall, mas tratei de matar a saudade na passagem mais recente por São Paulo. E quer saber? Taí um lugar que eu gosto mais cada visita.

Funcionando a cerca de 500 metros de duas estações de metrô (Vila Mariana e Santa Cruz) e com entrada gratuita, o Museu Lasar Segall é um super programa e merece figurar no topo de todas as listas sobre o que fazer em São Paulo.

Não tenha dúvida de incluir o meu museu favorito na Pauliceia no seu próximo roteiro na cidade. Veja as dicas para organizar sua visita: 

Esculturas de Lasar Segall no Jardim do museu
Os jardins do museu exibem esculturas de Lasar Segall


Visita ao Museu Lasar Segall


"Dor", litografia de Lasar Segall
Schmertz (Dor), litografia de 1909

Na primeira vez que eu visitei o Museu Lasar Segall, já se vão algumas décadas, eu fui ver a arquitetura. 

A casa que abriga o museu, projeto de Gregori Warchavchik (cunhado de Segall) inaugurado em 1932 era um dos grandes amores do meu amigo Luiz Otávio, o cara que me ensinou a cultuar os deuses da prancheta e da régua T.

Jardim do Museu Lasar Segall
Edifício do Museu Lasar Segall
Escultura no Museu Lasar Segall
E a boba aqui achou que ia só ver arquitetura... 😊

E aí, nessa inocente tarefa de ver um edifício — considerado um marco do modernismo em São Paulo — eu fui fisgada irremediavelmente pela arte de Lasar Segall (a arquitetura sempre dá lindos presentes ao meu olhar e este foi um dos mais generosos).

Depois deste primeiro encontro, a boba que achou que ia só ver arquitetura já perdeu a conta das visitas que fez ao Museu Lasar Segall e encontrou um de seus artistas favoritos no mundo.

"Encontro" de Lasar Segall
Encontro (1924)

O Museu Lasar Segall conta com uma alentada biblioteca, muito usada por pesquisadores de artes em geral, e um cinema com excelente programação, o Cine Segall. O percurso museológico é bem didático, com muitas informações sobre os quadros, as fases do artista e o contexto das obras.

A visita ao Museu Lasar Segall pode ficar ainda mais interessante se, antes de ir, você fizer uma liçãozinha de casa, acessando a visita virtual com audioguia, pra ter uma ideia das principais obras que verá ao vivo.

Mas o mais importante de tudo é ver Segall cara a cara. E o museu tem uma coleção de mais de 3 mil obras do artista (claro que apenas um pequena parcela delas está em exposição), além de documentos e fotografias. Isso faz da instituição um grande centro de estudos sobre o trabalho e a vida do nosso maior expoente do Expressionismo.

E digo nosso sem qualquer vacilação. É verdade que Segall já era um artista pronto e respeitado quando se mudou da Alemanha para o Brasil, mas acredito de verdade que ele se queria brasileiro — basta olhar o quadro Encontro (1924), onde o artista se autorretrata como um mestiço de pele escura, um ano após fixar residência no país.

Figura com Reposteiro de Lasar Segall
Figura com Reposteiro (1954), da série Erradias

"Rua", de Lasar Segall
Rua (1922) trata da prostituição em Berlim na Década de 20. A tela recria uma litografia feita por Segall para a série Bubu, do ano anterior, inspirada no romance homônimo 

Mulheres do Mangue com Fonógrafo, de Lasar Segall

Mulheres do Mangue com Fonógrafo, xilogravura de 1929

"Dois Nus" de Lasar Segall
Dois Nus (1930), obra pintada em Paris, mas ambientada no Mangue, no Rio de Janeiro

E Lasar Segall foi um brasileiro que teve lado. O lado dos trabalhadores, dos excluídos, dos anônimos. Os desenhos da série Mangue são  considerados uma ruptura fundamental, pelo olhar compassivo, sem espetacularização ou caricatura, que dedica ao cotidiano de bordéis e cabarés do Rio de Janeiro.

Basta uma pincelada da biografia de Lasar Segall (1889-1957) pra a gente entender de onde vem o jeito carinhoso e cúmplice do artista olhar os marginalizados.

Estudo para Campo de Concentração (1945)
Detalhe de "Navio de Emigrantes" de Lasar Segall
Detalhe de "Navio de Emigrantes" de Lasar Segall
No alto e acima, dois detalhes de Navio de Emigrantes

Ele mesmo um excluído, perseguido e desterrado, Segall nasceu sob o império czarista russo (em Vilna, hoje capital da Lituânia). Um menino judeu em um terra de pogroms.

Ainda adolescente, mudou-se para a Alemanha para estudar arte em Berlim e em Dresden. Em 1919, foi um dos fundadores do movimento Secessão de Dresden, reunindo artistas de inspiração Expressionista e grande apego à temática social.

"Emigantes" e "Eternos Caminhantes" de Lasar Segall
Escultura Emigrantes (1934) e, ao fundo, tela Eternos Caminhantes

Segall já era um artista consagrado quando se mudou para o Brasil, em 1923, com obras incorporadas às coleções de importantes museus da Alemanha. 

Anos mais tarde, 49 desses trabalhos seriam apreendidos pelos nazistas e exibidos na infame mostra de Arte Degenerada (1937), um ataque raivoso ao Modernismo e demais formas de expressão artística que abraçasse um padrão estético destoante do natural.

Paisagem Brasileira, de Lasar Segall
Paisagem Brasileira (1925) é resultado do encontro de Segall com "o milagre da cor e da luz" no Brasil, como ele dizia 
Aldeia Russa, de Lasar Segall
E também tem as cores da Aldeia Russa, pintada em 1912

Uma parte dessas obras seria posteriormente destruída. Mas o esforço da família Segall conseguiu resgatar um conjunto de gravuras e a única tela sobrevivente da sanha nazista, Eternos Caminhantes (1919), um pouco de sua própria experiência de desterros e despertencimentos. A tela hoje é um dos grandes destaques no acervo do Museu Lasar Segall.

Eternos Caminhantes foi a primeira obra modernista incorporada ao acervo do museu público de Dresden, em 1919. Em 1933 (ano da ascensão do nazismo), foi incluída em uma exposição local de arte degenerada.

Ao final da II Guerra, a obra estava desaparecida e acreditava-se que tivesse sido destruída até ser reencontrada em Paris, em 1954. O desembarcou no Brasil em 1958, um ano após a morte de seu autor.

Lasar Segall não é apenas um dos meus artistas preferidos. Ele é um cara que eu gostaria de ter conhecido e ficado amiga. Cada vez que eu visito seu museu, tenho um pouco a sensação de que estamos conversando. Apesar da melancolia que palpita em sua obra, a arte de Lasar Segall me deixa sempre feliz.

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