Quanto mais a gente esquece o mapa, melhor fica a Alfama |
Um passeio que eu curto muito em Lisboa é o roteiro pela Alfama e Castelo de São Jorge. Adoro contemplar a cidade das muralhas da fortaleza, ponto mais alto da capital portuguesa, e depois descer ladeiras e escadarias do bairro sem me preocupar muito com o mapa — pra baixo, todo santo ajuda.
A Alfama, sem dúvida, vive uma contradição: é um dos bairros
mais representativos da velha Lisboa — parte considerável de suas construções sobreviveu
ao terremoto de 1755 — ao mesmo tempo em que é diariamente invadido pelo que o
Século 21 tem mais chato a oferecer, o overtourism e as exigências das redes
sociais.
Os tuc-tucs são um inferno, mas a Alfama ainda é um lugar onde mora gente |
Mas nem as hordas de turistas gravando vídeos, nem o vai e vem barulhento dos tuc-tucs, nem os funcionários de restaurantes mercando seus quitutes nas calçadas pra atrair clientes conseguem estragar a Alfama.
Saindo das ruas principais, a gente sempre encontra as velhas fachadas, as roupas nos varais e o sotaque inconfundível do lugar onde mora gente.
Todos os caminhos da Alfama levam ao Castelo |
Este roteiro pela Alfama e Castelo de São Jorge aponta os principais monumentos da área, mas não se limite às atrações com pedigree. Entre uma visita e outra, perca-se, suba, desça e arrisque. O passeio vai ficar muito melhor assim.
Veja as dicas:
No Alto, as torres da Sé de Lisboa e a Alfama vistos do Elevador de Santa Justa. Acima, o Castelo de São Jorge e o bairro clicados do Miradouro de São Pedro de Alcântara |
Um pouquinho da história da Alfama
Entre os séculos 8º e 12, quando os muçulmanos reinavam em al-Ushbuna (o nome árabe de Lisboa), a Alfama já estava lá, derramando-se desde as muralhas da Fortaleza da Alcáçova (futuro Castelo de São Jorge) rumo ao Tejo.
Alfama vem do árabe al-hamma ou “fonte de águas quentes”. E, de fato, até depois da Idade Média, o bairro foi conhecido por suas fontes — ainda estão de pé o Chafariz de El-Rei (Rua do Cais de Santarém nº 23) e o Chafariz de Dentro (Largo do Chafariz de Dentro s/n), ambos do Século 13. Alguns banhos públicos (ou alcaçarias) estiveram ativos até o começo do Século 20.
O que as fachadas mais adornadas por roupas nos varais do que por azulejos não contam é que a Alfama já foi chique, desde o tempo dos mouros. Os mais pobres viviam na parte baixa do bairro, fora da muralha.
Foi a partir da Idade Média, já sob governo cristão, que os
pescadores, marinheiros e lavadeiras começaram a subir as ladeiras e a se
instalar na porção mais alta da Alfama.
Meu truque pra passear confortavelmente pela Alfama é começar lá no alto, no Castelo. Pra baixo, todo santo ajuda |
A fama de bairro pobre e autêntico atraiu boêmios para as casas de fado e tabernas da Alfama, no Século 19. No Século 20, pobreza e precariedades tornaram o bairro um primo do Raval de Barcelona e dos Quartieri Spagnoli de Nápoles. Foi o turismo — esse mesmo que hoje ameaça sufocar a Alfama —quem contribuiu para a revitalização da área.
Roteiro pela Alfama e Castelo de São Jorge
⭐Castelo de São Jorge
Rua de Santa Cruz do Castelo s/n
O Castelo de São Jorge está profundamente ligado à história de Lisboa. No alto, a fortaleza fotografada do terraço do Elevador de Santa Justa |
O Castelo de São Jorge tem muita história pra contar. No Século 2º a. C. já havia uma fortificação romana no local. Antes disso, no Século 4º a.C., é provável que fenícios, gregos e cartagineses tenham andado por lá. A Fortaleza também é um ponto perfeito pra se ver Lisboa (quase) de corpo inteiro.
Das muralhas do Castelo de São Jorge dá pra ver Lisboa quase de corpo inteiro |
Desde a primeira vez em que estive no Castelo de São Jorge, gosto de ficar hooooras passeando por seus recantos. Mas uma pessoa mais objetiva pode reservar cerca de duas horas para a visita aos espaços museológicos, para caminhar sobre as muralhas e curtir seus pátios muito românticos.
Acho os pátios do castelo muito românticos |
Saiba mais sobre o Castelo de São Jorge:
Mirantes de Lisboa
Como chegar ao Castelo de São Jorge
O único transporte que vai deixar você na porta do Castelo é o táxi, pois só os moradores da área têm autorização para circular de automóvel nas proximidades.
