25 de maio de 2022

Montevidéu - Museu Torres Garcia


Fachada do Museu Torres García em Montevidéu, Uruguai
O Museu Torres García está instalado nesse predinho art déco muito fofo, na Calle Sarandí, exclusiva para pedestres

Desde a primeira vez que bati os olhos num quadro de Joaquín Torres García (1874-1949), virei fã desse uruguaio, parceiro do modernista catalão Antoni Gaudí e do holandês Piet Mondrian

Sou encantada por sua pintura, que junta a (então) vanguarda cubista com elementos que parecem saídos de uma pintura rupestre.

"O Peixe", obra de Joaquín Torres García
O Peixe (1928) foi uma das muitas obras de Torres García destruídas no incêndio do Museu de Arte Moderna, no Rio de Janeiro, em 1978. O museu do artista exibe esta réplica

"Nosso Norte é o Sul", de Joaquín Torres García

O Norte é o Sul (1935) é possivelmente a obra mais conhecida de Torres García, uma afirmação da identidade sul-americana


O Museu Torres Garcia, em Montevidéu, é um programão. Já o tinha visitado em 2011 e voltei agora (maio/2022), para ter uma enorme surpresa: se eu já tinha amado da primeira vez, fiquei saltitante em ver que o museu passou por uma reforma, engordou o acervo e está ainda mais bacana.

Veja as dicas e não perca essa super atração de Montevidéu:

Lago de carpas no saguão do Museu Torres García, Montevidéu, Uruguai
O saguão do Museu Torres García tem até um laguinho com carpas

Museu Torres García em Montevidéu, Uruguai
As salas de exposição estão distribuídas por quatro andares do museu


Museu Torres García, Montevidéu


É tão bom quando uma coisa muito boa muda pra melhor! O Museu Torres García está mais instigante agora do que quando arrebatou meu coração, há 11 anos. 

Os espaços expositivos do museu agora ocupam quatro andares — quatro pavimentos de puro deleite. As mostras em cartaz variam e o museu recebe muitas peças de outros acervos e instituições. 

Esse é mais um grande motivo para voltar sempre ao Museu Torres García (e a Montevidéu, que é o bônus da coisa 😊), pois sempre haverá algo novo para ver por lá.

"Rua com Casa e Nuvem Branca" de Joaquín Torres García
Torres García dizia que precisava olhar as cidades de longe, como desconhecidas, para pintá-las. Eu acho que o resultado tem muita ternura. Acima, Rua com Casa e Nuvem Branca, de 1928

"Igreja em Perspectiva" de Joaquín Torres García
Igreja em Perspectiva, de 1947

"Rua de Nova York" de Joaquín Torres García
Rua de Nova York, obra de 1940


O que não mudou no Museu Torres García foi o cuidado com a montagem do roteiro museológico, que continua muito didático, sem prejuízo do lúdico. O acervo está dividido em temas e as obras são acompanhadas de painéis explicativos que complementam e enriquecem o percurso da visita.

 Na exposição “A Cidade sem Nome”, que toma emprestado o título de um dos livros publicados pelo artista, a gente vê como Torres Garcia brincava com a paisagem urbana, tomando delas os traços que vão virar abstrações geométricas — ou se derramando em ternura para retratar cenas suburbanas, bairros operários cinzas e ocres, cotidianos banais que se tornam extraordinários porque tocados pelo artista.

Nas cidades de Torres García o olhar está sempre voltado para as vizinhanças fabris, para o vai e vem de uma carroça de verdureiro, os cafés boêmios e os bares proletários, a passagem do bonde. 

A beira d'água e as embarcações (personagens recorrentes, para alegria desta Fragata) não se prestam a marinas bucólicas, mas à azafama dos portos entranhada na paisagem urbana.

