16 de abril de 2017

Madri desencanada: Chueca e Malasaña


Grafite no bairro de Malasaña, Madri
Malasaña: brechós, grafites e um tremendo alto astral

Bem pertinho das mais palpitantes cartões postais da capital espanhola, dois bairros de Madri — Cueca e Malasaña —  concentram lazer, gastronomia, comércio descolado e um persistente climinha de vanguarda que resiste até mesmo às tentativas de empacotar e vender esse astral como “atração turística”.

Os bairros de Chueca e Malasaña, coladinhos um no outro, são uma Madri desencanada, divertida, ótima opção de hospedagem a bons preços e passeios fora do clichê.

Casarão no bairro de Chueca, Madri
Casarão no bairro de Chueca, uma vizinhança tradicional que virou sinônimo de vanguarda e reduto LGBT

Passei uma semana hospedada em Chueca, agora em janeiro, e me diverti um bocado pela vizinhança. O bairro, assim como seu vizinho Malasaña, não tem nenhuma atração turística blockbuster.

A graça desses dois bairros descolados é bater pernas, descobrir cantinhos interessantes, fuçar brechós, ir traçando o próprio mapa.

fachada antiga no Bairro de Checa, Madri
Chueca está a um passo do Centro Histórico de Madri e é ótima opção de hospedagem

Minha dica de hotel na região: Hospedagem em Madri – o animado bairro de Chueca 


A principal referência sobre Chueca e Malasaña é a Movida, movimento da contracultura que fez de Madri uma espécie de Swinging London mais de uma década depois do reinado da original, sacudindo a poeira da ditadura franquista.

Essa tradição arejada persiste, tanto que Chueca é um dos territórios favoritos da comunidade LGBT de Madri e Malasaña é apontada como uma espécie de Camden Town (guardadas todas as devidas proporções) madrilenha.

Calle Fuencarral, em Chueca, o monumento do Dois de Maio, em Malasaña
A Calle Fuencarral, em Chueca, vista da janela do meu quarto de hotel e o monumento a Velarde e Daoiz, heróis do levante do povo de Madri contra a ocupação francesa, em Malasaña

Ainda que a vibe alternativa de outros tempos pareça estar fazendo algumas concessões ao maisntream — o comércio está cada vez mais povoado por marcas famosas — a caretice ainda destoa muito desse simpático pedaço da capital espanhola.

Veja só o que encontrei de interessante nos bairros de Chueca e Malasaña, onde Madri é mais desencanada :

Bairros de Madri: Chueca e Malasaña


Grafite na Calle de la Palma, bairro de Malasaña, Madri
Calle de la Palma, Malasaña

Hospedagem em Chueca e em Malasaña
Colados ao Centro de Madri, Chueca e Malasaña são bairros tradicionais para onde os aluguéis baratos atraíram artistas estudantes, artistas e outras tribos menos convencionais.

Essa receita de boemia não é muito diferente das fórmulas que engendraram Mitte, em Berlim, ou Notting Hill, em Londres.

Não estranhe, portanto, se você cruzar com senhorinhas vestidas de luto caminhando ao lado da moça de cabelo verde pelas ruas de Chueca e Malasaña.

Para quem se hospeda nesses bairros, há muitas opções de hotéis econômicos/descolados e hostels.

O mesmo vale para a gastronomia: Cheuca e Malasaña são pródigos em restaurantes bacanas em todas as faixas de preço.

E você estará sempre muito perto do Centro Histórico e outras atrações de Madri.

Grafites no bairro de Malasaña, Madri
A reunião de fachadas antigas e street art é uma das características de Malasaña. Já tem até passeio guiado para ver os grafites 

Chueca e Malasaña também são muito bem servidos pelo metrô. Deslocamento, para quem se hospeda lá, não é um problema.

À noite — mesmo no inverno especialmente frio que encontrei por lá, agora em janeiro — Cheuca e Malasaña oferecem muitas as opções de farra, com música para todos os gostos e bares para todos os propósitos, seja sacolejar no Rock’n’Roll até de manhã ou levar um papo cabeça na penumbra de um botequim à moda madrilenha.

Todo esse movimento de gente na rua até mais tarde ajuda na segurança dos dois bairros.



Bairro de Malasaña, Madri


O que fazer em Chueca e Malasaña

⭐ Garimpar Brechós
Um programinha delicioso é explorar os muitos brechós abrigados atrás das velhas fachadas cobertas de grafites de Malasaña. Não importa a que tribo você pertença, dá para montar um guarda-roupa inteirinho por lá.

Partindo da Calle Fuencarral, na altura do Metrô Tribunal, as ruas Velarde e de la Palma concentram muitos brechós bem simpáticos — e os preços não assustam.

Bairro de Malasaña, Madri
Entre um brechó e outro, tem pausa para um café com muito estilo

Ainda em Malasña, a Calle Corredera Alta de San Pablo, primeira paralela à Fuencarral, também é cheia de lojinhas de camisetas criativas (morri porque não comprei uma com a cara de Chewbacca sob a inscrição "Rebel Scum"), quinquilharias divertidas e bares simpáticos.  

