28 de dezembro de 2006

Madri, a noite democrática


Gran Café Gijón, uma tradição madrilenha

Passava de uma da manhã e lá estava eu, entretida com um livro e um cálice de jeréz, em uma "mesa de pista" do Gran Café Gijón. A casa legendária casa do Passeo de los Recoletos, em Madri, ainda estava estava animadíssima àquela hora, com gente que fala alto, gesticula e gargalha — sem perder, contudo, a "medida europeia".

Eu estava lendo (de novo)  Por quem os sinos dobram, de Hemingway em um cenário foi um dos quartéis generais republicano durante a Guerra Civil. Mas a cena que se desenrolava fora das páginas do livro tinha muito mais apelo é é a cara de Madri: com mais de 40 anos, eu era caçula dos frequentadores do Café Gijón naquela madrugada de frio ameno.

Tem coisa mais legal que uma cidade onde gente com mais de 70 anos ainda se sente "no direito" de curtir uma noitada?

Uma cena assim é rara no Brasil: gente mais velha se divertindo, entre amigos, sem a intermediação de filhos e netos, que lhes sirvam de "guias" ou “intérpretes” do mundo da rua. É outro patamar de cidadania, no qual as oito décadas de vida não reduzem você a avô ou avó de alguém. Ao contrário, ainda lhe permitem existir como indivíduo autônomo, que independe de qualquer grau de parentesco para "autenticar" seu estar-no-mundo.

Essa “cidadania da terceira idade”, tão natural entre os europeus — inclusive os “europeus” de Buenos Aires — estava se expressando bem ali do meu lado e foi longe: meus vizinhos de mesa ainda conversavam animadíssimos, às duas da manhã, quando fui embora do Gijón.

Afinal, ser madrilenho é viver na verdadeira cidade que nunca dorme. Onde, à meia noite, as estações de metrô estão lotadas de famílias voltando para casa, depois das compras dos presentes do Dia de Reis. A cidade onde a garotada de vinte-e-poucos sai de casa para a balada bem depois da uma da madrugada e onde boêmios ainda estão a mil por hora seja lá a que momento do dia.

Andar a pé à noite, em Madri, é um programão. Minha ida ao Gijón foi bem no Dia de los Santos Inocentes (28 de dezembro), que equivale ao 1º de Abril espanhol. A data é comemorada com uma espécie de procissão de perucas absurdas, nas cabeças mais inesperadas — um sujeito de terno, chiquérrimo, passa com um simulacro de cabeleira Toni Tornado, na Gran Via, rumo à happy hour.

Todas as noites, desfruto da sensação de segurança que as ruas cheias de gente proporcionam. E ainda descubro algo simpático ou divertido para fazer, seja ouvir a conversa animada dos vizinhos de mesa (falam de política, é claro), seja flertar com os belos madrilenhos que passam apressados (mas não tanto que não olhem...).

Dizem que essa disposição notívaga é conseqüência da siesta, a soneca pós-almoço que costumava deixar a Espanha deserta entre as 14 e as 17 horas — mas nem nesse horário Madri sossega. Seja lá a que horas os madrilenhos durmam, devem fazê-lo num muito bem organizado sistema de turnos, garantindo que as ruas estejam sempre cheias, animadas, alegres e cordiais.

Gran Café Gijón
Passeo de los Recoletos 21

Perto do Museu do Prado e do Museu Thyssen- Bornemisza, o Gijón é uma instituição madrilenha, fundada em 1888. Entre seus frequentadores  Garcia Lorca e o famoso toureiro cuja morte inspirou ao poeta o Llanto por Ignacio Sánchez de Mejias ("Lo demás era muerte y sólo muerte/ a las cinco de la tarde").

Durante a Guerra Civil, foi ponto de encontro da Juntas de Defesa de Madri, grupos de milicianos que lideraram a defesa heroica da cidade contra as tropas de Franco. Mas nem a idade nem as memórias conseguem fazer o Gijón parecer solene ou empostado. O astral despretensioso o tornam um adorável lugar para ver Madri.

Dia de los Santos Inocentes

É como o nosso 1º de Abril de antigamente, quando a gente se divertia em pregar peças nos outros. Aqui em Madri, as pessoas usam máscaras, perucas e muitos, muitos apitos e cornetas — um estádio lotado de vuvuzelas não é páreo para a Plaza Mayor, onde um tradicional Mercadillo de Natal vende adereços para a festa de hoje. Os "Santos Inocentes" são os primogênitos hebreus, massacrados por ordem de Herodes, na tentativa de exterminar o Messias, no ano de nascimento de Cristo.


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