26 de julho de 2005

Caminho de Santiago: Pontevedra, a bela

Caminho de Santiago, Pontevedra, Ponte O Burgo
Amanhecer em Pontevedra, hora de pegar a estrada para Caldas de Reis. A Ponte O Burgo é o ponto de partida desta etapa

Caminho de Santiago - percurso de hoje: de Pontevedra a Caldas de Reis, 8 km

Como Pontevedra é bonita! Ela fica à beira de uma ría (braço de mar entre montanhas). Diz a lenda que a cidade  foi fundada por um herói da Guerra de Troia, Teucro, que Homero descreveu como um dos grandes arqueiros gregos.

Porto pesqueiro desde a Idade Média e ponto de passagem na rota de peregrinos a Santiago de Compostela, Pontevedra se acostumou-se à prosperidade. Seus belos monumentos estão lá para provar isso para provar isso.

Pontevedra bem que merecia uma visita mais longa além do fim de tarde e pernoite, mas meu objetivo agora é chegar a Santiago, que ainda está a 60 km.

Mesmo assim, gostei muito do que vi no Centro Histórico medieval bem preservado, cortado pelo Rio Lérez e dominado pela Igreja da Virxen Peregrina, do Século 13.


A Igreja da Virxem Peregrina, do Século 13
Chegamos a Pontevedra no meio da tarde. O Albergue de Peregrinos fica logo na entrada da cidade e tem tem aspecto bastante agradável, um edifício moderno, com área externa ajardinada e um grande salão onde é possível bater papo longe do calor.

O Albergue de Pontevedra tem também uma lojinha que ajuda a sustentar as despesas com a manutenção do lugar.

Aproveitei a loja para completar minha "indumentária": comprei um cajado devidamente paramentado com duas conchas de vieira, símbolo dos peregrinos de Compostela.

Convento de São Francisco, em Pontevedra
Daí em diante eu iria entender a impressionante diferença de caminhar com o apoio do cajado. Nas subidas, principalmente.

Dulce já tinha encontrado o dela, no meio da estrada. Um galho torto, caído à beira do caminho, talvez pesado demais. Mas não pesado o suficiente para impedi-la de carregá-lo na volta a Lisboa, como lembrança da viagem, pouco ligando para o quanto ele parecia estranho e fora de contexto no bagageiro do ônibus.

Eu fiquei muito feliz com meu novo cajado, especialmente pelas duas conchas de vieira chacoalhantes — é verdade que no resto da viagem o clac-clac das conchas iria me torrar a paciência, mas na hora eu não sabia disso 😀.


Como cuidar das bolhas nos pés
Uma presença inescapável na vida de um peregrino, a essa altura do Caminho de Santiago, são as bolhas nos pés.

Dulce chegou a Pontevedra com algumas bem feias nas solas dos pés. Zé, missionário franciscano experiente em caminhadas a Santiago, foi quem ajudou com os curativos.

Ele furou as bolhas com agulha esterilizada em álcool e passou uma linha de costura por dentro delas, como um dreno.

Eu cheguei a Pontevedra sem bolhas. Caminho mais devagar e paro com mais freqüência por conta das fotos, das anotações para o diário e da preguiça.

Sempre que encontro uma fonte, molho os pés com a água fria — ajuda a desinchar — e calço meias secas.

Conversando com os peregrinos mais experientes, descobri que cada um tem um truque infalível contra as bolhas:

Um casal madrilenho jura que o melhor é envolver os pés em esparadrapo.

Uma família de Lisboa jura que quanto mais velhinho o tênis, menor o risco.

Dois senhores portugueses aprovam minha tática de trocar as meias várias vezes por dia.

