15 de maio de 2016

A história da Colômbia em três museus de Villa de Leyva

Museu Casa de Antonio Nariño, Villa de Leyva, Colômbia
Museu Casa de Antonio Nariño, pra aprender um pouco da história da Colômbia, conhecer um lutador pela independência e imaginar a vida cotidiana em um belo casarão colonial

Vocês já sabem que eu gosto de casas-museus, né? Acho muito legal conhecer espaços que preservam aspectos da vida cotidiana de personagens interessantes e, ao mesmo tempo, acabam documentando o jeito de viver de uma certa época ou cultura.

Os museus de Villa de Leyva foram uma festa pra mim, pois a cidade tem três casas-museus muito legais.

Duas dessas casas transformadas em museus pertenceram a heróis da independência da Colômbia — o ex-presidente Antonio Nariño e o comandante militar Antonio Ricaurte.

A terceira casa é do interessante artista plástico Luis Alberto Acuña, que doou o imóvel à cidade junto com um acervo de obras sua e outras peças de interesse artístico e histórico.

Museu Luís Alberto Acuña - Villa de Leyva, Colômbia
Museu de Luís Alberto Acuña: o legado do artista a Villa de Leyva

Além de conhecer a trajetória dos três personagens, a visitar os museus de Villa de Leyva são uma ótima maneira de ver por dentro três autênticas casas históricas dessa cidade colonial da Colômbia.

Restauradas e mobiliadas, as casas permitem imaginar como a vida cotidiana transcorria em seus pátios, o centro da convivência nos lares coloniais, imaginar o almoço no fogão a lenha ou as conversas ao pé do fogo.

Veja como foram as minhas visitas ao Museu Casa Antonio Nariño, Museu Casa Antonio Ricaurte e à Casa Museu Luís Alberto Acuña, em Villa de Leyva, três encontros com a História da Colômbia:

3 museus de Villa de Leyva, Colômbia


Museu Casa de Antonio Nariño, Villa de Leyva, Colômbia
Museu Casa de Antonio Nariño, na rua principal da Villa de Leyva

⭐Casa Museu Antonio Nariño 
Carrera 9ª nº 10-25. 
Visitas diárias (exceto às quartas-feiras) das 9h às 12h e das 14h às 17h. Entrada gratuita.

Quando a cultura do trigo entrou em declínio na província de Boyacá, no finalzinho do Século 17, a Villa de Leyva mergulhou numa daquelas clássicas modorras econômicas. O adeus ao progresso não serviu apenas para preservar as feições coloniais da cidade para nós, visitantes do Século 21. O sossego do pueblo o tornava atraente como local de retiro e descanso.

Foi assim que a vila entrou na vida conturbada de Antonio Nariño, um dos próceres da independência, jornalista, comandante militar e terceiro presidente da República da Colômbia.

Museu Casa de Antonio Nariño, Villa de Leyva, Colômbia
Totens expostos no museu lembramos 17 artigos da Declaração Universal dos Direitos do Homem, herança da Revolução Francesa que impulsionava a luta de Nariño

Visitar o casarão onde Antonio Nariño passou os últimos meses de vida é uma ótima chance de saber mais sobre o processo de independência da Colômbia e sobre esse personagem que conheceu tudo, menos a monotonia.

Nariño, filho da aristocracia da Nova Granada (o nome colonial da Colômbia), já era muito bem sucedido no comércio de café e chá aos 20 anos de idade.

Museu Casa de Antonio Nariño, Villa de Leyva, Colômbia
O balcão interno do primeiro andar e uma janela voltada para a rua. O beiral em "escadinha" permitia sentar e apreciar o movimento

Mas o coração dele estava longe dos altos círculos de Santa Fé (antigo nome de Bogotá), encantado com as ideias igualitárias e liberais que sopravam de Paris, desde a Revolução de 1780.

Em 1793, Nariño investiu parte de sua fortuna na impressão clandestina da Declaração dos Direitos do Homem, texto proibido pela Inquisição nas colônias espanholas. A ousadia lhe custou sua primeira de muitas prisões — de seus 58 anos de vida, 21 foram passados no cárcere.

Museu Casa de Antonio Nariño, Villa de Leyva, Colômbia
O alpendre voltado para o quintal abrigava o fogão a lenha

A declaração de independência, em 1810, arrefeceu a sucessão de prisões e perseguições a Antonio Nariño, mas nem isso lhe trouxe sossego.

