29 de julho de 2013

Curaçao: Museu Kura Hulanda - o esplendor da África e o horror da escravidão


Arte Africana, esculturas em bronze do Reino do Benin, Museu Kura Hulanda, Curaçao

Esculturas em bronze do Reino do Benin no Museu Kura Hulanda de Curaçao



Os horrores da escravidão geralmente são simbolizados por instrumentos de tortura, correntes e pelourinhos. O Museu Kura Hulanda, em Willemstad, Curaçao, resolveu contar essa história de um modo diferente e muito mais forte.

O deslumbrante acervo de esculturas em bronze, instrumentos musicais, cestaria e máscaras rituais expostos no Museu Kura Hulanda encantam e, ao mesmo tempo, são documentos incontestáveis da violência contida na submissão de gente com tão sofisticado patrimônio simbólico ao embrutecimento de ser tratado como ferramenta da economia colonial.

Instrumentos musicais africanos no Museu Kura Hulanda, Curaçao

Coleção de instrumentos musicais 


As requintadas técnicas utilizadas na confecção dos objetos, a rica subjetividade e o poder material dos Reinos da África aparecem em cada peça do acervo, num forte contraste com as instalações propositalmente toscas do museu, os barracões de madeira — reprodução dos alojamentos dos escravos — onde estão expostos.

O desconforto de ver tanta beleza confinada a uma senzala provoca a empatia imediata com os herdeiros de tanto engenho e arte, escravizados nas Américas.

Embarcação típica do Mali no Museu Kura Hulanda de Curaçao

Embarcação típica do Mali


Embarcação típica do Mali no Museu Kura Hulanda de Curaçao

Nem o aparelho de ar condicionado, ligado no máximo da capacidade, para conforto dos visitantes, consegue reduzir a sensação de sufocação resultante da visita ao Museu Kura Hulanda — um programa desafiador, mas fundamental para quem visita Curaçao.



Visita ao Museu Kura Hulanda de Curaçao

Bonito, comovente, perturbador, o Museu Kura Hulanda funciona no interior do resort do mesmo nome, um empreendimento instalado em um belo conjunto de casas coloniais holandesas dos séculos 18 e 19, cuidadosamente restauradas, no bairro de Otrobanda.

Museu Kura Hulanda, em Willemstad, Curaçao

O museu funciona nas dependências do Hotel Kura Hulanda


O Hotel Kura Hulanda de Willemstad (ele tem outra unidade em Playa Kalki, no extremo Norte da Ilha, a 46 km da capital) é como uma pequena vila colonial, a poucos passos da Baía de Santa Ana, onde desembarcavam os lotes de africanos escravizados.

A sucessão de pracinhas, ruelas arborizadas e encantadoras fachadas coloridas no interior do hotel acabam funcionando como antessala para ao espaço do Museu Kura Hulanda, um misto de aldeia africana e barracões de senzala.

Hotel Kura Hulanda, em Curaçao, reproduzindo uma vila colonial holandesa

O Hotel Kura Hulanda tem construções coloniais originais e réplicas de casinhas coloniais holandesas


Hotel Kura Hulanda, em Curaçao, reproduzindo uma vila colonial holandesa

Instalações do Hotel Kura Hulanda, em Curaçao, reproduzindo uma vila colonial holandesa

Antes de chegar ao acervo dos Reinos da África, o Museu Kura Hulanda tem uma sala muito interessante dedicada a peças do Oriente Médio e Egito, chamada "Terra de Abraão".

Essa parte do acervo resgata a memória dos muitos judeus que encontraram em Curaçao um refúgio às perseguições religiosas enfrentadas na Europa e puderam prosperar na antiga colônia holandesa.

Exposição "Terras de Abraão", sobre a diáspora dos judeus, no Museu Kura Hulanda de Curaçao

"Terras de Abraão": antes de chegar ao acervo dos reinos africanos, o museu fala de outra diáspora, a do povo judeu, que teve forte presença em Curaçao


Exposição "Terras de Abraão", sobre a diáspora dos judeus, no Museu Kura Hulanda de Curaçao

Para ver o Museu Kura Hulanda com calma, reserve pelo menos duas horas

O roteiro da exposição (você vai receber um mapinha junto com o ingresso) vai conduzindo o visitante pelas salas onde também estão reproduzidas habitações típicas de alguns dos Reinos da África e onde estão expostos objetos rituais, utensílios da vida cotidiana, armas e vestuário. 

