17 de março de 2016

Viajar sozinha: segura e confortável na estrada

Berlim, Alemanha - Unter den Linden em obras, 2005
Meninas boazinhas vão pro céu. Meninas más vão para Berlim - e pra onde mais elas quiserem. A gente precisa acreditar nisso e meter o pé

Outro dia, zapeando a TV, parei por acaso em um filme onde uma garota que tinha acabado de terminar um relacionamento anuncia às amigas a intenção de ir ao cinema sozinha. “Como uma looser?”, reagiram elas. Eu, que amo viajar sozinha e vou até a show de Rock’n’Roll sem companhia, achei a cena bizarra.

Mas é inegável que, em pleno Século 21, uma mulher fazer coisas sozinha ainda desperta desconfiança e até desprezo em muita gente — e nós mesmas nos sentimos desconfortáveis.

Esta talvez seja a principal barreira que precisamos vencer, se quisermos desfrutar plenamente do imenso prazer que é viajar sozinhas. Nas minhas primeiras viagens solo, lá se vão mais de duas décadas, o constrangimento era um incômodo muito mais presente do que a sensação de estar correndo algum tipo de risco concreto.

No cinema, num restaurante ou em uma viagem, nós nos sentimos julgadas por estarmos sozinhas — o engraçado é que ninguém se preocupa com esses julgamentos quando sai de casa sozinha para o trabalho, ou vai ao supermercado. E quando a gente viaja a trabalho, então?

Nas atividades “meramente funcionais”, é ok estar desacompanhada. Acho que foi essa constatação que me fez acionar o botãozinho do “dane-se” para os olhares curiosos ou francamente desaprovadores que me escrutinam em restaurantes, cinemas e onde mais eu esteja me divertindo sem escolta.

Viajar sozinha - dicas de segurança em viagem para mulheres
A felicidade de quem está num mochilão de 50 dias pela Europa, em 2005, sozinha. E olha que eu estava prestes a encarar 9 horas de trem noturno entre Praga e Budapeste, na segunda classe, dividindo a cabine com cinco desconhecidos

Viajar sozinha: se jogue, menina


Viajar sozinha é um imenso prazer. Quando digo isso, não estou escamoteando o desafio da segurança, claro — uma preocupação justificada até mesmo quando viajamos para lugares com baixíssimos índices de criminalidade, pois os riscos para nós, mulheres, vão muito além dos que ameaçam os homens.

Pense nas 13 mulheres assassinadas todos os dias, apenas no Brasil. E lembre que a maioria desses crimes acontece no contexto doméstico e que os autores são maridos, namorados e ex-parceiros das vítimas.

As ameaças à nossa segurança existem e não são brincadeira. Infelizmente, ainda precisamos desenvolver estratégias para driblar os riscos de assalto, assédio, abuso, estupro. Viajando ou em nossas vidas normais.

O caso recente das argentinas Maria José Coni e Marina Menegazzo, assassinadas no Equador, acendeu o debate sobre a segurança das mulheres viajantes. Mas essa é uma questão que nos acompanha todos os dias, em casa ou do outro lado do mundo.

Cerro Campanario, Bariloche, Argentina
Cerro Campanario, Bariloche: uma das minhas primeiras viagens solo me deixou de cara para essa paisagem 

Eu não controlo as intenções do outro — nem a cultura que legitima a materialização de várias dessas intenções. Mas posso tomar precauções que reduzam riscos, seja na vida cotidiana, seja em viagens.

Já o desconforto, o constrangimento de estar sem companhia, esse era só meu. E faz um monte de tempo que já o despachei para a lata do lixo (e isso faz parte de desmontar essa cultura, né?).

Viajar sozinha é um aprendizado. Hoje, eu não consigo pensar em nada mais interessante, divertido e enriquecedor para fazer no meu tempo livre.

Não tem uma fórmula única, mas faço questão de compartilhar as estratégias que adotei lá no começo das minhas viagens-solo, e dou a maior força pra que você também experimente essa deliciosa aventura.

Basílica de Santa Sofia, Istambul
Santa Sofia, Istambul, setembro de 2012: quem disse que sozinha não pode? Eu fui e amei

Dicas para viajar sozinha sem sobressaltos

➡️Comece com uma viagem mais curta para um destino mais “fácil”
Se você não se sente muito segura para encarar a primeira viagem-solo, experimente “treinar”, programando um fim de semana ou feriadão em uma cidade que você já conhece e onde tenha a quem recorrer, em caso de emergência — só não vale ir para um lugar onde você tenha um monte de amigos e estará sempre acompanhada.

➡️Vá para um lugar onde a comunicação não seja um problema
Tentar decifrar um alfabeto diferente ou um idioma completamente estranho logo na primeira vez que for viajar sozinha não vai contribuir para que você se sinta confortável.

➡️ Leve livros (ou similares)
A leitura é sempre uma grande companhia e um grande antídoto contra o tédio de horas de confinamento em um avião, nas esperas pelo trem e demais momentos em que seria ótimo ter companhia pra bater papo.