O que se seguiu à separação da Espanha, o período que os colombianos chamam de “Pátria Boba”, foram seis anos de fragmentação do país, enquanto os espanhóis tentavam retomar o controle do território. E lá se foi Nariño combater — para acabar de novo na prisão.

Museu Casa de Antonio Nariño, Villa de Leyva, Colômbia
O acervo tem móveis e utensílios do Século 19

Com uma vida dessas – e passagens pela chefia de governo da província de Cundinamarca, Vice-Presidência e Presidência da República — não é à toa que ele quisesse um pouco de sossego e clima seco para tratar da saúde.

Isso Nariño encontrou em Villa de Leyva, entre as paredes espessas do casarão colonial debruçado para o que hoje é a rua principal da cidade. Foram poucos meses de retiro, porém: ele morreu em Leyva, no final de 1823.

Museu Casa de Antonio Nariño, Villa de Leyva, Colômbia
O uniforme militar usado por Nariño, documentos e cenas de batalhas em um dos salões do casarão

O casarão que serviu de retiro a Nariño é muito bonito, dono de um pátio colonial para o qual estavam voltados os principais aposentos do edifício e os balcões internos no primeiro andar.

Num plano menos “social” e mais doméstico está uma espécie de varanda, nos fundos da casa, onde funcionava a cozinha, voltada para um jardim onde também eram cultivadas hortaliças e criados animais.

Museu Casa de Antonio Nariño, Villa de Leyva, Colômbia
A sala de visitas da Casa de Antonio Nariño, no primeiro andar. Abaixo, a fachada principal do casarão

Museu Casa de Antonio Nariño, Villa de Leyva, Colômbia


Além de peças de mobiliário, documentos e utensílios domésticos do início do Século 19, o Museu Casa Antonio Nariño exibe em totens os 17 artigos da Declaração dos Direitos do Homem, a grande inspiração da luta de seu famoso morador.

⭐Museu Luís Alberto Acuña
Carrera 10ª, nº 12-83, Plaza Mayor. 
Visitas: diariamente, das 10h às 13h e das 14h às 18h. Ingresso: 6.000 COP (R$ 7)


Museu Luís Alberto Acuña - Villa de Leyva, Colômbia
Gostei especialmente desta escultura de Acuña, exposta  no pátio do museu dedicado ao artista

Museu Luís Alberto Acuña - Villa de Leyva, Colômbia


O pintor e escultor Luís Alberto Acuña também buscou Villa de Leyva como local de retiro e inspiração, instalando-se em um casarão da época da colônia.

Crítico, professor e historiador da arte, Acuña estudou na Europa e não era estranho ao academicismo, mas foi um entusiasta da estética e da cosmogonia dos povos originais da Colômbia, transitando entre esses dois mundos com desenvoltura.

Museu Luís Alberto Acuña - Villa de Leyva, Colômbia
Peças coloniais da coleção de Acuña, que também trabalhava como restaurador

Acuña (1904-1994) foi diretor da Escola de Belas Artes da Colômbia e administrador do Teatro Colón de Bogotá.

O artista é mais conhecido como um dos líderes do Movimento Bachué, que guarda semelhanças como a Antropofagia dos modernistas brasileiros, na medida em que buscava uma ruptura com as influências acadêmicas e europeias para encontrar no imaginário indígena e dos camponeses uma nova linguagem.  

Bachué é a deusa-mãe do povo Muisca e uma escultura dessa divindade, realizada pelo artista Rómulo Rozo, é considerada a obra fundadora do movimento artístico.

Museu Luís Alberto Acuña - Villa de Leyva, Colômbia
O pátio colonial do casarão de Acuña, decorado com obras do artista representando Villa de Leyva na época colonial e motivos indígenas 

Museu Luís Alberto Acuña - Villa de Leyva, Colômbia


No casarão de Villa de Leyva, Acuña dedicou-se à sua arte e a reunir peças sacras (que ele gostava de restaurar) e obras de artistas populares que hoje compõem o acervo do museu de fachada imponente, um dos edifícios que mais se destacam na Plaza Mayor da cidade.

O casarão e todo seu acervo foram doados a Villa de Leyva pelo artista, que fez questão de vê-lo transformado em museu em 1976. A parte mais bonita do museu é o pátio, onde estão três murais executados por Acuña.