Esculturas africanas no Museu Kura Hulanda, Curaçao

Escultura, peças de vestuário e pergaminhos com textos religiosos fazem parte do rico acervo do Museu Kura Hulanda


Esculturas africanas no Museu Kura Hulanda, Curaçao

Sala dedicada à cultura do Mali, Museu Cura Hulanda, Curaçao

Sala dedicada ao Mali e à cidade de Timbuctu


Uma das salas é dedicada a Timbuctu, no Mali, cidade que marca os limites da África negra com o Deserto do Saara e que foi usada como base para muitos empreendimentos coloniais europeus naquele continente.

E quando já estamos absolutamente encantados com a beleza e a sofisticação dos objetos expostos no Museu Kura Hulanda, uma escadaria que reproduz o acesso a um porão de uma embarcação nos leva ao horror.

Reprodução de uma aldeia africana no Museu Kura Hulanda, Curaçao

A "praça da aldeia africana" funciona como saguão do museu


Reprodução de uma aldeia africana no Museu Kura Hulanda, Curaçao

Reprodução de uma aldeia africana no Museu Kura Hulanda, Curaçao

Correntes e "prateleiras" usadas para sujeitar e acondicionar gente, no longo transporte transatlântico, dão uma ideia do universo claustrofóbico e soturno de um navio negreiro.

O efeito é devastador, por dar a dimensão exata da monstruosidade. O contato com a riqueza cultural das pessoas escravizadas exposta no acervo foi só um prólogo para a falta de ar que herdei delas, encapsulada naquele porão.

Porão de um navio negreiro no Museu Kura Hulanda de Curaçao

Porão de navio negreiro: depois da beleza, o horror


O Museu Kura Hulanda é uma visita obrigatória para quem vem a Willemstad. Roube algumas horinhas que você dedicaria à maravilhosas praias de Curaçao para vê-lo e você não vai se arrepender.

Refletir sobre a escravidão — e sobre a exclusão e o racismo que decorrem desse processo — pode parecer um programa estranho, num país tão belo e tão solar quanto Curaçao, mas não esqueça que essa é uma história essencial à formação de toda essa nossa América.

E garanto que, depois desse percurso da beleza ao horror, você  nunca mais vai encarar a questão do mesmo jeito.

Reprodução de uma aldeia africana no Museu Kura Hulanda, Curaçao
A exposição de um acervo tão lindo em casinhas de senzala provoca desconforto e reflexão

Reprodução de uma aldeia africana no Museu Kura Hulanda, Curaçao

Reprodução de uma aldeia africana no Museu Kura Hulanda, Curaçao

A Ilha de Curaçao foi palco de uma das primeiras revoltas de escravos registradas nas Américas, em 1795. O movimento, liderado por Tula, durou seis semanas até ser derrotado — a retaliação dos senhores de escravos foi brutal.

Essa história você conhece melhor visitando o Museu Tula, na antiga sede da fazenda onde explodiu a rebelião, do ladinho da praia de Kanepa Grandi, a mais famosa de Curaçao.


Museu Kura Hulanda, Curaçao

⭐ Museu Kura Hulanda
Klipstraat nº 9, Otrobanda, Willemstad.
Aberto diariamente, das 10h às 17 horas. A entrada custa US$ 10 (aceita cartões de crédito).

É bem fácil de chegar ao Museu Kura Hulanda, graças às placas de sinalização que estão por toda parte. 

Os visitantes podem usar o estacionamento do hotel, assim como os cafés e restaurantes instalados no complexo. 

Museu Kura Hulanda, Curaçao

A lojinha de souvenir tem as reproduções de casinhas do Handelskade mais bonitas que que vi pela ilha (e eu sou uma ávida colecionadora de casinhas...). 


O Caribe na Fragata Surprise

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4 comentários:

  1. Como se pode solicitar o direito de reproduzir?

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    Respostas
    1. oi, Marko, depende. Manda no meu email o que vc quer reproduzir. Abs
      Cyntia

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  2. Pela primeira vez na vida tive vontade de me hospedar em um resort...

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  3. Pois é, Nivia, fique com a sensação de que o Kura Hulanda deve ser bem interessante, como opção de hospedagem. Em Curaçao, as opões fora dessa fórmula não são muitas, então, que pelo menos a gente fique numa "ilha da fantasia" comprometida com um projeto tão bacana qto o museu, não é? Só que acho que os preços do hotel são um pouquinho altos para meu orçamento :) Abs

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