➡️Sozinha no restaurante
Ler também é um recurso poderoso para driblar o desconforto de sentar sozinha em um restaurante nas primeiras viagens solo.

Quando o assunto é viajar sozinha, uma das perguntas mais frequentes é sobre como eu me viro na hora das refeições.

Hoje em dia é uma coisa tão tranquila que nem penso no assunto. Chego ao restaurante, sento, faço o pedido e nem lembro que tem gente que faz refeições acompanhada 😉. Mas confesso que, no começo, eu me via na tentação de sair explicando a todos os presentes o motivo de estar só no restaurante😊.

Nessa época, os livros me salvaram de morrer de inanição, pois só o "apoio" deles me garantia enfrentar os olhares julgadores em restaurantes (no jantar é sempre pior do que no almoço). Bastava grudar o nariz na leitura e abstrair os inquisidores ao redor.

Ahu Los Siete, Ilha de Páscoa
Ilha de Páscoa: também fui sozinha para "o lado mais distante do mundo"

➡️Pesquise um bairro interessante e seguro para se hospedar. Dê preferência a vizinhanças com movimento à noite (sempre que puder, escolha uma rua principal) e bem servidas por transporte público. Faça reserva com antecedência.

➡️Pesquise a melhor opção de transporte do aeroporto (ou da estação de chegada) até seu local de hospedagem. O deslocamento do ponto de chegada ao hotel é sempre o mais tenso. Já saber como vai se locomover evita um monte de estresse. 

Ainda mais quando a gente está enredada com malas, mochilas e assemelhados, que sempre estorvam nossa mobilidade e disputam a atenção que a gente precisa dedicar à bolsa e ao entorno — e isso sempre deixa a gente mais vulnerável. 

➡️ Nunca, jamais, em tempo algum use transporte clandestino ou alternativo oferecido em aeroportos e outros pontos de chegada.

➡️Sempre que puder, escolha chegar a seu destino durante o dia. Evite os domingos. O movimento normal de uma cidade é muito mais amigo da segurança.

Veneza, Itália
Às vezes a gente se inibe de ir a um lugar escancaradamente romântico sozinha. Bobagem. Fui duas vezes sem companhia a Veneza e achei perfeito imergir naquela cidade sem ninguém para distrair minha atenção

➡️Modere-se na bagagem. No tamanho e na quantidade de volumes. Arrastar uma mala enorme e pesada é péssimo. Mas ter que cuidar de vários volumes também é um estresse.

Uma mala média e a bolsa são o máximo de “carga” que me disponho a transportar. (Atualmente, tenho viajado apenas com a mala de mão e a bolsa).

➡️Uma bolsa tipo “carteiro” ou um pouco menor, com uma alça forte, que possa ser usada traspassada e sempre na frente do corpo, é mais prática do que uma mochila day-pack.

Já viajei muito com mochila substituindo a bolsa, mas aquele tira e bota das costas toda vez que preciso pegar alguma coisa na mochila acabou me convencendo a mudar de acessório.

➡️Prefira uma câmera fotográfica mais leve. Uma das coisas que mais chama a atenção sobre viajantes são aquelas câmeras (maravilhosas, claro!) cheias de lentes enormes, pesadas e caras.

Faz quase cinco anos que adotei uma Nikon Coolpix, compacta, sem lentes intercambiáveis, fácil de guardar na bolsa ou na mochila. Faz fotos excelentes, custa menos de R$ 1.000 (se for perdida ou roubada, não vou ficar com a sensação de que perdi um rim) e passa quase despercebida.

Também uso uma GoPro, acoplada a um braço telescópico (facílima de acomodar na bolsa).

Em situações esquisitas, limito-me a fotografar com o celular, um Galaxi S4 velho de guerra, que tem uma câmera bem satisfatória, se eu não precisar de zoom. Em 2016, fiz upgrade para um Galaxy S7, que tem uma câmera melhor ainda. Em 2021, passei a usar um Galaxi S-20, que tem uma câmera maravilhosa.

Além da segurança, minha coluna também agradece à leveza do equipamento fotográfico.

Strawberry Field, Liverpool
Minha primeira vez em Liverpool (na foto, em Strawberry Field), sozinha: e ainda me esbaldava de dançar no Cavern Club, à noite

➡️Mapas são essenciais. Mas evite consultá-los no meio da rua.

Hoje em dia a gente não precisa mais labutar com mapas de papel, enormes. Mas mesmo para consultar o Googlemaps ou outro aplicativo do gênero no celular eu procuro um café, uma loja ou algum lugar onde fique menos exposta.

Bancos de praça também são uma boa pedida. O fundamental é não chamar atenção para sua condição de forasteira.

➡️Peça informações aos locais sobre a segurança dos lugares que pretende visitar. De preferência a mulheres. Por motivos óbvios, elas terão uma percepção sobre a segurança bem diferente da dos homens — e muito mais útil a você.

➡️Não tenha vergonha de pedir ajuda. Quando me sinto insegura, costumo me aproximar de outras mulheres (ou casais) e, se for necessário, explico que estou sozinha e que gostaria de caminhar ao lado delas.

