16 maio 2002

Cáceres: a "cancela alfandegada"

Aduana de Fortuna (MT), na fronteira Brasil-Bolívia
Duzentos e cinqüenta quilômetros –133 deles sem asfalto –, 15 precárias pontes de madeira, buracos, trechos de mata fechada. Esse é o percurso cotidiano dos quatro auditores-fiscais lotados na Inspetoria da Receita Federal em Cáceres (MT), 1ª Região Fiscal, para realizar o trabalho de desembaraço de importações e exportações feitas através de Fortuna, na fronteira com a Bolívia.

A estrada deserta margeia a linha divisória com o país vizinho e chega ao "recinto alfandegado" – na verdade, apenas uma cancela a 800 metros de uma das fronteiras mais violentas do país. Por aqui circulam mensalmente US$ 28 milhões em mercadorias, segundo estimativas do Sindicato de Transportes de Carga no Mato Grosso (Sindimat).

Ao lado do Destacamento Militar de Fortuna, do 2º Batalhão de Fronteira, o "recinto alfandegado" conta apenas com um orelhão de funcionamento esporádico e uma árvore como "estrutura". As demais dependências – uma guarita com um sanitário sujo e um pequeno escritório – pertencem ao Exército e não são utilizadas pela Receita Federal.
São 15 pontes caindo aos pedaços no caminho para Fortuna
Lotada na Inspetoria de Cáceres, uma auditora confessa que, a cada vez que sobe num caminhão, fica com o coração apertado: "Se eu encontrar drogas ou armas, eu sei que não saio viva de lá", desabafa. Sem qualquer segurança, ela torce pela "inocência" das cargas que fiscaliza e pela boa índole de quem passa pelo local.

A situação de Cáceres, como ocorre em vários outros postos pelo Brasil, denuncia o descaso do governo com as fronteiras e com o funcionalismo público. O "posto" funciona "provisoriamente" há 13 anos e não há perspectiva de que suas instalações sejam adequadas ao que determina a Portaria SRF 1743, de 12 de agosto de 1998, que exige que as áreas destinadas à Receita disponham de "instalações completas e mobiliadas, incluindo copa, sanitários masculino e feminino, linhas telefônicas instaladas nas dependências, vagas privativas para veículos, instalações e equipamentos interligados ao Siscomex (Sistema Informatizado de Comércio Exterior) e outros sistemas informatizados de controle de carga e despacho aduaneiro e depósito de mercadorias apreendidas". Até a cancela, único indício físico do "posto alfandegado", foi obra dos militares do Destacamento de Fortuna.

A "Porteira Preta", ponto de travessia clandestina
 de cargas para a Bolívia
Nos últimos meses, o clima está mais tenso em Cáceres, porque os auditores estão mais exigentes. Desde 1989, quando o posto foi criado, a fiscalização funcionava na base da "palavra de cavalheiro". A mercadoria a ser exportada era vistoriada e liberada em Cáceres e o exportador tinha um prazo de três dias para a carreta sair pela fronteira de Fortuna, onde um homem do destacamento militar apenas anotava as placas de veículos que passavam por lá. Com a importação acontecia o mesmo: anotava-se as placas dos caminhões vindos da Bolívia, na confiança de que iriam até Cáceres para a vistoria e a liberação.

Vaivém de 1.000 Km - Hoje, os quatro auditores encarregados das operações aduaneiras são obrigados a rodar 1.000 quilômetros cada vez que vão realizar um desembaraço. Os primeiros 250 quilômetros, entre Cáceres e Fortuna, para registrar a presença de carga no recinto alfandegado, a volta a Cáceres para registrar as Declarações de Importação ou Declarações de Despacho de Exportação no Siscomex, que só está disponível na sede da Inspetoria, e uma segunda viagem de ida e volta para a realização das conferências físicas e documentais para finalmente liberar a carga. Por conta da precariedade das condições de trabalho, as empresas de transporte são obrigadas a fazer combinações prévias com os fiscais e têm de esperar a liberação da Receita.


O Unafisco Sindical esteve em Cáceres para ver de perto as condições de trabalho dos auditores-fiscais e, na primeira quinzena de maio, protocolou correspondência ao secretário da Receita Federal e à Corregedoria narrando a situação e os riscos que os auditores-fiscais enfrentam no sertão do Mato Grosso. A segunda vice-presidente do Unafisco, Nory Celeste Ferreira, na sua viagem a Cáceres, pôde constatar e documentar o absoluto risco físico e funcional a que estão submetidos os auditores, obrigados a transitar por uma estrada deserta, onde são comuns assaltos, roubos de carga e de veículos. Recentemente, o delegado de Cuiabá negou-se a pedir escolta policial para os auditores-fiscais em suas viagens a Fortuna. Alegou o administrador que precisa de "provas" do risco corrido pelos AFRFs.

Talvez bastasse uma viagem do delegado ao local de trabalho dos auditores para que se convencesse da necessidade de proteção policial. Os 133 quilômetros de barro e buraco desde a BR 070 até Fortuna margeiam a fronteira com a Bolívia em meio à mata. Diversas passagens clandestinas para o país vizinho oferecem rota de entrada e saída para traficantes de drogas, ladrões de carga e bandidos de qualquer espécie. A mais célebre dessas passagens, a "Porteira Preta", dá acesso a uma estrada e está apenas a três quilômetros do país vizinho, sem qualquer vigilância.

(Publicada originalmente na revista Conexão- Unafisco Sindical)





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4 comentários:

  1. Quem diria que dez anos já se passaram! Fiquei muito feliz de encontrar seu blogue, Cyntia. Vou passar a seguir. Um grande abraço!

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    1. Querido Patrick, que bom "encontrá-lo" por aqui!!! Soube que vc tem um blogue muito bacana. Manda o endereço pra mim. Beijos

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    2. Cyntia, anota aí: http://caderno.allanpatrick.net Será muito bem vinda se passar por lá :)

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  2. Tenho também algumas fotos de viagem no flickr http://flickr.com/photos/allanpatrick Um abraço!

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