Truque para evitar bolhas nos pés no Caminho de Santiago
Contra as bolhas, um truque bizarro, mas eficaz: absorventes femininos usados como palmilhas ajudam a manter os pés secos. À esquerda, uma fachada muito galega
Dulce descobriu um tipo de band-aid especial para bolhas, com uma espécie de almofadinha de gel, que é muito eficiente. É da marca Compeed, a mesma que fabrica o milagroso creminho em bastão contra calos e bolhas (que eu só descobriria anos depois de fazer o Caminho de Santiago, mas recomendo entusiasmada).

Quem nos ensinou o truque mais bizarro (e eficaz!) foi Zé, missionário português veteraníssimo nas rotas para Compostela: absorventes femininos usados como palmilhas, dentro do calçado, ajudam a manter os pés secos e livres das bolhas.

Uma bomba no caminho
Eu não tive bolhas nos pés (só uma, que apareceu no penúltimo dia), mas estava sofrendo de outro grave incômodo: síndrome de abstinência de notícias.

Não via a internet desde a véspera da partida, em Lisboa. Ao chegar em Pontevedra, corri para a Estação Ferroviária, ao lado do albergue, à procura de uma lan house.

Descobri que, dois dias antes, uma bomba havia explodido num estacionamento, em Santiago de Compostela, ação atribuída pelas autoridades ao grupo separatista basco ETA.

Minha caixa de e-mails estava lotada de gente querendo notícias, preocupada com minha segurança.

Fonte no Centro Histórico de Pontevedra, no Caminho de Santiago
Antes da partida, Dulce abastece o cantil na fonte em frente à Igreja da Virxem Peregrina
O Albergue de Peregrinos de Pontevedra
Rúa Ramón Otero Pedrayo s/n

É um prédio novo, amplo, com 56 vagas, bem pertinho da estação de trem (ou seja: pertinho da internet e, se for seu caso, de farta oferta de fast food).

Tem cozinha, lavanderia (máquinas de lavar e secar!!!), "garagem" de bicicletas, loja de suvenir e escritório de informações turísticas.

Em frente ao Albergue de Pontevedra tem um restaurante bem caseirinho que acabou sendo um ótimo refúgio para escrever, petiscar e chamar o sono com uma jarra do vinho da casa.

Mas a minha noite não seria nada plácida. Tive uma crise alérgica — certamente reação à poeira nos beliches do albergue — que começou com uma tosse interminável e culminou com o ataque de asma mais violento que tive na vida adulta.

No meio da noite, naquele dormitório enorme e cheio de gente, tive a absoluta certeza de que ia dar uma de San Telmo e bater as botas no meio da peregrinação.

Levantei no escuro, meio zonza e fui buscar ar no salão do albergue. Bastou sair do beliche para o pior da crise passar. Acabei dormindo na maca da enfermaria, onde fui encontrada e despertada antes do sol nascer.

Ponte O Burgo em Pontevedra, no Caminho de Santiago
Euzinha pronta pra partir. Não se iludam com o modelito shortinho/regata da foto. As manhãs galegas são bem friazinhas, mesmo no alto verão. Minha semi-nudez era resultado da preguiça de vestir os agasalhos, sabendo que daí a pouco faria calor 😀

Amanhecer em Pontevedra
Chove demais na Galícia, faz frio e é difícil levantar tão cedo, ainda mais depois de uma noite meio de terror.

Mas a beleza de Pontevedra em plena alvorada compensa. As construções de pedra ganham um tom de azul com a luz do amanhecer. Deixei a a cidade, atravessando a Ponte O Burgo — linda! — com a sensação de que devia ficar mais um pouco.

Estamos exatamente na metade do caminho e só agora eu começo a acreditar que vou mesmo completar essa caminhada até Santiago.


A Espanha na Fragata Surprise
Madri
Andaluzia: CádisCórdobaGranadaRonda e Sevilha
Castela e La Mancha: Toledo

Castela e Leão: SegóviaCatalunha: BarcelonaGirona Tarragona
Comunidade Valenciana: Valência
Galícia: Santiago de CompostelaCaminho de Santiago e cidades da rota


A Europa na Fragata Surprise

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