Hoje há até uma campanha na internet (“Vamos Juntas”) que fala sobre isso e outros aspectos da sororidade, um conceito que a gente precisa incorporar e praticar.

➡️Também não tenha vergonha de ser ríspida, quando a situação exigir. Pode ser que aquele chato insistente seja só um chato insistente. Mas também há uma chance de ele ser um predador.

Não dê papo, não se explique e não se desculpe: ninguém tem o direito de lhe importunar, sob nenhum pretexto. Se precisar, chute o balde sem culpa.

Paris vista do alto do Arco do Triunfo
Paris, outro destino "romântico" que é fantástico para viajantes solo

➡️ Mantenha o teor alcoólico em níveis seguros. Tomar um drinque na happy hour, saborear o vinho no jantar e o licor com o cafezinho? Tranquilo. Eu não abro mão. Mas ficar de porre é complicado: interfere na nossa percepção de risco, afeta os reflexos e a capacidade de reação.

O prazer das descobertas não exige companhia

Por fim, é importante saber que a felicidade também acontece na ausência de testemunhas. A coisa que mais me perguntam sobre viagens solo é o que eu faço quando vejo uma coisa bonita (e não tem ninguém do meu lado pra comentar e compartilhar a emoção).

Eu respondo que, diante de algo bonito, eu olho, me encanto e me delicio. Porque o olhar da gente é único e intransferível e ver o mundo é uma coisa que ninguém pode fazer por mim.

Monemvasia, Grécia
Monemvasia, no Peloponeso: por quase um mês, a Grécia foi a mais pura felicidade, mesmo sem testemunhas

Outras dicas sobre viajar sozinha

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9 comentários:

  1. Cyntia, somente em 2014 conheci seu blog e, desde então, ao planejar minha viagem anual, seu blog é meu guia perfeito. Viajo sozinha há cerca de 20 anos (tenho 68 anos), e você é uma inspiração e uma força para mulheres que ousam desafiar uma sociedade provinciana e limitada. Obrigada por suas informações tão precisas e detalhadas, continue nos ajudando e nos mostrando os caminhos deste mundo com esse olhar tão pormenorizado.

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    1. Obrigada, Cecília. Mesmo!
      Tem horas que bate o cansaço, que o excesso de trabalho me faz negligenciar o blog, que eu me pergunto se vale a pena. Aí eu recebo um comentário assim e me lembro a razão de gostar tanto de escrever a Fragata...
      Um beijo
      Cyntia

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  2. Gostei de encontrar alguem que gosta de viajar sozinha. Visitei o meu país sosinha,no meu carro por opçao e não por falta de companhia.Ah , eu sou portuguesa e ainda hoje alguem. dificilmente, viaja só. É bom ter uma companhia para trocar impressoões sobre o que vemos ,mas viajar é sentir o que vemos, guardar as emoçoes de um por-do-sol vivido, de um gelado saboreado na Praça de S. Marcos em Veneza ao som do piano...

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    1. O importante é a gente jamais deixar de fazer o que tem vontade por falta de companhia :)

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  3. Cyntia, que maravilha ter encontrado o seu blog!
    Tenho 52 anos. Fiz minha primeira viagem internacional sozinha aos 51 anos, para a Alemanha. Foi uma experiência maravilhosa! Fiquei apaixonada pelo país e mais ainda pela experiência de viajar. Não preciso contar aqui as impressões causadas quando comecei a dizer que ia viajar sozinha! Para uns, foi de admiração e contentamento pela minha disposição e coragem, e outros, com os comentários ou olhar que você já conhece.
    O melhor de tudo, que quando resolvi fazer a viagem, não tinha pesquisado nada na internet sobre viajar sozinha. Agora, como estou pretendendo fazer outra viagem, resolvi pesquisar. Que grata surpresa, perceber a quantidade de mulheres que já fazem isso. Então não me sinto muito estranha nessa minha nova aventura de querer colocar em prática um sonho da mocidade: desbravar o mundo e aprender vários idiomas.
    Gostei muito do seu bloq, por conta do sentimento que você transmite, escreve com o coração e nos convida ou reforça o sentimento que viajar e saber apreciar todos os momentos é a melhor coisa que podemos fazer.
    Obrigada por dividir conosco essa grata experiência.
    Muitas outras boas viagens!

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    1. Que bom ler suas impressões sobre a Fragata 😊. Ver o mundo é muito bom, espero que vc faça muitas viagens.
      Abs

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  4. Olá Cynthia. Tudo bem? Estou pesquisando blogs de viagem e turismo escritos por mulheres. Queria saber se você percebeu alguma diferença na sua audiência por conta da pandemia.

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  5. Valéria, no período mais crítico da pandemia, eu parei de postar. Isso afetou muito a audiência, sim. Mas não senti vontade de falar de viagens, numa hora em que o certo era circular o mínimo possível pra reduzir a disseminação do vírus. Com a chegada da vacina, até me animei a retomar as postagens, mas aos poucos. Ainda estou "devendo" posts sobre a deliciosa Valência, que visitei em 2019.

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    1. Obrigada Cynthia. Está tudo muito recente e incerto mesmo.

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