Museu Luís Alberto Acuña - Villa de Leyva, Colômbia
Os grandes destaques entre as obras que decoram o pátio são a  escultura Os Meninos Cantores (à esquerda) e o mural dos deuses da civilização Chibcha

Um desses painéis representa a paisagem pré-histórica da região de Villa de Leyva, outro retrata a cidade europeizada do período colonial. O terceiro e mais impressionante é uma recriação dos deuses da mitologia da Civilização Cibcha, grande tronco do qual descende o povo Muisca, antigo senhor da região.

Em Bogotá, é possível ver obras de Acuña na Coleção de Arte do Banco da República, exposta no casarão da Casa da Moeda, onde também funciona o Museu Botero. Trabalhos de Acuña também integram a coleção do MoMa - Museu de Arte Moderna de Nova York 


⭐ Casa Museu Antonio Ricaurte
Calle 15, nº 8-17, Parque Ricaurte. De terça a domingo, das 9h às 12 e das 14h às 17h. Entrada gratuita


 Casa Museu Antonio Ricaurte, Villa de Leyva, Colômbia
Pátio de entrada da casa de Antonio Ricaurte, do começo do Século 18

Dos três personagens homenageados nos museus de Villa de Leyva, o capitão Antonio Ricaurte é o único nascido e criado na cidade, nessa belíssima casa do início do Século 18, vizinha da igreja de San Agustín e em frente a um jardim que leva o nome do capitão.

Filho de uma família aristocrática, neto de marquês, Ricaurte teve contato com as ideias liberais da Revolução Francesa ainda estudante, em Bogotá, e logo passou a militar em círculos patrióticos.

Ele participou ativamente do movimento independentista deflagrado em 1810 e engajou-se no movimento armado que iria se tornar o exército que combateu as tropas espanholas.


Jardins da Casa Museu Antonio Ricaurte, Villa de Leyva Colômbia
Os jardins da casa de Antonio Ricaurte

Jardins da Casa Museu Antonio Ricaurte, Villa de Leyva Colômbia


Ricaurte acompanhou Bolívar na investida pela libertação do território da hoje Venezuela, na tropa que tomou Caracas em 1813.

Em 1814, à frente de 50 soldados, enfrentou um grande contingente espanhol que tentava tomar a fazenda San Mateo, de propriedade do Libertador. Cercado e sem chance de fuga, Antonio Ricaurte incendiou o paiol de pólvora da da Fazenda San Mateo, morrendo na explosão. Tinha 27 anos.

O episódio é homenageado com um verso do Hino Nacional da Colômbia: “Ricaurte en San Mateo en átomos volando deber antes que vida con llamas escribió”.


Fogão a lenha do Século 18, Casa Museu Antonio Ricaurte, em Villa de Leyva, Colômbia
A cozinha do Século 18. No centro, o fogão a lenha, montado em uma bancada. A abertura no teto (abaixo, à direita) funcionava como chaminé



Cozinha do Século 18 na Casa Museu Antonio Ricaurte, Villa de Leyva, Colômbia


A casa de Antonio Ricaurte sofreu muitas alterações ao longo do tempo, até ser abandonada e virar uma ruína. Na década de 60, foi adotada pela Aeronáutica Colombiana (Ricaurte é patrono dessa Arma), que providenciou seu restauro e administra o museu.

O edifício recuperou as suas feições setecentistas – o que a faz parecer mais simples que as outras duas casas-museu deste post, que contam com acréscimos e sofisticações do Século 19.

Casa Museu Antonio Ricaurte, em Villa de Leyva, Colômbia
Reconstrução do madeirame original do salão. À direita, o quarto de Ricaurte. Abaixo, a fachada da casa colonial

Fachada da Casa Museu Antonio Ricaurte, em Villa de Leyva, Colômbia


O acervo do Museu Casa de Antonio Ricaurte reúne armas, uniformes e outras relíquias militares, mas o melhor da visita é ver ao vivo uma casa do Século 18, com sua cozinha rudimentar, as espessas paredes de taipa, a disposição dos cômodos voltados para o pátio da entrada e um exuberante jardim.

Um mergulho na história colonial e na vida cotidiana do Vice-Reino de Nova Granada.

Estátua de Antonio Ricaurte, herói da independência da Colômbia
Estátua de Ricaurte em frente ao museu

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