"A Filosofia e a Musa", afresco de Joaquín Torres García
"Arquitetura com figuras clássicas", de 1914, obra de Joaquín Torres García

Em sua Fase Mediterrânea, Torres García realizou diversos afrescos com temas clássicos. No alto, A Filosofia e a Musa, de 1911. Acima, Arquitetura com figuras clássicas, de 1914

A sessão “Arte Mediterrânea” se concentra na obra produzida por Torres García entre 1906 e 1915, quando vivia em Barcelona — nascido em Montevidéu, filho de um catalão, o artista cruzou o Atlântico com a família, ainda adolescente, quando seu pai decidiu retornar às origens em busca de trabalho.

Em Barcelona, Torres García esteve ligado ao Noucentisme (um trocadilho em catalão que brinca com a ideia de “novecentismo”, referente ao Século 20, e com “nou”, que significa “novo”. 

Ele acabou se afastando desse movimento e se aproximando do Modernismo, especialmente de Antoní Gaudí, o gênio que arquitetou La Pedrera, a Basílica da Sagrada Família e outros ícones desse estilo.

Nova York pintada por Joaquín Torres García
Uma cena de Nova York, onde García tentou a vida, na década de 20 do século passado

"Maja Desnuda" de Joaquín Torres garcía
Torres García também pintou sua Maja Desnuda

(Se quiser saber mais sobre esses movimentos, veja esses posts: Roteiro do Modernismo em Barcelona e O que ver no Museu Nacional de Arte da Catalunha-MNAC).

Para Gaudí, Torres García chegou a desenhar alguns vitrais para a Basílica da Sagrada Família (que o arquiteto não curtiu e dispensou).

"Arte Construtiva", obra de Joaquín Torres García
Arte Construtiva, de 1943

Museu Torres García em Montevidéu

A permanente reflexão de Torres García sobre a arte — seu sentido e função — está em diversos livros e artigos publicados pelo artista e é lembrada em vários ambientes do museu


O Museu Torres Garcia rende um turno inteiro de deleite, se você quiser. Um olhar curioso certamente vai empregar ao menos um par de horas namorando as obras e compreendendo um pouco a concepção que o pintor tinha da arte e sobre seu Universalismo Construtivo, a corrente estética criada por García e que, pra mim, é a geometria a serviço do naïve, ou vice-versa.

Joaquín Torres García estudava com muita dedicação a cosmogonia dos povos da América do Sul, que acabou se tornando um elemento essencial à sua arte. Gosto de tentar identificar em seus quadros os traços pré-colombianos que andei vendo por aí, nesse meu vício por sítios arqueológicos. Ao mesmo tempo, o sotaque é sempre Modernista.

"Figuras com Pombas, de Joaquín Torres García
Figuras com Pombas, de 1949

"Busto de Toureiro", de Joaquín Torres García
Busto de Toureiro, de 1941

García também gostava de construir objetos aparentemente banais (bonequinhos, casinhas), mas absolutamente instigantes. 

São os juguetes transformables, ou brinquedos transformáveis, aos quais podemos dar o ordenamento que quisermos, jogos de armar que buscam aproximar a arte do lúdico, fugindo da pompa que muitas vezes cerca a contemplação.

Brinquedos transformáveis de Joaquín Torres García
Sou encantada com os brinquedos transformáveis de Torres García. Na imagem Cão, de 1924, e Dois Homens, de 1928

Brinquedos transformáveis de Joaquín Torres García
"Numerário", jogo transformável de Joaquín Torres García
O joguinho de armar (que eu entendo como uma vila ferroviária) se chama Numerário e foi criado em 1929. No alto, o conjunto exposto no Museu Torres García. Acima a minha vilinha na estante aqui de casa

Reproduções de alguns desses brinquedos estão à venda na ótima lojinha do museu. É claro que eu, que tenho uma coleção enorme de casinhas, não poderia deixar de ter (e de cuidar como um tesouro) a pequena vila feita de bloquinhos de madeira pintados, evocação de um bairro ferroviário. 

Comprei minha vilinha na visita ao museu de 2011 e morro de amores por ela.

Autorretrato de Joaquín Torres García
Autorretrato de Joaquín Torres García, pintado em 1900

Um pouquinho da história de Torres García

Joaquín Torres García nasceu em Montevidéu, em 1884. Sua formação artística ganhou impulso no final da adolescência, quando se mudou para a Catalunha, terra natal de seu pai, com a família. 

