23 de novembro de 2017

Comer em Salvador: a tradição do Mini Cacique

Cozido do restaurante Mini Cacique, no Centro Antigo de Salvador
O cozido do Mini Cacique é um patrimônio de Salvador

Atualização: infelizmente, após 46 anos de funcionamento, o velho Mini Cacique sucumbiu. O restaurante de tanta tradição e alegres almoços foi fechado no final de 2020. O post permanece aqui no blog como homenagem ao Mini Cacique e outros resistentes do Centro Antigo de Salvador.

O Centro Antigo de Salvador é um fenômeno. Negligenciado, fora de moda e maltratado, consegue preservar algumas pérolas da tradição baiana, seja em pedra e cal, personagens ou sabores. É o caso do precioso Restaurante Mini Cacique, um dos velhos resistentes da boa mesa ainda de pé na cidade.

Se você gosta de comida saborosa, farta e a preços honestíssimos, precisa colocar o Mini Cacique na sua agenda — ele combina muito bem com um passeio pelo Centro Histórico e Pelourinho. Basta uma caminhadinha de 600 metros, descendo a Rua Chile, partindo do Elevador Lacerda.

A grande estrela da casa é o cozido, servido no almoço das quintas-feiras. A Fragata foi lá conferir esse patrimônio histórico de Salvador. E quase que o post não sai, de tanto que o nosso colunista de gastronomia, Bruno Santana, se esbaldou nas delícias do Mini Cacique  😉.



Comer em Salvador: Mini Cacique



Salvador, Bahia, Elevador Lacerda
O restaurante fica a apenas 600 metros dessa vista maravilhosa
Mini Cacique, um microssomo do Centro Antigo de Salvador
por Bruno Santana

O Centro Antigo de Salvador não teve a mesma sorte dos seus análogos em lugares como São Paulo ou Rio de Janeiro, onde o coração da cidade continua a ser, de fato, o centro — lugar onde as pessoas convivem e trabalham e onde as coisas acontecem. Na capital baiana, toda a atividade comercial e cultural que caracterizava a relevância daquele lugar acabou migrando para outras partes da cidade.

Assim, temos no antigo coração da cidade uma mera sombra da sua forma de outrora; alarmantemente suja e mal-cuidada, porém não menos fascinante. E quase sempre melancólica. Mas nem toda melancolia deve ser evitada. Especialmente quando for acompanhada de um bom prato de comida.

Cozido do Restaurante Mini Cacique, Salvador
Meu singelo pratinho de cozido

É aqui que entra o Mini Cacique. Localizado atrás da Igreja de Nossa Senhora da Ajuda, numa rua paralela à lendária Rua Chile (onde há cerca de um ano foi reinaugurado, lindo e chique, o tradicional Palace Hotel) e pertinho da Praça Castro Alves, o restaurante é uma verdadeira instituição gastronômica baiana, embora dispense toda a pompa geralmente associada ao título. O lugar é discreto, honesto e acolhedor.

Suas origens remontam ao antigo restaurante Cacique, que reinou elegante e badalado no estacionamento do antigo Cine Guarany (hoje, Espaço Itaú Glauber Rocha), ali ao lado, até o fim da década de 60. Infelizmente, dois incêndios deram cabo do Cacique e ele foi fechado. 

Foi então que o gerente do velho restaurante, o descendente de espanhóis Luis Martinez Esteves, resolveu continuar a tradição em novo espaço — e assim o faz desde então, há 43 anos, com sua esposa Caline Sena e mais quatro mulheres, todas cozinheiras de mão cheia.

Restaurante Mini Cacique, no Centro Antigo de Salvador
Atendimento acolhedor e cara de casa de amigos

Foram Luis e Caline que transformaram a típica casa do Centro Antigo em restaurante, preservando parcialmente a separação de ambientes e criando um espaço acolhedor, decorado por uma infinidade de quadros com todas as temáticas e estilos possíveis — e na parte de trás, para coroar, a varanda oferece uma bela vista da Barroquinha. 

O atendimento acolhedor do Mini Cacique faz com que você se sinta um velho amigo de todos no ambiente. A atmosfera relaxada, frequentada basicamente por trabalhadores da região e pessoas que parecem estar chegando em casa, após um longo dia de serviço, só contribui para essa reconfortante impressão.

O cardápio do Mini Cacique tem alguns itens servidos todos os dias, mas as especialidades da casa são servidas especificamente em diferentes dias da semana — na sexta-feira, por exemplo, temos vários exemplares da comida baiana, como moquecas de peixe e camarão ou xinxim de galinha.

Vista do Centro Histórico de Salvador do Restaurante Mini Cacique, Salvador
A varanda do Mini Cacique tem vista para o histórico bairro da Barroquinha

A grande estrela da casa, entretanto, é servida às quintas-feiras: o famoso cozido, num estilo que combina as características brasileiras do prato (como o essencial pirão) com elementos da sua versão espanhola — basta ver o punhado de grãos-de-bico que adorna a folha de couve, acima de todos os outros ingredientes.

Vejam bem: eu não sou especialista em muitas coisas nessa vida, mas creio ser qualificado o suficiente para apresentar-me como um entusiasta de (provar) cozidos. E este servido no Mini Cacique está, sem dúvida, entre os melhores que já comi.

O pirão perfeitamente temperado e na concentração certa de sabor, a seleção exata de vegetais (batata, abóbora, jiló, maxixe, chuchu, aipim e quiabo) e a quantidade certa de carnes, com partes do boi e do porco, tudo saborosíssimo e (coisa difícil em se tratando de cozidos) no ponto exato do sal. Meu pai, Marcelo, que me acompanhava — e outro grande especialista em cozidos —, compartilhou da mesma opinião.

Doce de banana típico da Bahia servido no Restaurante Mini Cacique, em Salvador
Doce de banana de rodinha: como disse o poeta, "a Bahia tem um jeito..."

Apesar de satisfeitos com o prato principal, ainda arranjamos espaço para provar uma das minhas sobremesas preferidas na vida: o doce de banana, na sua versão tipicamente baiana — com rodelas inteiras e macias, num tom sensual de roxo após horas de cozimento com o açúcar, e um leve sabor de cravo e canela. Veredito: absolutamente fenomenal.

No fim, pagamos, na refeição para duas pessoas com uma Coca-Cola, R$52 (o cozido, que serve dois, custa honestos R$40).

Cardápio do Restaurante Mini Cacique, casa tradicional no Centro Antigo de Salvador


Já valeria a pena uma visita se o restaurante consistisse apenas nessa excelente comida por um ótimo preço, mas uma ida ao Mini Cacique envolve muito mais que isso.

É uma forma de sentir, ainda que brevemente, um clima que não existe mais em Salvador e, principalmente, no antigo Centro; como se assumisse o papel de uma câmara hermética e capturasse os ares de um tempo perdido, a casa é um convite à nostalgia — até mesmo daqueles que, como eu, não viveram aqueles tempos. Neste sentido, o Mini Cacique é quase mágica.

Restaurante Mini Cacique
Rua Ruy Barbosa, 29, Centro. De segunda a sexta, das 11h30 às 15h30.
(Dica importante: se puder, evite ir de carro. Estacionar nas redondezas está se provando uma tarefa cada vez mais difícil e/ou cara.)





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Um comentário:

  1. O último do centro história.
    Excelente comida, atendimento, ambiente... O senhor deveria voltar para provar o pão da padaria do Elevador ,Lacerda, a cachaça, de Ubaíra com limao e a Paella.

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