18 de fevereiro de 2014

Triana, a alma de Sevilha


Fachada do bairro de Triana em Sevilha

Uma fachada na Calle Pureza, no bairro de Triana, em Sevilha


Segundo uma frase atribuída a Cristóvão Colombo, “riquezas não fazem um homem rico, apenas o tornam mais ocupado”. A afirmação parece mais discurso de banqueiro negando aumento de salário a seus empregados, pois a história está é cheia de gente que ficou muito ocupada para que outros ficassem muito ricos.

Um exemplo é o povo do bairro de Triana, em Sevilha, nos tempos dourados do Império Espanhol. Enquanto a cidade florescia, seu pedaço pobre, apartado do esplendor pelas águas do Guadalquivir, trabalhava febrilmente nas olarias, carpintarias, fábricas de azulejos e oficinas para assegurar o crescente fausto da outra margem do rio.

Bairro de Triana em Sevilha e o Rio Guadalquivir

No Século 17, Triana era o arrabalde separado do esplendor de Sevilha pelo Rio Guadalquivir. Abaixo, a Capela dos Marinheiros e um dos típicos balcões do bairro

Capela dos Marinheiros no bairro de Triana em Sevilha
Balcão típico de Sevilha no Bairro de Triana

Berço do Flamenco, morada de marujos e artesãos, refúgio de ciganos e dos pobres da cidade, Triana  forjou muito da alma de Sevilha. O bairro mudou, mas essa história ainda está lá e pode ser reencontrada neste roteiro que montei. Vamos?

Ponte Isabel II e a orla do bairro de Triana em Sevilha
A Ponte Isabel II e a orla de Triana. Abaixo, a Capela da Virgem del Carmen, na cabeira da ponte, que guarda a imagem da padroeira dos homens do mar. Apelidada de El Mechero (em alusão aos acendedores usados em embarcações), foi inaugurada em 1928 e é uma das imagens mais conhecidas do bairro

Capela del Carmen ou El Mechero no bairro de Triana em Sevilha
Capela del Carmen ou El Mechero no bairro de Triana em Sevilha


Passeio pelo bairro de Triana em Sevilha


O visitante abastado que chegasse à Sevilha do Século 17 talvez só tivesse dois motivos para cruzar o Guadalquivir na direção do arrabal de Triana: contratar uma tripulação ou arregimentar quem manejasse uma adaga de aluguel.

Orla do bairro de Triana vista da Ponte Isabel II

O entardecer em Triana clicado da Ponte Isabel II


Ligada à pujante Sevilha por uma ponte de balsas (a Ponte Isabel II, ou Ponte de Triana, só seria construída em meados do Século 19), Triana era a terra dos deserdados, de artesãos pobres, de marinheiros e soldados rasos e dos ciganos.

O povo de Triana era gente que se amontoava em cortiços (os corrales) e se divertia nos tablaos, tabernas e prostíbulos que abundavam na área. Quem vê, hoje, nem acredita...

Monumento à tradição flamenca no bairro de Triana em Sevilha
Uma homenagem à tradição flamenca na cabeceira da Ponte de Triana. Ao fundo, a Plaza del Altozano, porta de entrada do bairro

Oratório em uma rua do bairro de Triana em Sevilha
Oratório em uma rua do bairro de Triana em Sevilha

A Triana do Século 21 é um bairro gostoso e bem cuidado, onde predominam casarões do Século 19. Gostei muito de passear por lá, boa alternativa à muvuca na área da Catedral de La Giralda e do bairro de Santa Cruz.

A boemia e os tablados de Flamenco permanecem em Triana, mas a renda per capita da área subiu um bocado.

Capela dos Marinheiros no bairro de Triana em Sevilha
A Capilla de los Marineros, do Século 18, é testemunha da tradição navegante de Triana. O bairro também foi sede da Universidad de Mareantes, organização que representava os interesses de armadores, capitães e pilotos e formava marujos para a "carreira das índias"


Um plano de reurbanização, nos anos 70 do Século 20, deu fim à maioria dos corrales, mas não tirou de Triana a cara de lugar onde mora gente.

Os ciganos, decisivos para a formação da identidade trianera, também mudaram para outras paragens.

Decoração natalina em uma fachada do bairro de Triana em Sevilha
Decoração natalina em uma fachada de Triana. Abaixo, o Museu da Cerâmica de Triana, inaugurado no final de 2013

Museu da Cerâmica no bairro de Triana em Sevilha

Mas a Capilla de los Marineros ainda está lá, na Calle Pureza, lembrando uma das maiores vocações do povo de Triana  — como um certo marujo Rodrigo, que partiu de lá para ser o primeiro a avistar a terra do Novo Mundo, do alto da  gávea da caravela Pinta, em 1492.

A tradição da cerâmica também persiste e o bairro acabou de ganhar um museu dedicado a essa artena antiga Fábrica de Cerâmicas Santa Ana.

Plaza del Altozano no Bairro de Triana em Sevilha
Balcão florido no Bairro de Triana em Sevilha
Bairro de Triana em Sevilha
O encanto de Triana está no conjunto e nos detalhes. Adorei meu passeio pelo bairro no primeiro dia de 2014

Catedral, Torre da Giralda e Arena de La Maestranza vistos do Bairro de Triana em Sevilha

A catedral, a Torre de la Giralda e a Arena de Touros de La Maestranza vistos da "margem trianera" do Rio Guadalquivir


O azulejo de Triana tem séculos de renome, com desenhos e técnica muito característicos.

