13 de agosto de 2002

Pacaraima, a fronteira cordial

Pacaraima, Roraima
(foto de Paulo Tasso)
Gasolina, cerveja Polar, bolachas Club Social e vassouras de plástico. A rotina do contrabando apreendido pela Inspetoria da Receita Federal em Pacaraima (RR) não autoriza ninguém a bocejar nem a invejar a tranqüilidade dos dois auditores-fiscais lotados na unidade. "No ano passado, pegamos dois carregamentos de heroína, cada um com 7,5 quilos da droga", conta o inspetor. Mas, apesar de trabalharem no extremo-norte do Brasil, na fronteira com a Venezuela, os dois auditores têm mais histórias de cordialidade do que de hostilidade e isolamento.

Um deles chegou há três anos, aprovado no concurso de 1998. Quarenta e nove anos, recém-divorciado, filhos na Universidade. "Já que estava virando a página de minha vida, resolvi virar logo o livro todo de cabeça para baixo". Queria um lugar tranqüilo. Tinha trabalhado mais de dez anos como técnico da Receita em São Paulo, e um auditor que passara por Pacaraima recomendou-lhe o lugar, onde hoje está plenamente adaptado e sem vontade de sair. "A gente só fica desconfortável se a cidade não é o que a gente queria". Casou-se com uma roraimense que mora em Boa Vista, a duas horas de viagem, e a quem encontra nos finais de semana. Descreve sua rotina como tranqüila. "Medo eu tinha em São Paulo. Não é porque o lugar é fronteira que tem que ser perigoso".

"Muitos colegas que vêm para a fronteira já chegam de costas, só pensando no dia de ir embora. Aí, vivem mal, não fazem amigos, não se adaptam. Só juntam dinheiro e se martirizam", avalia o auditor. Ele já se considera "naturalizado", muito influenciado pela beleza natural da região e da esposa.

Seu colega mais novo no posto chegou em janeiro de 2002. Solteiro, 32 anos, já passou por momentos de insatisfação com o município de 6.990 habitantes, apenas 2.760 deles na área urbana, e 296 homens a mais que as mulheres (IBGE-2000). Nascido em Itaueiras (PI), ele também foi técnico da Receita por nove anos. "No início eu estranhei, mas agora estou mais tranqüilo. Talvez eu fique por aqui", diz ele, que já transferiu o título de eleitor para Pacaraima.Apesar de se considerar adaptado, ele teve a dimensão exata do isolamento em meados de julho. Perdeu um irmão num acidente de moto, no Piauí. Apesar dos cinco dias de licença a que teria direito, optou por não ir ao funeral: "Não ia dar tempo de ir e voltar".

Pacaraima está ligada a Boa Vista por 170 quilômetros de uma estrada asfaltada e em boas condições. Mas há poucos vôos ligando Boa Vista ao resto do Brasil, todos eles com conexão em Manaus (AM).

A Inspetoria de Pacaraima tem orgulho de seu movimento. Por ali passam, na direção da Venezuela, carregamentos de peixe – o curimatã é um item de exportação muito apreciado –, madeira processada, cimento e sandálias de borracha. Recentemente, a Volvo e a Scania descobriram a rota para suas exportações de ônibus para o país vizinho. Os veículos, fabricados em Santa Catarina, em São Paulo e no Paraná, seguem até Porto Velho (RO). De lá vão de balsa até Manaus e, novamente pela estrada, atravessam a fronteira em Pacaraima. São seis ou sete dias de viagem e "acaba saindo mais barato que dar a volta no continente, de navio", acredita o inspetor da Receita. No ano passado, o volume de exportações de ônibus por lá chegou aos US$ 5 milhões.

Ele sonha com o estado de Roraima transformado num grande entroncamento de exportações. "Daqui, dá para abastecer a Venezuela e todo o Caribe, sem esquecer que, pela Guiana Inglesa, pode-se ter acesso à Inglaterra e ao mercado europeu". Mas, por enquanto, o movimento de 30 a 35 mil carros por mês tem como grande motivação o contrabando de gasolina da Venezuela, o quinto produtor de petróleo do planeta. O produto acabou se tornando uma aposta para muita gente que arrisca a vida transportando até 750 litros, mal acondicionados em garrafas plásticas, para vender no Brasil. No dia desta reportagem, um carro foi flagrado tentando passar com 35 litros de gasolina em embalagens de refrigerante do tipo pet.

Reportagem publicada originalmente na revista Conexão- Unafisco Sindical 




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