⭐"Safári de grafites" em Malasaña
Sou fã de arte de rua e me esbaldei explorando as muitas intervenções criativas nas fachadas centenárias de Malasaña.

E se você pensa que grafite é invenção recente, é porque ainda não viu as intervenções antiguinhas que há no bairro.


Grafites no bairro de Malasaña, Madri


Se você quiser ver os grafites de Malasaña de um jeito mais "organizado", pode ser uma boa ideia se engajar em um safári urbano organizado pelo Madrid Street Art Project, organização que promove intervenções artísticas em espaços públicos.

Os safáris são passeios guiados realizados em diversas áreas da cidade, além de Malasaña, e custam € 5 por pessoa. Para ver datas, horários e detalhes, acesse o site do projeto.


Monumento ao Dois de Maio em Malasaña, Madri
Velarde e Daoiz, os dois capitães que morreram combatendo ao lado do povo de Madri. O arco é tudo o que resta do antigo quartel de Monteleon, sublevado em apoio à revolta popular

⭐A memória do Dois de Maio em Malasaña
O coração do bairro de Malasaña é a Plaza Dos de Mayo (Praça Dois de Maio), um dos centros da revolta do povo de Madri contra a ocupação napoleônica, em 1808 – imortalizada pelas viscerais pinturas de Francisco Goya.

A Plaza Dos de Mayo ocupa a área do antigo Quartel de Artilharia de Monteleon, a única unidade militar espanhola a se aliar aos madrilenhos para enfrentar as tropas francesas. 

O nome do bairro, aliás, é uma referência à costureira Manuela Malasaña, adolescente morta pelos franceses — que reagiram ao levante popular com um banho de sangue que prosseguiu pelos dias seguintes, retratado na tela "Os Fuzilamentos do Três de Maio" de Goya, exposto no Museu do Prado.

Praça Dois de Maio, Malasaña, Madri
Plaza Dos de Mayo

Os dois oficiais que comandaram o levante de Monteleon, os capitães Luis Daoíz e Pedro Velarde, foram mortos durante o combate. Eles estão representados em um monumento no centro da Praça Dois de Maio.

Foi o povo pobre de Madri quem tomou a iniciativa de enfrentar as tropas francesas que ocupavam a cidade, sob o comando do célebre general Murat, cunhado de Napoleão e futuro rei de Nápoles.

Os invasores franceses haviam imposto uma humilhação terrível aos espanhóis, forçando a abdicação de seu rei, Carlos IV.

O filho de Carlos, Fernando VII, virtualmente prisioneiro, “reinou” por alguns meses, até que Napoleão o substituísse pelo próprio irmão, José Bonaparte, que os madrilenhos trataram de alcunhar de Pepe Botella (“Zé Garrafa), em alusão ao pendor etílico do monarca.

Bar no bairro boêmio de Malasaña, Madri
Quase em frente à estátua de Velarde e Daoiz, esse café ironiza o rei francês contra o qual se rebelaram os madrilenhos. Pepe Botella era o apelido pouco lisonjeiro dado a José I Bonaparte, irmão de Napoleão, aboletado no trono espanhol e, dizem, muito chegado ao conteúdo das garrafas

A tentativa de levar para a França os irmãos de Fernando VII — meio que uma tomada de reféns — provocou um protesto popular acalorado, mas pacífico, dissolvido a canhonaço pelas tropas napoleônicas. A repressão foi a senha para o levante popular.

A falta de armas e organização militar não foi impedimento para que o povo de Madri — com a participação destacada de mulheres — resistisse ferozmente aos franceses, donos do exército mais poderoso do Ocidente, na época.

A elite madrilenha assistiu ao banho de sangue de seus balcões e, entre as guarnições militares da cidade, só Monteleón, liderada pelos capitães Velarde e Daoíz, saiu em socorro da população.

Uma rua de Malasaña
Uma rua de Malasaña

No dia seguinte, 3 de maio, Madri acordou ao som dos fuzilamentos em massa ordenados por Murat. Qualquer um portando faca, tesoura ou navalha era conduzido ao paredão.

O banho de sangue ordenado pelos franceses e a indignação que varreu o país foram o estopim da Guerra de Independência Espanhola.


Bar no bairro de Malasaña, Madri
Não esqueça de fazer um brinde ao povo de Madri


Seis anos de luta e 1 milhão de mortos depois, forças combinadas — tropas regulares e guerrilhas — de espanhóis, portugueses e britânicos venceriam a última batalha contra as os exércitos napoleônicos na Espanha, concretizando a expulsão final dos franceses.

O quartel de Monteleón não existe mais. Apenas o seu portal, no centro da Plaza dos de Mayo, serve de moldura ao monumento a Velarde e Daoíz.

Em volta do cenário histórico, bares simpáticos sugerem uma pausa para um cálice de xerez ou para uma farra pé na jaca à noite. Aceite o convite e faça um brinde ao povo de Madri.