Para ter uma ideia da importância e da excelência das peças produzidas pelos artesãos ceramistas de Triana, vale conferir a bela exposição permanente que está montada ao lado dos Apartamentos Reais, no Alcázar de Sevilha, onde há vários exemplares antigos, produzidos no bairro para adornar o palácio.

Passeio de Nossa Senhora do Ó no Bairro de Triana em Sevilha
Passeio de Nossa Senhora do Ó no Bairro de Triana em Sevilha

Paseo de Nuestra Señora de la Ó, às margens do Rio Guadalquivir, à sombra do antigo castelo que serviu à Inquisição


Nem todas as memórias de Triana são tão belas quanto seus azulejos. No Século 15, o bairro foi o palco da "inauguração" do Tribunal do Santo Ofício, a Inquisição, na Espanha.

Os Reis Católicos Isabel de Castela e Fernando de Aragão eram jovens, acossados por potências estrangeiras e questionados no direito ao trono do país que tentavam unificar.

Capela del Cármen ou El Mechero no Bairro de Triana em Sevilha
Beco da Inquisição no Bairro de Triana em Sevilha

No alto, um detalhe da Capela del Cármen. Acima, o Beco da Inquisição


A saída foi cortejar a fé, empenhando-se numa última cruzada contra os mouros e autorizado a instalação da Inquisição, em 1482, dez anos antes de derrotarem Granada, último reino muçulmano, e completarem a reconquista cristã da Península Ibérica.

O local escolhido como quartel general da Inquisição foi o Castelo de São Jorge, na margem trianera do Rio Guadalquivir.

Street art no bairro de Triana em Sevilha
Tem street art no bairro. Abaixo, o Mercado de Triana, instalado no Castelo de São Jorge, antiga sede da Inquisição

Mercado de Triana no Castelo de São Jorge em Sevilha

Hoje, sobre os vestígios da fortaleza do Santo Ofício, funciona um mercado. A margem do rio, pisada por tantos condenados a caminho dos autos de fé da Inquisição, deu lugar a um dos lugares mais plácidos de Triana, o Paseo de Nuestra Señora de la O, perfumado pelas laranjeiras e cheio de banquinhos para quem quiser apenas sentar e contemplar a beleza de Sevilha, do outro lado do rio.

O Callejón de la Inquisición ("Beco da Inquisição"), por onde circulavam soldados e prisioneiros, hoje parece apenas uma ruazinha sossegada e sem nada de notável.

bairro de Triana em Sevilha
bairro de Triana em Sevilha
Triana convida a um passeio sem pressa, com pausas para bebericar e provar comida de rua. Nem a estátua viva resistiu ao cheiro das castanhas assadas 😊 


Na Triana de hoje há muito pouco em pedra e cal para para evocar a memória do Siglo de Oro (o apogeu do império espanhol). Provavelmente, porque o ouro e o esplendor daquele tempo passavam longe da fisionomia e da vida do bairro, concentrados na outra margem do Guadalquivir

A Igreja de Santa Ana, a mais antiga de Sevilha, talvez seja o único monumento do Século de Ouro ainda de pé em Triana, onde a maioria das construções da época eram muito mais precárias.

Igreja de San Jacinto no Bairro de Triana em Sevilha
Igreja de São Jacinto no bairro de Triana em Sevilha
Igreja de Santa Ana, Bairro de Triana, Sevilha
A Igreja de San Jacinto é um dos ícones do Barroco Sevilhano

Mas passear pelas ruas de Triana é fundamental para entrar em contato com a alma de Sevilha.

Se é verdade — e eu acredito — que a essência de um lugar é o seu povo, Triana é a essência sevilhana, porque o povo pode ter sido deixado de fora do banquete permanente na capital do Atlântico, mas fez a sua própria festa no velho arrabal.

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Bairro de Triana em Sevilha


A Espanha na Fragata Surprise - post-índice

Madri
Andaluzia: CádisCórdobaGranadaRonda e Sevilha
Castela e La Mancha: Toledo

Castela e Leão: SegóviaCatalunha: BarcelonaGirona Tarragona
Comunidade Valenciana: Valência
Galícia: Santiago de CompostelaCaminho de Santiago e cidades da rota



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4 comentários:

  1. Oi, Cyntia adorei o seu blog, muito bom. Queria muito conhecer o bairro Triana e passar bastante tempo por lá. Mas não tinha encontrado nada com essa riqueza de detalhes. Só que estou um pouco perdida por onde começar, vou ficar hospedada ao lado da Catedral, tenho que atravessar a ponte e também queria primeiro ir na Torre del Oro e depois ajustar as informações que vc colocou. Pretendo almoçar por lá. Se voce puder me ajudar fico agradecida, eu e minha amiga temos mais de setenta anos ai gostamos de ir com tudo anotado pra ficar mais fácil. Abraços

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    1. Lea, saindo da Catedral, atravesse a Plaza del Cabildo (que é linda, mais parece o pátio de um palácio e tem uma loja famosa que vende doces conventuais). Depois disso, desça a Calle 2 de Mayo até o Paseo de Colón; Chegando lá, a Torre do Ouro estará cerca de 300 metros à sua esquerda. Depois da visita, é só retornar ao paseo Colón e caminhar no sentido contrário.
      Vc vai passar pela porta da Praça de Touros de La Maestranza (vale muito a visita). Logo a seguir está a Ponte de Triana (ou Ponte de Isabel II, que é o nome oficial). Aí, é só atravessar a ponte e vc estará no bairro.
      Aproveite Sevilha por mim.
      abs

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  2. Oi,Cyntia.Estou indo para Sevilha em dezembro e me programei para um passeio rápido por Triana.Depois de ler esse seu belíssimo relato apaixonado resolvi me perder pela região. Muitíssimo obrigada.

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