Lá, foi aluno da Escola Oficial de Belas Artes de Barcelona, por onde também passaram Pablo Picasso e a nata do Modernismo Catalão, seja na pintura, na escultura, no design ou na arquitetura. 

Desenho de Torres García da Basílica de Santa Maria del Mar, Barcelona
Lembranças de Barcelona: no desenho para ilustrar o livro A Cidade sem Nome, García retrata a "Catedral do Povo”, a Basílica de Santa Maria del Mar

Em 1921, com 47 anos e filhos pra criar, García foi tentar a vida em Nova York, onde sobreviveu desenhando e fabricando brinquedos de madeira — ocupação que conheceu com o avô materno, uruguaio. De perrengue em perrengue, retornou à Europa e acabou se estabelecendo na França, onde se aproximou do pintor holandês Piet Mondrian e do Movimento De Stijl.

Mas foi só a partir de 1935, de volta a Montevidéu, que Torres-García iria cozinhar todas essas referências em seu Universalismo Construtivo genial.

"Cerca", obra no saguão do Museu Torres García em Montevidéu, Uruguai
"Grafismo em Branco e Preto", Museu Torres García, Montevidéu, Uruguai
A Grade esculpida em ferro exposta no saguão do museu lembra a obra Grafismo em Branco e Preto, um dos 74 trabalhos de Torres García destruídos no incêndio do MAM

Em 1978, o Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro realizava uma exposição sobre Torres García, com obras cedidas por diversos acervos. Na madrugada de 8 de julho daquele ano, um incêndio furioso destruiu o museu, que na época era um dos mais importantes do Brasil.

Entre as perdas irreparáveis — arderam obras de Picasso, Magritte, Miró, Portinari, Di Cavalvalcanti... — nada menos do que 74 trabalhos do pintor uruguaio foram destruídos. 

Torres García pelo mundo

Você verá o trabalho de Joaquín Torres Garcia nos principais museus do planeta. Eu, que sou fã descabelada do artista, divido os museus em duas categorias: os que têm e os que não têm obras do meu xodó — eu digo isso em relação a El Greco também. Museu bom tem que ter esses dois no acervo.

Obras de Joaquín Torres-García no Beaubourg de Paris
Joaquín Torres-García no Beaubourg de Paris
O Beaubourg de Paris dedica uma sala inteirinha a Torres García. O peixe é uma imagem recorrente na obra do artista. A escultura em madeira (acima) é de 1946

Já encontrei Torres García no Museu de Arte Latino-Americana de Buenos Aires (MALBA), no Museu de Arte Moderna de Nova York (MoMA), no Centro de Artes Reina Sofia de Madri, no Centro de Artes Georges Pompidou (Beaubourg), em Paris... A lista é interminável.

Estrutura com Esquema de Objetos, obra de Torres-García no Museu Botero  em Bogotá
Estrutura com Esquema de Objetos, Torres-García no Museu Botero, em Bogotá


Mas nada se compara, em intimidade, a visitar esse pequeno e singelo museu dedicado a Joaquín Torres Garcia em Montevidéu. Quando for à cidade, não perca. Quem sabe, você fica tão apaixonada quanto eu?

Torres García no Museu Nacional de Belas Artes de Buenos Aires (MNBA)
Torres-García no Museu Nacional de Belas Artes de Buenos Aires (MNBA)

Museu Torres-García
Calle Sarandi nº 683, Ciudad Vieja

🕒 Horários: de segunda a sexta, das 10h às 19h. Sábados, das 11h às 17h. Fecha aos domingos. 💲 Ingresso: 100 pesos uruguaios.

Museu Torres Garcia em Montevidéu, Uruguai

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2 comentários:

  1. Oi, muito bacana :) Parabéns pela seleção das imagens e o texto, tá tudo maravilhoso! Só uma correção, não precisa deixar publicado. o incêndio do MAM foi em 1978 (muito triste) :(

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