O ônibus 737, que sai do Largo da Figueira, deixa você a 100 metros da bilheteria (é ladeira, mas é uma caminhada curtinha). Como é a parada final da linha (parada Castelo), não vai ter muito como errar.
Os automóveis que você verá nas imediações do castelo são de moradores da área. Repare na foto acima uma barreira que impede a circulação de veículos não autorizados |
Se decidir pelo pacote-completo-turistão, dá pra chegar com o legendário Elétrico (bonde) 28 — que eu aposto que vai estar lotado. Desça no Miradouro de Santa Luzia e suba cerca de 300 metros. Outra possibilidade é descer no Miradouro das Portas do Sol e também caminhar 300 metros (também ladeira acima).
O Elevador do Castelo (edifício com azulejos) é uma das formas de encurtar as subidas desde a Baixa até a fortaleza |
Uma possibilidade que ainda não testei, mas parece tentadora, é ir caminhando desde a Baixa, com o auxílio dos elevadores do Castelo (embarque na Rua dos Fanqueiros) e do Parque do Chão do Loureiro (embarque no Largo do Caldas) ou das escadas rolantes da Saúde. Mas essa é uma opção pra quem está com fôlego e joelhos em dia.
Horários: o Castelo de São Jorge pode ser visitado diariamente, das 9 às 21h, de março a outubro. No inverno (novembro a fevereiro) abre das 9h às 18h.
Ingressos: €15. Visitantes entre 13 e 25 anos pagam meia-entrada. Maiores de 65 e pessoas com deficiência pagam €12,50. Entrada da gratuita com o Lisboa Card e para crianças até 12 anos de idade.
Não tenha pressa no passeio pelas ladeiras e escadarias da Alfama |
A partir de agora, o passeio será na descida. Se você não
chegou de bonde ao castelo e já aproveitou para ver o Miradouro das Portas do Sol
ou o Miradouro de Santa Luzia, sugiro que eles sejam as suas próximas paradas.
O Miradouro das Portas do Sol tem uma parada de bonde bem na porta. O edifício em frente é o Museu de Artes Decorativas |
O Miradouro das Portas do Sol está a apenas 300 metros do castelo. Mas não vá até lá em linha reta. A grande graça da Alfama é esquadrinhar suas ladeiras e escadarias e namorar suas fachadas simples e brejeiras.
Aliás, eu gosto do Miradouro das Portas do Sol porque ele oferece uma vista mais íntima para
o bairro da Alfama. Os telhados, ladeiras, quintais e varais de roupa ficam em primeiro plano e isso desfoca o resto da cidade ao longe, construindo um enquadramento aconchegante.
O Miradouro das Portas do Sol tem vista para os bastidores da Alfama |
O belo edifício que fica bem em frente ao mirante é o Museu de Artes Decorativas (Largo das Portas do Sol nº 2, aberto de quarta a segunda, das 10h às 17h, ingresso de € 10).
Menos de 100 metros abaixo, fica o Miradouro de Santa Luzia,
de onde se tem uma vista mais escancarada de Lisboa e do Tejo. Esse mirante
costuma estar bastante movimentado, e não é pra menos: se você estiver
procurando uma paisagem como pretexto pra se apaixonar pela cidade, vai encontrá-la aqui.
Atrás do jardim sossegado e da simpática igrejinha está um dos melhores mirantes de Lisboa |
Ao lado do mirante está a Igreja de Santa Luzia, do Século 12 (e reconstruída no Século 18, depois do terremoto de 1755). Preste atenção aos painéis de azulejos que decoram as paredes da igreja, onde estão representadas a conquista de Lisboa pelos cristãos e uma cena da Praça do Comércio.
Museu do Aljube - Resistência e Liberdade
Rua de Augusto Rosa nº 42, Alfama
Eu gostei demais da visita ao Museu do Aljube |
Do Miradouro de Santa Luzia, basta descer 600 metros pela Rua
Augusto Rosa para chegar ao Museu do Aljube, uma das visitas mais impactantes
que fiz nesta passagem mais recente por Lisboa. O museu resgata a memória da
resistência à ditadura que submeteu Portugal entre 1926 e 1974.
O edifício do Aljube foi usado como prisão desde o tempo da
ocupação moura (séculos 8º ao 12) e no período salazarista foi um célebre centro
de torturas por onde passaram opositores do regime de todos os matizes — e muitos
não saíram vivos de lá.