Mercados gastronômicos de Madri: Mercado de San Antón e Mercado de San Ildefonso
Vamos de tapas? O Mercado de San Antón, em Chueca, e o Mercado de San Ildefonso (dir), em Malasaña, são duas ótimas opções

⭐Comida de mercado em Chueca e Malasaña
Se você curte comida de mercado — e quem não? — tem mais um motivo – na verdade, dois — para dar um pulinho em Chueca e malasaña.

Os mercados de San Antón, em Cheuca, e de San Ildefonso, em Malasaña, são ótimos para bebericar, ir de tapas ou para uma refeição mais elaborada. 

Os pratos tradicionais das cozinhas das diversas regiões da Espanha ganham toques criativos nas mãos de jovens chefs que mantêm boxes nos dois points gastronômicos.

E o melhor de tudo são os preços, bem pagáveis.

Escrevi sobre San Antón e San Ildefondo neste post: Comer em Madri, a sedução dos mercados


Museu de História de Madri
O edifício barroco que abriga o Museu da História de Madri fica bem em frente à Estação Tribunal do metrô 

Museu de História de Madri


Museu da História de Madri
Calle Fuencarral nº 78, Chueca. Metrô Tribunal (linhas 1 e 10)
De terça a domingo, das 9h30 às 20h. Entrada gratuita.

Só o edifício já valeria a visita ao Museu de História de Madri. O antigo Hospicio del Ave María y Santo Rey Don Fernando (“hospício” significa asilo e não manicômio), foi fundado no Século 17, mas as características do edifício são castiçamente barrocas — e encantadoras.

Sua portada belíssima esculpida em pedra (a primeira coisa que eu via, todas as vezes que emergia da estação de metrô Tribunal, a caminho do hotel) é só o prelúdio de uma viagem breve, mas muito interessante, pela fascinante história da antiga “capital do mundo”.

Museu de História de Madri, no bairro de Chueca
A portada barroca do museu e o pátio interno

O interior do antigo edifício passou por uma cuidadosa reforma para a instalação do Museu Histórico.

O prédio ganhou acréscimos modernos para abrigar um rico acervo de telas, mobiliário, objetos decorativos e outras peças que ajudam a resgatar ícones da vida madrilenha ao longo dos séculos.


Museu de História de Madri, no bairro de Chueca
Filipe II, o rei que oficializou Madri como capital da Espanha

Museu de História de Madri, no bairro de Chueca
Quadros e maquetes nos mostram as feições de Madri nos séculos 17 e 18

O Museu Histórico de Madri tem uma coleção interessante de maquetes de edifícios e áreas históricas da cidade. Alguns desse edifícios estão perdidos para sempre em incêndios e reformas "modernizantes".

É o caso do Alcázar de Madri. A antiga sede da monarquia espanhola, consumida pelas chamas no Século 18, foi substituída pelo atual Palácio do Oriente. A maquete exposta no Museu Histórico de Madri nos dá uma boa ideia de como era o antigo palácio.

Maquete do Alcázar Real, Museu de História de Madri, no bairro de Chueca
Maquete do Alcázar de Madri, destruído por um incêndio no Século 18 e substituído pelo Palácio del Oriente

Outra maquete interessantíssima reproduz as famosas Gradas de San Felipe, o mais famoso mentidero da cidade, na Porta do Sol.

Um mentidero era uma instituição tipicamente espanhola, ponto de encontro onde circulavam as notícias e as fofocas, onde se faziam os contatos sociais, os conchavos políticos e os negócios. Uma espécie de Facebook ao vivo e em cores, no Século 17.

Maquete das Gradas de San Filipe, no Museu de História de Madri, no bairro de Chueca
O adro suspenso da Igreja de San Filipe era palco do mais célebre mentidero de Madri

Outra parte importante do acervo do Museu Histórico de Madri é a coleção de peças da Real Fábrica de Porcelana del Buen Retiro, um orgulho espanhol no Século 18.


Museu do Romantismo, Madri, bairro de Chueca
O Museu do Romantismo: acervo interessante e um café charmosíssimo

⭐ Museu do Romantismo
Calle San Mateo nº 13. 
Terça a sábado, 9:30h às 20:30h. Domingos e feriados, das 10h às 15h. 
A entrada custa € 3 (grátis aos sábados, a partir das 14 horas).

Instalado em um palacete neoclássico do Século 18, o Museu do Romantismo é puro deleite. Concebido como um museu-casa, ele busca reconstituir a vida cotidiana doméstica e social das elites espanholas na primeira metade do Século 18, período marcado pela escola artística do Romantismo.

As cerca de 16 mil peças do acervo — pinturas, esculturas, desenhos, mobiliário e fotografias — propiciam uma viagem por salões, alcovas e a mentalidade de uma era.

Pena que não pode ser fotografado, mas, acredite em mim, o Museu do Romantismo de Madri é imperdível.

No interior do museu funciona um café que, nos meses mais quentes, oferece mesas num jardim encantador.


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