O tema é pesado, mas a visita é estimulante. O roteiro
expositivo do Museu do Aljube é muito bem organizado e didático e seguramente
vai envolver qualquer pessoa que se interesse por História e faça questão de entender
o mundo em que a gente vive hoje.
A Sé de Lisboa em obras e o Rio Tejo vistos do Museu do Aljube |
Reserve 1 hora para ver os cinco andares do museu com calma.
Falei com detalhes sobre o Museu do Aljube em um post
exclusivo sobre os museus de Lisboa que eu tenho certeza que você vai curtir: 5 museus de Lisboa que merecem muito entrar na sua lista
Horários: as visitas ao Museu do Aljube são feitas de terça a domingo das 10h às 18h. Fecha às segundas-feiras.
Ingressos: € 3. Jovens de 13 a 25 anos pagam meia-entrada e
maiores de 65 pagam € 2,60. Crianças até 12 anos entram gratuitamente.
Almoço na Alfama
Esse arroz de polvo que almocei na Alfama estava bem gostosinho |
Se eu fosse você, consultava o site Time Out Lisboa pra escolher um lugar próximo ao Aljube e à Sé para almoçar.
No meu passeio mais recente pelo bairro — em pleno feriado do 25 de Abril — almocei em um restaurante de comida portuguesa mais próximo da Baixa. O lugar se chama O Sopinhas (Rua da Madalena nº 50), Não é o caso de se despencar ladeira abaixo pra ir até lá, mas, se estiver nas proximidades, é bom saber que a casa serve comidinha gostosa a preços honestos.
Sé de Lisboa
Largo da Sé nº 1
A rosácea da fachada é um dos destaques da Sé de Lisboa |
A Sé de Lisboa pode até não ser tão bonita quanto a Catedral de Évora ou a famosíssima Sé de Braga (essa, mais antiga do que o próprio Portugal), mas tem muitos encantos.
O altar-mor e os órgãos da catedral são do período Barroco |
Ao estilo românico original os séculos foram acrescentando elementos góticos e barrocos e o resultado do conjunto é muito bonito.
As feições da Catedral são de quase-fortaleza |
Preste atenção na rosácea da fachada, do Século 12, arrematada por um vitral da década de 1930 que buscou reconstituir o original, destruído no terremoto de 1755.
No alto, o Coro e a Rosácea da Catedral. Acima, uma Pietá barroca |
Apontados como o maior tesouro da Catedral de Lisboa, os Painéis de São Vicente de Fora, do Século 15, já não estão expostos na Sé: eles fazem parte do acervo do excelente Museu Nacional de Arte Antiga — uma visita que também não pode faltar em seu roteiro por Lisboa.
Horários: entre novembro e abril, a Catedral pode ser visitada de segunda a sábado, das 10h às 18h. Entre maio e outubro, as visitas são às segundas, terças, quintas e sextas das 9:30h às 19h e às quartas e sábados das 10h às 18h. Fecha aos domingos e dias santos.
Ingressos: € 5. Visitantes com 7 a 12 anos pagam € 3. Crianças
até 6 anos entram gratuitamente.
Largo de Santo António da Sé
A Igreja de Santo António e a Catedral são vizinhas de porta. Olha elas quase juntinhas na foto do alto |
Se a Sé de Lisboa tem a autoridade das catedrais, o templo
mais popular da cidade é o que está logo abaixo na ladeira. A Igreja de Santo
António de Lisboa foi construída no Século 15, no local onde nasceu e viveu o
santo, e está sempre movimentada com os fiéis do padroeiro da cidade.
Muito afetada pelo terremoto de 1755, a Igreja de Santo
António foi reconstruída quase do zero, ao longo de quase 50 anos, graças a uma
campanha de donativos empreendida pelas crianças da cidade — “Um tostão para
Santo António”.
A Igreja de Santo António precisou ser quase toda reconstruída após o célebre terremoto de 1755 |
No subsolo na igreja, ainda é possível ver os restos de um aposento medieval bem pequenininho, apontado como parte da casa onde nasceu o futuro santo, em 1195.
Frade do Mosteiro de São Vicente de Fora, António estudou em
Coimbra e ingressou na recém fundada Ordem dos Franciscanos, no início do
Século 13. Foi um pregador muito popular na Itália, onde passou a maior parte
da vida e onde morreu, em 1231. na cidade de Pádua, onde está sepultado.
De manhã cedo, a Igreja de Santo António já estava lotada,
no dia 13 de junho |
Em Lisboa, é cultuado como o santo de casa que faz milagres. A cidade para pra celebrar o dia de Santo António, todo 13 de junho, uma festa popular adorável, que eu acompanhei na viagem de 2016;
Veja que bacana:
Entrada gratuita.
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